Coronavírus

Há 3 grandes linhas de pesquisa que buscam a cura para tratar a covid-19

Há três grandes linhas de pesquisas que buscam a cura de infectados pelo Sars-CoV-2. Elas focam no uso de antivirais, de anticorpos e de substâncias que modulam o sistema munológico. Testes em projetos diversos têm surtido resultados promissores

Paloma Oliveto
postado em 30/08/2020 07:00
 (crédito: Yuri Cortez/AFP)
(crédito: Yuri Cortez/AFP)

A grande expectativa global em torno da covid-19 é o sucesso no desenvolvimento de uma vacina. Mas, embora a prevenção seja crucial para pôr fim a uma pandemia que já matou mais de 820 mil pessoas pelo mundo, não é menos importante a descoberta de tratamentos para os infectados — por ora, 8,4 milhões, desconsiderando os 15,6 milhões recuperados. Como as estimativas são de que o Sars-CoV-2 continue circulando por um bom tempo, enquanto alguns grupos de pesquisadores buscam a imunização, outros correm atrás de terapias efetivas.

Hoje, há três principais linhas de pesquisa: moduladores do sistema imunológico, antivirais e terapia com anticorpos (produzidos no soro de convalescentes ou em laboratório). De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), há 150 medicamentos preexistentes, com indicação inicial para outras doenças, sendo testados, inclusive, no Brasil. Enquanto algumas tentativas se mostraram um fracasso — caso do antimalárico cloroquina e do vermífugo ivermectina —, outros fármacos testados clinicamente são promissores, e um deles está salvando vidas.

É o caso do corticoide dexametasona, apontado pelo Recovery Trial como o mais importante medicamento, atualmente, para pacientes de covid-19 em estado grave. Esse grupo de pesquisa, conduzido pela Universidade de Oxford — a mesma que desenvolveu uma das vacinas em testes no Brasil — é a maior iniciativa mundial em busca de um tratamento para a doença.

Lançado em abril, o consórcio de cientistas fez estudos sobre três remédios já existentes: a hidroxicloroquina (reprovada), o anti-HIV lopinavir-ritonavir (reprovado) e a dexametasona. Essa última droga, testada em 2.104 pacientes, comparados com 4.321 que receberam o tratamento usual, reduziu em um terço o número de mortes entre os com ventilação e em um quinto entre aqueles que receberam apenas oxigênio. “Com base nesses resultados, o tratamento poderia evitar uma morte em cada oito doentes ventilados, ou uma em cada 25 doentes apenas com necessidade de oxigênio”, concluíram os pesquisadores.

O mecanismo de ação da dexametasona consiste em combater as inflamações geradas pela resposta exagerada do sistema imunológico, que causa graves danos aos pulmões e a outros órgãos vitais. O medicamento também foi testado em 40 centros médicos brasileiros, com 299 pacientes, como parte das investigações da Coalizão Covid-19, um consórcio de pesquisadores brasileiros que estuda a eficácia e a segurança de drogas para combater a doença. Os resultados devem ser publicados em breve.

A Coalizão, da qual fazem parte instituições como os hospitais Sírio-Libanês, Albert Einstein, Moinhos de Vento e HCor, entre outros, publicou, em julho, o resultado do primeiro estudo do grupo sobre a hidroxicloroquina e concluiu que o medicamento não tem efeito no tratamento da covid. Agora, iniciará testes com dois antivirais desenvolvidos inicialmente para hepatites e que se mostraram promissores em pesquisas realizadas no Irã: o sofosbuvir e o daclatasvir. 

 

Drogas combinadas

Esses medicamentos, combinados, reduziram o tempo de internação e o número de óbitos em uma amostra de 66 pacientes, divididos em dois braços, sendo que um recebeu ambas as drogas, e outro, a ribavirina, usada no tratamento da hepatite C. No primeiro grupo, a mortalidade foi de 6%, e no segundo, de 33%. Sharin Merta, professor da Universidade de Ciências Médicas de Teerã e autor do estudo, afirma que a próxima pesquisa — que inclui o Brasil — será realizada em cinco centros clínicos, com mais de 2 mil pacientes. Os resultados são esperados para outubro. Merta, porém, é cauteloso: “Conduzir pesquisas em meio a uma pandemia, com hospitais lotados, é um desafio, e não podemos ter certeza do sucesso”, pondera.

Em pesquisas in vitro, realizadas com três diferentes linhagens de células infectadas pelo Sars-CoV-2 e lideradas pelo Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz), cientistas atestaram a eficácia do sofosbuvir e do daclatasvir — em especial, da segunda droga. Os resultados foram divulgados na plataforma de pré-publicação on-line bioRxiv e mostraram que os dois antivirais impediram a replicação do coronavírus nas células. O daclatasvir, porém, teve um efeito mais poderoso e, como já é comprovadamente seguro, pois faz parte do tratamento de pacientes de hepatite C, foi considerado promissor, segundo Tiago Moreno, do Centro de Desenvolvimento Tecnológico em Saúde da Fiocruz e principal autor do estudo. “Esses resultados sugerem fortemente que o daclastavir, por seus efeitos antiSars-CoV-2 e anti-inflamatórios, pode trazer benefícios para os pacientes com covid-19.”

Na linha de modulação do sistema imunológico está o interferon beta, uma proteína produzida naturalmente pelo corpo e sintetizada em laboratório. No fim de julho, um estudo da Universidade de Southampton, na Inglaterra, mostrou que a substância reduziu em 79% o risco de evolução da doença, seja em relação à ventilação mecânica, seja ao óbito. O número de pacientes testados, 101, contudo, exige que novos estudos sejam feitos, ao contrário da dexametasona, cujos resultados foram considerados conclusivos.

Uma outra promessa é o remdesivir, medicamento desenvolvido originalmente para o ebola e que mostrou bons resultados em testes realizados até agora. Diferentemente da dexametasona, trata-se de um antiviral que, embora não tenha demonstrado impacto na mortalidade dos pacientes, reduziu o tempo de internação hospitalar de 15 para 11 dias, em um estudo com 1.063 pessoas, coordenado pelo Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas (Niaid), dos Estados Unidos. Mas um estudo na China com a mesma droga não mostrou benefícios potenciais, evidenciando a necessidade de mais testes com a substância.

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Droga veterinária freia a infecção

Ainda na fase pré-clínica (estudos feitos com animais), um antiviral originalmente usado para tratar uma doença letal em gatos está prestes a ser testado em humanos e, de acordo com pesquisadores da Universidade de Alberta, no Canadá, tem potencial de ser uma nova arma para combater a infecção por Sars-CoV-2. A descrição da droga e a associação com o novo coronavírus foram divulgadas na última quarta-feira, em um artigo publicado na revista Nature Communications.

O Sars-CoV-2 é da família dos coronavírus, micro-organismos que afetam humanos e animais. Em felinos, um patógeno do grupo, chamado FCoV, causa sintomas moderados, mas pode levar à peritonite infecciosa (FIP), uma complicação que geralmente reulta em morte. Porém, um medicamento desenvolvido por cientistas veterinários consegue curar essa doença. Trata-se de um inibidor da protease, substância que interfere na capacidade de replicação do vírus e que, portanto, acaba com a infecção.

Proteases são enzimas decompositoras de proteínas, fundamentais para muitas funções do organismo e, por isso, alvos frequentes de medicamentos que tratam de hipertensão a HIV. Em gatos, a substância inibidora de protease não apenas cura a FIP, como tem pouca toxicidade. Os resultados veterinários acabaram por acelerar os testes do antiviral em humanos, explica a bioquímica Joanne Lemieux, autora principal do artigo publicado pelo grupo Nature.

Sem toxicidade

Isso porque, para que uma substância seja pesquisada em pessoas, ela tem de ter passado pelos testes in vitro e, posteriormente, pelos pré-clínicos, ou seja, em animais. Como a droga felina já se mostrou eficaz e segura, a agora chamada Sars-CoV-2 Mpro está pronta para testes em humanos. “Ela foi usada para tratar gatos com coronavírus e é eficaz com pouca ou nenhuma toxicidade. Portanto, já passou por esses estágios, e isso nos permite seguir em frente”, conta Lemieux.

De acordo com a bioquímica, estudos da substância em laboratório com células infectadas com o Sars-CoV-2 confirmaram que a inibidora de proteases conseguiu frear a infecção. “Por causa dos dados sólidos que nós e outros cientistas reunimos, vamos começar, em breve, ensaios clínicos com essa droga como um antiviral para covid-19”, diz. (PO)

Plasma de ex-pacientes também tem potencial

 (crédito: Raul Arboleda/AFP - 12/8/20)
crédito: Raul Arboleda/AFP - 12/8/20

Além de medicamentos, pesquisadores têm estudado o potencial do plasma convalescente (de doentes recuperados) no tratamento de pacientes da covid-19. A prática foi autorizada para uso emergencial nos Estados Unidos há uma semana e, no Brasil, vem sendo investigada em pelo menos 26 estudos. A ideia é purificar o sangue de pessoas que desenvolveram anticorpos contra a doença e fazer a transfusão do soro para os doentes que, assim, ficariam com capacidade aumentada de lutar contra o Sars-CoV-2. Outra pesquisa brasileira que parte do mesmo princípio foi divulgada recentemente por cientistas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Em vez do sangue de convalescentes, a fonte de anticorpos é o soro de equinos inoculados com o vírus.

Reaproveitamento de compostos

Devido à epidemia da Sars — a síndrome respiratória aguda grave que eclodiu em 2003 —, pacientes da covid-19 poderão se beneficiar de drogas pesquisadas inicialmente para combater esse coronavírus primo do Sars-CoV-2, afirma David Komander, pesquisador do Walter e Eliza Hall Institute da Universidade de Melbourne, na Austrália. A equipe do cientista conduz uma extensa pesquisa de drogas existentes e compostos desenvolvidos para combater a Sars que têm potencial contra a covid-19.

Usando o Centro Nacional de Descoberta de Drogas, os pesquisadores australianos identificaram compostos que poderiam bloquear uma proteína-chave do Sars-CoV-2 chamada PLpro. Essa proteína, encontrada em todos os coronavírus, é essencial para o vírus se multiplicar dentro das células humanas e desabilitar as defesas antivirais. Inicialmente desenvolvidos como tratamentos potenciais para a Sars, os compostos impediram o crescimento do vírus causador da covid-19 em laboratório.

“Quando observamos como funciona o Sars-CoV-2, ficou claro que a PLpro era um componente-chave do vírus — assim como em outros coronavírus, incluindo o vírus Sars-CoV-1, que causa a Sars”, disse Komander, que publicou a descoberta na sexta-feira, na revista Science. “Nós examinamos milhares de drogas listadas atualmente, bem como milhares de compostos semelhantes, para ver se eles eram eficazes no bloqueio do Sars-CoV-2”, diz. “Embora os medicamentos existentes não sejam ainda capazes de bloquear essa proteína, descobrimos, em testes pré-clínicos em laboratório, que compostos desenvolvidos na última década contra a Sars podem prevenir o crescimento do Sars-CoV-2. Agora, precisamos desenvolver os compostos em medicamentos e garantir que sejam seguros para os pacientes”, ressalta. (PO)

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