No Aeroporto Internacional de Brasília — Presidente Juscelino Kubitschek, entre janeiro e setembro deste ano, cerca de 313 mil passageiros circularam semanalmente pelo local. Ninguém gostaria de ver seu voo adiado ou cancelado, por causa de um passageiro violento. O número de passageiros indisciplinados em voos no Brasil aumentou 87% em 2025. De janeiro a julho deste ano, as companhias aéreas brasileiras registraram 979 ocorrências de comportamento inadequado, segundo levantamento da Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear). Em contrapartida, no mesmo período de 2024, foram contabilizados 523 incidentes. Em resposta à alta acentuada, empresas do setor têm debatido a criação de uma lista nacional de exclusão de passageiros — a chamada 'no fly list' —, que impediria temporariamente o embarque de quem comete infrações graves a bordo ou nos aeroportos.
O avanço mais preocupante, segundo a entidade, está na categoria 3, que reúne as situações mais graves (veja quadro). Foram 210 casos até julho, um aumento de 55% em comparação aos 135 registrados no ano anterior. Esses episódios incluem agressões físicas, ameaças ou intimidações à tripulação, tentativas de invadir a cabine de comando, fumar a bordo e até falsas ameaças de bomba. De acordo com a Abear, mais da metade (54,17%) dessas ocorrências graves ocorreram em solo, em áreas como o embarque e o check-in.
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O aumento do número de passageiros indisciplinados não é exclusivo do Brasil. A Associação Internacional de Transporte Aéreo (Iata) vem alertando companhias de todo o mundo sobre a escalada de incidentes relacionados a comportamento agressivo e consumo excessivo de álcool durante os voos. Em 2023, a entidade registrou um caso grave a cada 568 voos no planeta.
Impedidos de voar
Para conter o avanço da indisciplina, o setor tem discutido a implementação da 'no fly list', um cadastro que proibiria passageiros que cometeram infrações graves de viajar dentro do país por um período determinado. O mecanismo é aplicado em países como Estados Unidos e membros da União Europeia, onde ajudou a reduzir incidentes de agressões e ameaças dentro das aeronaves e aeroportos.
Na prática, a proposta pretende endurecer o tratamento dado a comportamentos agressivos e inadequados dentro e fora das aeronaves. A norma deve abranger casos de agressões físicas, desobediência às orientações da tripulação, tumultos e ameaças. Ao Correio, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) confirmou que a nova proposta está em fase de análise interna.
Hoje, episódios de indisciplina podem ser enquadrados em medidas contratuais, civis e penais, dependendo da gravidade. As punições previstas vão desde o cancelamento do contrato de transporte aéreo e a recusa de embarque, até o desembarque compulsório e processos por danos morais e materiais. Nos casos mais graves, os envolvidos podem até responder criminalmente, com possibilidade de prisão.
Conforme a Anac, o objetivo é "refletir a efetiva aplicação da norma, resguardando os direitos do cidadão e a segurança da aviação". De acordo com a agência, o texto em elaboração também busca trazer mais segurança jurídica às companhias aéreas e aos próprios passageiros, criando mecanismos claros de responsabilização. "O objetivo é desencorajar fortemente comportamentos inadequados", diz a nota.
Entre passageiros
No Aeroporto Internacional de Brasília, um dos principais terminais aéreos da América Latina, a proposta tem sido bem recebida — muitos passageiros demonstram preocupação crescente com a segurança e a possibilidade de incidentes durante os voos. A goiana Maria Eliana Jubé, 66 anos, conta ter presenciado episódios violentos durante as viagens. "Vi muitos barracos, principalmente quando o voo atrasa e as pessoas perdem conexões. Tem passageiro que grita, briga, quer resolver na base do escândalo. Mas ninguém tem culpa se o avião está com problema técnico ou se alguém passa mal a bordo", relata.
Ela explica que a criação da lista permitiria maior controle de passageiros causadores desse tipo de situação. "O brasileiro se dá o direito de passar dos limites, gritar com atendente, brigar no meio do aeroporto. Isso não só atrapalha a viagem de todo mundo, como pode ser perigoso", opina.
A brasiliense Cleide Santos, 53, que vive na Itália, avalia que a criação da lista beneficiaria também a logística dos voos. "Pessoas tumultuam e acabam atrasando todo o processo. Nos programamos, chegamos com antecedência, mas sempre alguém gera estresse desnecessário", afirma.
Francileide Lira, 35, considera que a proposta poderia prevenir novos casos. "Passageiro inconveniente atormenta o voo e tira a tranquilidade de toda uma coletividade. Uma pessoa que transtorna de forma recorrente precisa ser reeducada", completa.
Visão do setor
Segundo o diretor de Segurança e Operações de Voo da Abear, Raul de Souza, a aplicação da medida no exterior trouxe resultados positivos. A Administração Federal de Aviação — Federal Aviation Administration (FAA), agência reguladora dos Estados Unidos, adotou medidas mais rígidas e obteve uma redução de aproximadamente 60% de casos desse tipo.
"Lá, eles aplicam multas e usam a 'no fly list', o que tem se mostrado eficiente. Cada país tem sua própria forma de lidar com isso, mas é um movimento global — as pessoas estão mais aceleradas, estressadas, e o avião é um ambiente confinado, onde tudo se potencializa", observa.
Souza destaca que o maior motivo de preocupação são as ocorrências classificadas na categoria 3, que envolvem agressões físicas, ameaças e situações que comprometem a segurança da operação. "É importante lembrar que, por trás de tudo isso, há um sistema de segurança extremamente robusto, com profissionais comprometidos em proteger o passageiro", afirma.
Para o diretor, o crescimento da violência em solo indica a necessidade de reforçar protocolos de segurança e conscientização. "Muitas vezes, o passageiro não entende que há regras a serem seguidas e profissionais ali para garantir que todos cheguem bem ao destino. A aviação é o transporte mais seguro do mundo, e isso se deve justamente à seriedade do sistema que existe por trás. Quem agride um colaborador ou coloca outros passageiros em risco precisa ser responsabilizado", afirma.
Casos recentes
- Em 1º de setembro, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino sofreu uma tentativa de agressão dentro de um voo que partia de São Luís para Brasília. O agressor precisou ser contido por passageiros e pela tripulação e foi encaminhado para depor ao chegar à capital federal. Ele responderá por injúria qualificada e incitação ao crime.
- Outro caso grave ocorreu em 7 de agosto, quando uma aeronave que seguia de São Luís para Campinas (SP) precisou pousar em Brasília após uma falsa ameaça de bomba. A Polícia Federal realizou uma varredura e descartou a presença de qualquer artefato explosivo.
- Meses antes, em 27 de julho, uma funcionária de uma companhia aérea foi agredida com um soco por um passageiro insatisfeito com atrasos no Aeroporto de Guarulhos (SP). O homem havia sido reacomodado em outro voo, mas perdeu a paciência durante o atendimento.
- Em junho, um conflito físico entre dois passageiros foi registrado no Aeroporto Internacional do Recife, após o cancelamento de voos com destino a Fernando de Noronha.
