Meio-ambiente

ONU alerta que nações estão fracassando em cumprir metas de preservação da biodiversidade

Países não conseguem cumprir nenhuma das 20 metas firmadas há 10 anos para a manutenção da diversidade biológica do planeta, mostra relatório da ONU. Documento também enfatiza retrocessos na proteção da Floresta Amazônica brasileira

Vilhena Soares
postado em 16/09/2020 06:00
 (crédito: Carlos Fabal / AFP )
(crédito: Carlos Fabal / AFP )

Há 10 anos, um grupo de 192 nações, integrantes da Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica (CDB), assinou um acordo em que se comprometeram a seguir uma série de metas criadas para preservar a biodiversidade do planeta. Em um relatório divulgado ontem, a Organização das Nações Unidas (ONU) mostra que o cumprimento dos objetivos estabelecidos deixou a desejar. Especialistas acreditam que as próximas negociações do grupo, que deverão ocorrer em 2021, na 15ª Conferência das Partes das Nações Unidas (COP15), precisam ser revistas e acreditam que será necessário um maior investimento dos signatários do acordo, que inclui o Brasil.


Segundo o documento, em nível global, nenhuma das 20 metas, chamadas de Aichi, foi cumprida totalmente, embora seis tenham sido parcialmente alcançadas. Entre os desafios listados no acordo estão prevenir a extinção de espécies ameaçadas, reduzir e, se possível, eliminar os subsídios públicos que contribuem para a destruição da biodiversidade, gerenciar de forma sustentável os estoques de peixes e reduzir a poluição por plásticos. A perda de biodiversidade também foi confirmada por um relatório divulgado, na semana passada, pela WWF (Leia Para saber mais).


“Houve algum progresso (...) Por exemplo, o desmatamento caiu um terço, a gestão da pesca melhorou, a superfície de áreas protegidas aumentou (…), o que reduziu a extinção de espécies”, destacou, à Agência France-Presse (AFP) de notícias, Elizabeth Maruma Mrema, secretária executiva da CDB. Mas, ao mesmo tempo, a ONU pontua ameaças a essas conquistas, como o fato de que a tendência se inverteu recentemente na Amazônia brasileira em termos de desmatamento e de que a proteção em algumas áreas ainda não se tornou efetiva. Além disso, embora o financiamento para a biodiversidade tenha dobrado, os subsídios aos setores prejudiciais, como a agricultura, são muito maiores.


O relatório recomenda mudanças profundas em oito áreas: uso da terra e de florestas, agricultura, sistema alimentar, pesca e oceanos, cidades, água potável, luta contra as mudanças climáticas e saúde. Especificamente, o acordo recomenda conservar ou restaurar ecossistemas terrestres e marítimos, desenvolver a agroecologia, reduzir o desperdício de alimentos, consumir carne e peixe com moderação, acomodar a natureza nas cidades, inspirar-se na natureza para combater as alterações climáticas e promover ecossistemas sustentáveis para a saúde humana. “Estamos exterminando sistematicamente todos os seres vivos não humanos”, alertou Anne Larigauderie, especialistas da ONU em biodiversidade.


Efeito pandemia

As novas negociações do grupo ocorrerão durante COP15, que seria realizada, no próximo mês, na China, mas foi adiada para 2021 em decorrência da pandemia da covid-19. Apesar desse atraso, pesquisadores avaloam que as conversas não serão prejudicadas. David Cooper, principal autor do relatório da ONU, acredita que a pandemia levou “muitas pessoas a se conscientizarem de que algo está errado na relação entre nós e o resto da natureza”. Para Cooper, surgirão novos objetivos durante as negociações, mas eles destaca que as conversas entre os líderes nunca foram um problema, mas, sim, o cumprimento delas. “Com certeza, mais recursos serão necessários”, ressaltou.


Mariana Napolitano, gerente do WWF-Brasil para Ciências, acredita que, mesmo com os resultados abaixo do esperado, ainda é possível fazer mudanças mais significativas em busca da preservação da biodiversidade. “É preciso definir um compromisso muito forte para a próxima década. Essa é a nossa última chance. Governos, empresas e cidadãos precisam compreender isso”, opinou.


Para a especialista, no Brasil, a questão do uso da terra é uma das mais importantes. “O relatório destaca que o Brasil reduziu a taxa de desmatamento em 84% entre 2004 e 2012, mas demonstra preocupação pelas tendências mais recentes de aumento dessas taxas, especialmente na Amazônia. Em 2009, as taxas de desmatamento voltaram a se aproximar de níveis de 2008, 2009. Outro desafio grande para o Brasil foi eliminar ou reformar incentivos e subsídios que causam impactos negativos à biodiversidade”, detalhou.


A especialista ressalta que os danos provocados ao meio ambiente estão relacionados ao surgimento de novas enfermidades, como a covid-19, o que reforça a necessidade da importância de cumprimento de metas estabelecidas. “A natureza está em declínio, e os principais drivers para isso são os mesmos que provocam o aparecimento de novas zoonoses. Alguns países já tomaram a dianteira, estabelecendo estratégias de recuperação econômica que endereçam não só a questão ambiental, mas as desigualdades sociais, também bastante evidentes na forma de enfrentamento da covid-19”, frisou.

» Para saber mais

Perda de 70% da fauna
Um relatório divulgado, na semana passada, pelo Fundo Mundial para a Natureza (WWF, em inglês), mostrou que o planeta perdeu quase 70% da fauna selvagem desde 1970. De acordo com o documento, a atividade humana degradou também três quartos das terras e 40% dos oceanos. O desmatamento e a expansão agrícola são os maiores responsáveis pelo desaparecimento de 68% dos vertebrados entre 1970 e 2016.


O relatório, elaborado a cada dois anos pela WWF, em colaboração com a Zoological Society de Londres, no Reino Unido, alerta também para o risco de epidemias futuras, à medida que o homem estende sua presença e entra em contato com animais selvagens. “Durante 30 anos, estamos seguindo com essa queda (da biodiversidade), que se acelera. Continuamos indo na direção errada”, declarou Marco Lambertini, diretor-geral da WWF.

» Palavra de especialista

Em busca do consenso

“Mesmo com as assimetrias globais entre os países, é possível um acordo global para a biodiversidade, respeitando o princípio das responsabilidades comuns, mas diferenciadas. Isso é chave para o consenso. Além disso, os avanços científicos têm um papel fundamental nesse processo, gerando soluções eficientes e buscando reduzir seus custos. Fortalecer a governança da biodiversidade também é chave, assim como promover mudanças sistêmicas que viabilizem mecanismos financeiros para apoiar essas mudanças. Áreas como mudanças climáticas, segurança hídrica e garantia dos direitos dos povos e das comunidades indígenas e tradicionais merecem especial atenção para a manutenção do equilíbrio socioambiental tão necessário a esse modelo de desenvolvimento econômico almejado, que leva em conta a conservação dos recursos da biodiversidade. Quanto mais biodiverso é um ecossistema, mais difícil é para um vírus como a covid-19 se espalhar rapidamente. Esperamos que a pandemia tenha promovido um maior entendimento do público em geral sobre a nossa relação com a natureza e o fato de que o bem-estar humano está ameaçado pela perda de espécies e pela degradação do meio ambiente. Existe um grande desafio para a próxima COP da Biodiversidade, pois será o momento de revisão de suas metas e o estabelecimento de um novo marco para 2050. Este é o momento de um pacto global que gere soluções rápidas, radicais e criativas. E a COP da Biodiversidade 15 será uma ótima oportunidade para isso”

Karen Oliveira, gerente de Relações Institucionais e Governamentais da The Nature Conservancy (TNC) Brasil

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