No dia seguinte à tragédia que deixou uma pessoa morta e outras cinco feridas, no Setor de Indústria e Abastecimento (SIA), o Correio visitou alguns pontos onde as vias cortam a linha de trem, no Distrito Federal. Além do local onde aconteceu o acidente, a reportagem conferiu mais cinco travessias — sendo quatro no Guará e uma também no SIA.
Nelas, foi possível observar as sinalizações verticais, com placas de "pare" e outras com a frase: "pare, olhe e escute". Porém, as pinturas nas vias estavam apagadas, principalmente no local do acidente e na passagem de nível que fica próximo ao Guará Park e bem ao lado de uma creche.
Por lá, o mecânico Diego Henrique, 36 anos, conta que, durante a semana, a travessia costuma ficar bastante movimentada, devido ao fluxo diário da unidade educacional. "Tem dias que o vagão costuma passar por volta das 12h, que é o horário de saída das crianças e, por mais que não tenham acontecido acidentes, é muito perigoso, pelo fato de ter carros buscando elas nesse período", alerta.
Lindalva de Carvalho, 43, mora bem próximo à passagem de nível e soube de um acidente na travessia. "A motorista não sofreu nada, mas o carro capotou e ficou com os pneus para cima. Ela falou que achava que dava tempo de passar, por isso tentou", detalha.
Segundo ela, até mesmo os pedestres sofrem para atravessar. "Eu mesma procuro evitar. Costumo passar pelo outro lado, que não tem movimento de carros. Mas, quando estou com o carrinho de bebê, não tem jeito, tenho que passar por aqui", ressalta.
No SIA, um funcionário da companhia que administra a ferrovia, que não quis gravar entrevista, estava entregando panfletos para motoristas que trafegavam pela região. Ele informou que a ação fazia parte de uma campanha de conscientização, mas não quis entrar em detalhes.
Um pouco de cada
Os dois entrevistados foram unânimes em afirmar que acidentes como o de sexta-feira são causados pela imprudência dos motoristas. "O trem vem buzinando de longe. A não ser seja um pedestre surdo, não tem como não escutar que está vindo. Só se estiver muito desligado mesmo", comenta o mecânico Diego Henrique. "Acho que tem um pouco de cada coisa, tanto a falta de sinalização quanto a imprudência dos motoristas. Também poderia ter um sinal ou uma cancela, para evitar essas travessias perigosas", opina Lindalva.
Para a psicóloga do trânsito e pós-doutora em planejamento urbano e políticas públicas de transportes Zuleide Feitosa, no DF e no Brasil, como um todo, o condutor de qualquer veículo, de motociclista a motorista de ônibus, tem muita dificuldade de obedecer as regras de trânsito. "Isso tem que ser internalizado na nossa vida, porque acidentes continuarão acontecendo, pois, mesmo se houvesse uma cancela, por exemplo, não há garantias de que o acidente não aconteceria", alertou. "A cancela é só mais um dispositivo, tanto quanto as placas verticais, que são extremamente eficientes, se a pessoa estiver com atenção nelas", destacou a especialista.
A psicóloga do trânsito ressalta que é muito alta a quantidade de acidentes que acontecem devido às distrações dos condutores, pedestres ou ciclistas. "Mais do que propriamente por culpa da via e seus artefatos, sinalizações etc. É óbvio que elas existem e contribuem significativamente, mas não há segurança se o nosso comportamento não for seguro", pondera.
"Verificando o vídeo, é possível observar que o condutor do ônibus passou oito segundos praticamente parado na linha e se deslocando muito devagar, apesar de, nesse intervalo, o trem estar buzinando e, provavelmente, já vinha buzinando há muito mais tempo", observa.
O artigo 212 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) prevê, como infração gravíssima, a conduta de não parar o veículo antes de transpor linha férrea. Ele se relaciona à norma geral de circulação e conduta descrita no artigo 29, inciso XII, segundo o qual os veículos que se deslocam sobre trilhos terão preferência de passagem sobre os demais.
Desdobramentos
O motorista de ônibus envolvido no acidente, Pedro Domiense Campos, deve prestar depoimento na terça-feira. Ao Correio, o delegado-adjunto da 3ª DP (Cruzeiro), Bruno Dias, disse que há uma série de desdobramentos aguardados para as próximas semanas. "Os laudos dos exames periciais principalmente, mas todas as oitivas das vítimas que ainda não puderam ser ouvidas, além do interrogatório do motorista", disse.
Em depoimento na noite de sexta-feira (17/11), o motorista disse que estava em um engarrafamento quando o trânsito parou "de repente em cima da linha (do trem)" e ele foi surpreendido pelo comboio ferroviário. A delegada questionou sobre a frequência em que Domiense realizava o trajeto e ele respondeu que era a cada 15 dias. "Alegou que o veículo era velho, que esse ônibus tem mais de 10 anos e não teve força para arrancar o ônibus da linha", segundo consta no boletim de ocorrência.
A Secretaria de Saúde do Distrito Federal (SES-DF) informou que quatro das seis vítimas seguem internadas no Hospital de Base. De acordo com informações da pasta, duas estão em estado mais grave e uma estaria sendo acompanhada pela equipe de psiquiatria do hospital, por estar em estado de choque. Todos os pacientes estão estáveis.
A pasta também disse que outra vítima, que foi transportada para o Hospital Regional de Ceilândia (HRC), foi atendida pela equipe médica e realizou os exames, apresentando quadro estável e sem indicação de fraturas ou sangramentos.
Viação Marechal
Em nota de esclarecimento, a Viação Marechal informou que após “incessante busca”, a empresa conseguiu entrar em contato com Ana Rosa de Albuquerque, 72 anos, mãe de de Julia de Albuquerque Violato, 37 anos, que morreu na tragédia ocorrida na sexta-feira (17/11), no Setor de Indústria e Abastecimento (SIA), e que se colocou à disposição para auxiliar no que fosse possível.
A nota ainda diz que, no momento, a mãe da vítima não quer ser incomodada e que a Marechal vai respeitar a decisão. A concessionária diz ainda que tenta contato com as demais vítimas para prestar a devida assistência.
A empresa reforçou que colaborará com as investigações em andamento e está à disposição das vítimas e de seus familiares.
Colaborou Naum Giló.
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