Coronavírus

Corticoide reduz mortalidade

Estudo britânico confirma a eficácia da dexametasona em pacientes com covid-19 tratados com ventilação mecânica. Autores alertam que, em outras condições, a droga pode ter efeito contrário: agravar a infecção

Correio Braziliense
postado em 17/07/2020 21:42
 (foto: Marvin Recinos/AFP - 12/06/20)
(foto: Marvin Recinos/AFP - 12/06/20)

A dexametasona — um corticoide esteroide usado há seis décadas no tratamento de inflamações e doenças reumáticas — reduziu a mortalidade de pacientes de covid-19 que dependiam de ventilação mecânica. A conclusão é de um estudo publicado na revista The New England Journal of Medicine, que, porém, alerta para riscos de administrar precocemente a substância. Estudos anteriores demonstraram que, em casos leves, o uso do medicamento pode causar, inclusive, infertilidade.
Na pesquisa atual, um consórcio de cientistas britânicos de diversas instituições, incluindo a Universidade de Oxford, 2.104 pacientes hospitalizados receberam, diariamente, 6mg da dexametasona por 10 dias. Para comparar resultados, outros 4.321 indivíduos foram submetidos ao tratamento usual, sem o corticoide. Depois de 28 dias, verificou-se que, entre as pessoas que estavam em ventilação mecânica, a taxa de mortalidade dos que usaram o remédio foi de 29,3%, comparada à de 41,1% verificada no outro grupo.
Em pacientes que recebiam oxigênio, mas com menos tratamentos invasivos, o benefício foi menor — 23,3% dos tratados com dexametasona morreram, enquanto 26,2% dos que não usaram faleceram. O estudo mostrou que nenhuma eficácia foi comprovada no grupo que não precisou receber oxigênio desde que começou o tratamento. Nessa categoria, 17,4% dos que fizeram uso do esteroide morreram, em comparação aos 14% que não o receberam, sugerindo que o medicamento aumentou o risco de mortalidade. Isso ocorre porque o funcionamento da droga suprime a resposta imune anormal que danifica os órgãos do corpo, em vez de atacar o vírus.
Em junho, em uma entrevista à agência France-Presse (AFP), um dos principais infectologistas mundiais, o norte-americano Anthony Fauci, alertou que a dexametasona não deve ser prescrita muito cedo, quando a pessoa é diagnosticada com covid-19. “(Nesses casos), não faz efeito, senão talvez uma possível piora do quadro”, ressaltou Fauci. “Isso é perfeitamente compreensível pelo fato de saber que, no início da infecção, você precisa do sistema imunológico para combater o vírus”, acrescentou. O corticoide esteroide suprime a imunidade e, por isso, é indicado para os pacientes graves, cujos organismos produzem uma resposta excessiva à presença do Sars-CoV-2, a chamada tempestade de citocinas.

Escolhas certas

Os autores do artigo divulgado no The New England Journal of Medicine destacaram que a eficácia do medicamento “depende da escolha de uma dose certa, no momento certo, no paciente certo”. Eles acrescentaram que, no que diz respeito à covid-19, a resposta imune anormal para pacientes que fazem uso somente do oxigênio parece mais causar danos do que a própria replicação do vírus no organismo. Os cientistas alertam ainda que essa hipótese não deve ser aplicada a outras doenças respiratórias virais, como a síndrome respiratória aguda grave (Sars), a síndrome respiratória do Oriente Médio (Mers) e a influenza, pois podem ter impactos diferentes.
A dexametasona foi adotada para combater a covid-19 no Reino Unido em 16 de junho, dia em que os resultados iniciais foram anunciados. A medicação também é recomendada para esses fins pelos Institutos Nacionais de Saúde (NIH), dos Estados Unidos. Em seu site, o NIH alerta que ainda não se sabe até que ponto o corticoide pode funcionar em combinação com o remdesivir, um medicamento antiviral que provou ser benéfico quando usado sozinho.
Os especialistas do NIH acrescentam que os pacientes que tomam o medicamento devem ser monitorados de perto para infecções secundárias e em relação ao alto nível de açúcar no sangue. Sabe-se também que o uso de corticosteroides pode reativar infecções que estavam dormentes, como o vírus da hepatite B ou da tuberculose.

Hiperinflamação em crianças

Em abril, dois meses depois de a covid-19 ser considerada uma pandemia pela Organização Mundial da Saúde (OMS), o Hospital Infantil Evelina London, em Londres, sofreu um aumento de pacientes pediátricos com uma síndrome hiperinflamatória multissistêmica. As crianças apresentaram uma variedade de sintomas, incluindo febre, dores de cabeça, dor abdominal, erupção cutânea e conjuntivite. As características clínicas e laboratoriais compartilharam algumas semelhanças com as da doença de Kawasaki — que causa inflamação nas paredes dos vasos sanguíneos, mas é uma condição mais grave que o quadro apresentado pelos pequenos pacientes londrinos.
Agora, um estudo publicado na revista Radiology analisou o espectro dos exames de imagem em crianças com a condição inflamatória pós-covid-19, conhecida, por enquanto, como síndrome inflamatória multissistêmica em crianças (MIS-C). Para o artigo, os pesquisadores realizaram uma revisão retrospectiva das descobertas clínicas, laboratoriais e de imagem das primeiras 35 crianças que atendiam à definição de caso para MIS-C. Elas deram entrada no hospital entre 14 de abril e 9 de maio.
A apresentação clínica mais comum foi febre, encontrada em 94% das crianças, sintomas gastrointestinais, incluindo dor abdominal, vômitos e diarreia (86%), erupção cutânea (37%) e conjuntivite (26%). Vinte e uma crianças (60%) estavam em choque. O estado clínico foi grave o suficiente para justificar o tratamento na unidade de terapia intensiva pediátrica em 69% delas, das quais 20% necessitaram de ventilação mecânica e 57%, de apoio inotrópico.

Exames de imagem

O estudo identificou um padrão nos exames de imagem dos pacientes de Mis-C curados da covid-19, incluindo inflamação das vias aéreas, edema pulmonar rapidamente progressivo, aneurismas das artérias coronárias e extensas alterações inflamatórias abdominais na fossa ilíaca direita.
Dezenove radiografias, por exemplo, eram anormais, sendo a característica mais comum o espessamento da parede brônquica. Na tomografia do tórax, predominaram preenchimento de líquido no pulmão e colapso do órgão com derrame pleural (acúmulo de líquido nas membranas externas). Os autores recomendam que estudos futuros incluam um grupo maior de pacientes, que devem ser acompanhados em longo prazo.

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