Ministério quer retomada da produção de remédios para a hanseníase

Desde meados da década de 1990, o Brasil, que já foi autossuficiente, depende de doações de medicamentos anti-hanseníase feitas pela Novartis e pela OMS. Videoconferência debate Frente Parlamentar de Enfrentamento da doença

Agência Brasil
postado em 20/08/2020 16:14 / atualizado em 20/08/2020 16:16
 (crédito: SMS de Mesquita/RJ/ Agência Brasil)
(crédito: SMS de Mesquita/RJ/ Agência Brasil)

O Ministério da Saúde espera tornar o Brasil autossuficiente na produção de medicamentos usados no tratamento da hanseníase. Segundo o diretor do Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis, do Ministério da Saúde, Gerson Fernando Mendes Pereira, representantes da pasta estão conversando com laboratórios farmacêuticos privados sobre a viabilidade de retomar a produção dos remédios necessários à terapia.

“Na semana que vem, vamos verificar, com os laboratórios, quem tem condições de produzir estes fármacos”, declarou o diretor, hoje (20/8), durante uma videoconferência para instalação da Frente Parlamentar de Enfrentamento da Hanseníase, da Câmara dos Deputados.

Desde meados da década de 1990, o Brasil, que já foi autossuficiente, depende de doações de medicamentos anti-hanseníase feitas pela Novartis e pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

Os remédios são distribuídos gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS), e são fundamentais não só para tratar os pacientes, mas também para interromper a disseminação da bactéria causadora da doença, que atinge principalmente a pele e os nervos periféricos dos pacientes.

“Precisamos ser autossuficientes na questão dos medicamentos, que chegamos a fabricar aqui mesmo, no Brasil. O caro não é a produção, mas o envelopamento, o blister [a cartela na qual os comprimidos são distribuídos]”, acrescentou Pereira.

Estratégias de diagnóstico

Classificando a doença como “uma das mais negligenciadas” no Brasil (que ocupa o segundo lugar em número de casos de hanseníase em todo o mundo, atrás apenas da Índia), o representante do Ministério da Saúde destacou a importância das estratégias de diagnóstico serem atualizadas e asseguradas.

“Só a partir de meados de 1980 o Brasil implementou o tratamento poliquimioterápico [PQT], com um atraso de pelo menos cinco anos. Desde então, a hanseníase, como uma doença negligenciada, nós meio que paramos no tempo. Até hoje, o tratamento e o diagnóstico continuam os mesmos”, disse Pereira, comparando a evolução do enfrentamento à doença com os avanços no tratamento de pacientes com o HIV, causador da Aids, doença que, neste mesmo período, evoluiu de uma infecção quase sempre letal para uma condição crônica, controlável, apesar de ainda incurável.

“Para a hanseníase, nós continuamos dependendo do mesmo diagnóstico clínico [ou seja, obtido a partir da verificação dos sintomas e sinais, sem o auxílio de testes laboratoriais] e do mesmo tratamento. Precisamos investir na melhoria da qualidade do teste diagnóstico. Não dá mais para mantermos o diagnóstico clínico. E precisamos investir em novos tratamentos capazes de diminuir o tempo da terapia”, destacou, enfatizando que, quanto mais rápido e eficaz a presença da bactéria for constatada, mais eficaz serão as ações para evitar que a pessoa contagie outras, ou que venha a desenvolver sequelas graves.

Segundo o Ministério da Saúde, o contágio da doença se dá por meio das vias aéreas superiores (mucosa nasal e orofaringe), por meio de gotículas de saliva ou secreções – a doença não é transmitida pelo toque e, via de regra, o contágio é consequência de longo período de exposição à bactéria ativa, sendo que a transmissão do bacilo é interrompida assim que a pessoa diagnosticada toma a primeira dose da medicação.

Ainda de acordo com o ministério, apenas uma pequena parcela da população infectada chega a apresentar complicações graves. Na quase totalidade dos casos, o tratamento não exige internação, e tem altos índices de melhora. Saiba mais sobre os sintomas e o tratamento acessando as páginas do Ministério da Saúde e do Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (Morhan).

Frente Parlamentar

A criação da Frente Parlamentar de Enfrentamento da Hanseníase foi proposta pela deputada federal Tereza Nelma (PSDB-AL), por sugestão do Morhan. Segundo a assessoria da deputada, devido à pandemia da covid-19, a frente foi instalada antes mesmo da coleta de assinaturas dos deputados interessados em participar da associação, o que começará a ser feito na tarde de hoje. Atingido o número necessário de membros, ela será então registrada.

Para Nelma, que será uma das coordenadoras da frente, a iniciativa é um primeiro passo para tornar mais eficaz a participação da Câmara no debate e na definição de medidas. “Ainda teremos muito o que fazer”, disse a deputada, enfatizando a necessidade de campanhas públicas. “As campanhas educativas são muito importantes e não podem ocorrer de ano em ano. Elas têm que ser diárias.”

Durante seu pronunciamento, o coordenador nacional do Morhan, Artur Custódio, destacou a importância de uma frente parlamentar para discutir o tema.

“Esta é a segunda vez que tentamos implantar esta iniciativa aqui no Parlamento, mas tenho certeza que, desta vez, a coisa irá para a frente. O estatuto do grupo espelha muitos das necessidades e dos nossos desafios, não se prendendo apenas à questão da saúde, mas puxando também pela questão dos direitos humanos, da assistência social e da resolução da Organização das Nações Unidas (ONU), sendo o primeiro reconhecimento do Parlamento das medidas que a ONU propôs para a hanseníase no Brasil”, disse Custódio, acrescentando que poucos recursos são destinados ao enfrentamento da hanseníase por se tratar de uma “doença de populações negligenciadas” e estigmatizadas. “Dificilmente faltariam medicamentos para uma doença que não atingisse sobretudo pessoas em situação de vulnerabilidade”, afirmou.

O presidente da Sociedade Brasileira de Hansenologia, Cláudio Salgado, disse estar feliz com a iniciativa. “Temos que discutir a real situação da doença no Brasil, pois os casos registrados no nosso país e no mundo são muito maiores do que os números registrados. Hoje, não sabemos o real tamanho do problema, embora tenhamos tecnologias para melhorar o diagnóstico da hanseníase. Muitas pesquisas têm sido feitas, mas este conhecimento não chega ao SUS (Sistema Único de Saúde”, disse Salgado, apontando a necessidade de aplicação de mais e melhores testes.

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