Transmitido pelo Aedes aegypti, mosquito endêmico no Brasil, o vírus da zika torna a pessoa infectada mais suscetível a outra doença que afeta o país e que, somente neste ano, afligiu mais de 780 mil brasileiros: a dengue. Um estudo realizado na Nicarágua e publicado na revista Science indicou que ter sido infectado pelo micro-organismo, que começou a circular nas Américas em 2015, não só aumenta o risco de dengue, mas torna a enfermidade mais grave.
Já se suspeitava de que os anticorpos produzidos pelo organismo em contato com o zika são capazes de interagir com os flavivírus que causam a dengue (DENV-1, DENV-2, DENV-3 e DENV-4), piorando os sintomas dessa última doença. Daí a dificuldade de se desenvolver vacinas contra o zika, o que poderia colocar em risco pessoas posteriormente infectadas pela dengue. O estudo atual confirma essa relação e, segundo os autores, levanta mais questões sobre a criação de uma substância imunizante para ambas as enfermidades.
Até hoje, há uma única vacina para dengue, uma doença presente em mais de 100 países. Trata-se da dengvaxia, que só pode ser administrada em pessoas que já foram infectadas pelos DENV — quem nunca foi exposto tem risco aumentado para uma futura reinfecção. Ao mesmo tempo, há projetos de desenvolvimento de substâncias que protejam contra o zika, embora nenhuma tenha sido licenciada até agora.
“Uma vacina voltada apenas para o zika poderia realmente colocar as pessoas em risco, aumentando a suscetibilidade a uma forma mais grave de dengue? E como você pode desenvolver uma vacina contra o zika que induza apenas bons anticorpos que protegem contra essa doença, mas não induza esses outros anticorpos que são prejudiciais?”, questiona a principal autora do estudo, a virologista Leah Katzelnick, da Universidade da Califórnia, em Bekerley.
A pesquisa baseou-se em dados de duas coortes de crianças nicaraguenses que viveram uma epidemia de zika em 2016 e uma de dengue em 2019. Segundo Katzelnick, é o primeiro trabalho a investigar os impactos, na dengue, da imunidade produzida contra o zika.
Há muito tempo se sabe que adoecer de um tipo de dengue aumenta o risco de ter uma doença agravada, caso a pessoa seja reinfectada por um dos quatro vírus causadores da doença. No fim de 2015, quando o zika começou a circular na América Latina, cientistas especularam que, por ser também da família de flavivírus e se assemelhar aos DENVs, o micro-organismo poderia causar um efeito semelhante.
Coautora do estudo e professora de doenças infecciosas na Universidade da Califórnia, Eva Harris lembra que, no continente americano, uma grande parte da população já foi exposta à dengue. Desde 2004, ela acompanha 3,8 mil crianças moradoras de Manágua para estudar os anticorpos produzidos por aquelas que já foram infectadas por algum dos quatro DENV. No ano passado, a virologista publicou um estudo indicando que ter tido dengue ajuda a proteger, em um pequeno grau, contra a zika. Porém, a pesquisa atual mostrou que o contrário não é verdadeiro.
Epidemia
Harris e Katzelnick estiveram em Manágua, no ano passado, quando houve uma grande epidemia de dengue no país, causada pelo vírus tipo 2, o DENV-2. Com dados tanto das pesquisas anteriores de Harris quanto os fornecidos por um hospital pediátrico local, somando 302 pacientes, as cientistas constataram que a infecção prévia por zika aumentava em 12,1% o risco de se desenvolver o subtipo 2 da dengue. Além disso, em 1,1% dos casos, ter tido zika previamente levou ao desenvolvimento de dengue hemorrágica, a forma letal da doença. Nas crianças infectadas pelo DENV-2, mas que não tinham sido expostas ao ZIKAV, esse risco foi zero.
Para Harris, além da vacina, o resultado tem implicações nas políticas de saúde pública. “Isso pode nos ajudar a entender as epidemias que estão se aproximando”, afirma, “Por exemplo, se você tem uma epidemia de dengue após um grande surto de zika, sabe como preparar os hospitais para tratar pessoas com maior probabilidade de desenvolver uma doença mais grave”, sustenta.
Produção viral
Quando uma pessoa adoece, o corpo produz grandes proteínas, chamadas anticorpos, para ajudar o sistema imunológico a combater a infecção. Cada um deles tem constituições químicas específicas que permitem aderir ao patógeno em questão, sinalizando o invasor para que as células de defesa os destruam. No caso de vírus como zika e dengue, os anticorpos também criam um revestimento no vírus, impedindo que ele entre nas células do hospedeiro.
Porém, o fenômeno conhecido como potenciação dependente de anticorpos faz com que as proteínas criadas para um micro-organismo sejam acionadas na presença de outra doença causada por um vírus ligeiramente diferente. Elas, contudo, são incapazes de neutralizar o patógeno. Como resultado, quando uma célula imunológica detecta o “sinalizador” do anticorpo e tenta quebrar o vírus da dengue, ela pode acabar sendo infectada pelo vírus.
“Esse mecanismo não só permite que o vírus entre em mais células para infectá-las, mas também suprime a resposta imunológica dessas células, fazendo com que o vírus produza ainda mais vírus”, destaca a virologista Leah Katzelnick, da Universidade da Califórnia, em Bekerley. “Como são células imunológicas, estão se movendo pelo corpo. Assim, podem iniciar uma infecção maior.”
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