Trânsito

Um mês após tragédia de ônibus e trem, cruzamento no SIA segue inalterado

O Correio voltou ao local do acidente um mês após a colisão entre um ônibus e um trem, que matou uma pessoa e deixou outras cinco feridas. Especialistas reiteram a necessidade de educação e sinalização para evitar mais tragédias

A ferrovia que corta o DF é de, aproximadamente, 42km e existem 28 pontos de cruzamento, como este, onde ocorreu o acidente, em 17/11 -  (crédito: Kayo Magalhães/CB)
A ferrovia que corta o DF é de, aproximadamente, 42km e existem 28 pontos de cruzamento, como este, onde ocorreu o acidente, em 17/11 - (crédito: Kayo Magalhães/CB)
postado em 18/12/2023 04:00

A tragédia entre um ônibus e um trem, ocorrida há um mês no Setor de Indústria e Abastecimento (SIA), ainda levanta questionamentos sobre a segurança e sinalização próximo a cruzamentos entre vias e linhas férreas no Distrito Federal. De acordo com a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), a extensão de ferrovia concedida que corta o DF é de, aproximadamente, 42km e existem 28 pontos de cruzamentos.

O Correio esteve no local do acidente e verificou que o fluxo no local segue intenso, sem novas sinalizações após o acidente. Especialistas ouvidos pela reportagem ressaltam a importância da sinalização correta e da educação por parte daqueles que utilizam as vias — motoristas, ciclistas e pedestres.

Na última quarta-feira (14/12), um ônibus de turismo ficou preso em cima do trilho de trem, no mesmo local. O caso foi registrado por moradores que passavam e viram o veículo enganchado. No vídeo, é possível ver a lentidão do trânsito na via. Doutor em transportes e especialista em segurança viária, o professor da Faculdade de Engenharia Civil da Universidade Federal de Uberlândia Rogério Lemos destaca que os elementos de proteção ativa (sinais manuais, sonoros, luminosos, sinalização semafórica, cancelas e bandeiras) podem ser utilizados em locais onde se tem um fluxo intenso nos cruzamentos rodoferroviários que, por conta das obras na via Estrutural, é o caso do cruzamento onde ocorreu a tragédia.

"Por isso, é necessário investir nesse tipo de sinalização ou de proteção, colocando bloqueios ou cancelas", afirma. "Se houver um grande volume de tráfego ou reincidência dos acidentes, as barreiras físicas são importantes para bloquear a passagem quando o trem se aproxima", acrescenta o especialista. Além disso, Lemos reforça a importância de campanhas educativas e de fiscalização. "Elas devem ter o intuito de conscientizar os motoristas, pedestres e ciclistas sobre como é que funciona a sinalização em torno de uma passagem nível e os cuidados que tem que ter, explicando que um veículo grande, como o trem, tem um tempo de parada maior, então, ele tem prioridade sobre a via.

Engenheira civil e doutora em transportes pela Universidade de Brasília (UnB), Giseli Ortolani afirma que, de acordo com o manual da Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran), apesar de a sinalização ativa não ser obrigatória, ela pode ser implantada. "É claro que pode existir sempre que puder, desde que ela seja executada de forma correta, sem induzir o usuário da via ao erro", comenta. A especialista ressalta que o Código de Trânsito Brasileiro legisla que a ferrovia tem prioridade sobre a via. "Isso porque os veículos ferroviários — trem e metrô, no caso do DF — não conseguem parar de repente. Eles levam um tempo e uma distância muito maior, e isso vai depender da carga, do local que está e do declive da via", explica.

Responsabilidade

A tragédia ocorreu no fim da tarde de uma sexta-feira, 17 de novembro. De acordo com populares, o ônibus da empresa Marechal estava em cima da linha do metrô quando o sinal fechou e não deu tempo de o condutor sair de cima da pista. Quando o trem colidiu, arrastou a traseira do veículo. A passageira Júlia Albuquerque Violato, 37 anos, morreu na hora.

Júlia morreu após ser arremessada do ônibus que sofreu a batida do trem
Júlia morreu após ser arremessada do ônibus que sofreu a batida do trem (foto: Arquivo pessoal)

A mãe, Ana Rosa de Albuquerque, 72, afirmou ao Correio que ainda está "péssima" pelo que aconteceu com a filha. "A raiva das pessoas que são responsáveis pelo acidente ainda permanece. Infelizmente, é um sentimento muito ruim de carregar com a gente, mas eu preciso disso, até para sobreviver", desabafa. Ela conta que ainda não conseguiu se desfazer dos pertences dela. "Ocasionalmente, me desfaço de uma roupa, mas a Julia tem muitos livros e, tudo que eu toco, me faz pensar como será a minha vida sem ela", lamenta a moradora da Asa Norte.

"Ninguém quer assumir responsabilidade por nada, essa é a verdade. Todo mundo dá um jeito de ignorar", acrescentou Ana Rosa. À época, a mãe de Júlia disse que entraria na Justiça contra todos que considerava culpados. Porém, ela foi orientada a aguardar. "Meus advogados estão esperando a conclusão do inquérito policial. Dependendo do resultado, podemos fazer outra perícia particular", revelou.

Investigação

Delegado-adjunto da 3ª Delegacia de Polícia (Cruzeiro), Bruno Dias disse ao Correio que ainda existem laudos a serem emitidos sobre a colisão que vitimou a filha de Ana Rosa. "São exames numerosos e complexos. Mas, enquanto os aguardamos, estamos fazendo as oitivas de vítimas e testemunhas", destacou. "Ainda não é possível chegar a uma conclusão, pois as provas técnicas não estão nos autos e isso pode fazer muita diferença", acrescentou.

Bruno Dias ressaltou que, até o momento, todos os envolvidos na tragédia foram ouvidos. "Algumas só puderam ser ouvidas agora e, mesmo assim, nem todas lembram do fato", lamentou. O Instituto de Gestão Estratégica de Saúde (Iges-DF) afirmou, em nota, que todas as vítimas envolvidas na tragédia receberam alta das unidades geridas pelo instituto.

De acordo com o delegado, somente o motorista do ônibus, Pedro Domiense Campos, 42, e o cobrador, Julio Botelho Fernandes, 28, não tiveram o depoimento colhido até o momento. O condutor compareceu, em 21 de novembro, à 3ª DP e, acompanhado de um advogado, apresentou um atestado psiquiátrico de 30 dias e não prestou depoimento. "Estamos aguardando o término do atestado, mas se os laudos saírem antes disso, vamos falar com o advogado para ver se eles podem comparecer à DP para a oitiva", afirmou o delegado. "Tentamos entrar em contato com Julio e a irmã disse que ele não se lembra de nada ainda, talvez em alguns meses. Vamos concluir a investigação sem a oitiva dele, mas pode ser feita posteriormente", revelou Bruno Dias. 

Ações de melhoria

Por meio de nota, a ANTT disse que realizou inspeção técnica, em 11 de junho, em todas as passagens em nível da concessionária responsável pela Ferrovia Centro-Atlântica (FCA) e constatou que os equipamentos de sinalização vertical se encontravam presentes e em consonância com os normativos técnicos da ABNT NBR aplicáveis.

Segundo a agência, também foram determinadas à concessionária ações de melhoria da limpeza e capina, além de ações de regularização do pavimento e da sinalização horizontal em alguns pontos. "A concessionária responsável pela FCA já colocou em prática as melhorias determinadas. Foram realizadas mais de 45 pinturas em 11 passagens de nível e instalados 25 postes", detalhou a nota.

Além da inspeção, a ANTT também disse ter realizado, em 11 e 12 de junho, ações de conscientização da população para reforçar a importância da observação e respeito à sinalização ferroviária presente nas passagens de nível de Brasília.

 

Gostou da matéria? Escolha como acompanhar as principais notícias do Correio:
Ícone do whatsapp
Ícone do telegram

Dê a sua opinião! O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores pelo e-mail sredat.df@dabr.com.br

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação
-->