Saúde

Pesquisas mostram novos caminhos para combater a depressão

Estudos têm mostrado associação entre processos inflamatórios no corpo e o desenvolvimento da doença psiquiátrica. As descobertas poderão ajudar no desenvolvimento de tratamentos mais eficazes, principalmente para pacientes com quadros depressivos graves

Vilhena Soares
postado em 20/09/2020 06:00 / atualizado em 20/09/2020 07:32
 (crédito: UFRN/Divulgação)
(crédito: UFRN/Divulgação)

A depressão é uma das doenças que mais crescem globalmente. Uma das maiores dificuldades enfrentadas no combate a essa enfermidade é que parte dos pacientes não responde ao uso dos antidepressivos disponíveis. Para resolver esse problema, cientistas tentam entender melhor os efeitos desse transtorno no organismo. Eles têm observado fortes indícios de que a inflamação está ligada ao distúrbio, e, com base nesta possível conexão, buscam substâncias que possam interrompê-la. As descobertas, acreditam, poderão contribuir para o desenvolvimento de fármacos que atuem principalmente em quadros depressivos mais graves.

Em grande parte dos casos, a depressão é tratada com drogas projetadas para aumentar a capacidade do cérebro de formar novas conexões, um processo chamado neuroplasticidade. Porém, esses medicamentos não funcionam para cerca de um terço dos pacientes. Pesquisas já indicaram algumas razões para isso. “Investigações mostraram que os pacientes com inflamação aumentada não respondem ao tratamento antidepressivo, mas não temos um aprofundamento desses mecanismos biológicos e como eles se sustentam”, explica ao Correio Igor Branchi, professor do Istituto Superiore di Sanità, em Roma.

Branchi e sua equipe resolveram investigar se a neuroplasticidade poderia estar relacionada à inflamação. Em um dos experimentos, trataram ratos com lipopolissacarídeo, uma droga que aumenta a inflamação, ou com ibuprofeno, que tem efeito contrário. Dessa forma, foram capazes de alterar o nível de inflamação dos animais, algo semelhante a aumentar ou a diminuir o volume de uma música. Os cientistas também mediram os marcadores de plasticidade nos camundongos.

Os cientistas descobriram que a plasticidade neural no cérebro das cobaias era alta desde que eles mantivessem a inflamação sob controle. Mas os níveis de inflamação muito altos e muito baixos significaram que a plasticidade neural havia sido reduzida. “O nosso trabalho mostra que a neuroplasticidade e a inflamação são interdependentes e que, para fornecer as condições certas para o antidepressivo funcionar, a inflamação precisa ser rigidamente controlada”, detalha o autor do estudo, que foi apresentado no congresso anual do Colégio Europeu de Neuropsicofarmacologia (ENCP, em inglês), na semana passada. Segundo Branchi, se a abordagem for confirmada também em humanos, “pode ter implicações de longo alcance”.

Thiago Blanco, psiquiatra e professor da Escola Superior de Ciências da Saúde (ESCS), em Brasília, explica que a relação entre depressão e processos inflamatórios passa a ser mais bem compreendida a cada dia, com o surgimento de mais estudos como o italiano. Para o especialista, os novos dados têm ajudado a compreender melhor este distúrbio. “A inflamação, as imagens de ressonância magnética e a genética são os marcadores que temos levado em consideração quando lidamos com pacientes com depressão”, detalha.

Blanco ressalta que a inflamação é um fator importante porque está relacionada também à outra característica presente em pacientes com transtornos de humor. “As pessoas que sofrem com algum transtorno mental também apresentam expectativa de vida menor. Isso ocorre por causa do suicídio, mas também porque, com a inflamação no organismo, aumentam as chances de problemas circulatórios, como derrame e acidente vascular cerebral”, explica. “Acredito que esses novos dados são um recado importante para a classe médica. Precisamos considerar todos os fatores que podem estar envolvidos na depressão e em outros transtornos. Dessa forma, pode-se prevenir outros problemas de saúde e aumentar a expectativa de vida desses pacientes”, completa.

Terapia com chá

A maioria dos pacientes que não responde aos medicamentos atuais sofre com uma forma mais grave de depressão. Por esse motivo, pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) resolveram analisar se a ayahuasca, um chá com efeitos psicodélicos, poderia gerar resultados positivos para essas pessoas. Os cientistas trataram 28 indivíduos da seguinte forma: metade recebeu ayahuasca e os outros 14, um placebo. Havia também um grupo controle, composto por 45 pessoas.

Por meio das análises sanguíneas e o monitoramento da proteína CRP, que ajuda a medir o grau de inflamação do corpo, os pesquisadores notaram que, nos pacientes do primeiro grupo, houve redução significativa da inflamação e dos sintomas depressivos. “Quando fizemos a medição dos marcadores inflamatórios, descobrimos que eles diminuíram consideravelmente nos pacientes que usaram a ayahuasca. Isso é algo importante porque temos um grupo considerável de pessoas que não respondem aos tratamentos disponíveis, incluindo a eletroconvulsoterapia”, enfatiza Draulio Araujo, pesquisador do Instituto do Cérebro da UFRN e autor do estudo, que foi publicado, em julho, na revista Journal of Psichofarmachology.

Nicole Galvão-Coelho, também participante da pesquisa, sinaliza alguns passos a serem tomados pela equipe para se chegar a novas abordagens. “Temos que fazer um acompanhamento biológico e, com base nele, vamos desenvolver tratamentos que, além de promover a neuroplasticidade, reduzam a inflamação. É um arranjo que precisa ser feito com base no comportamento do organismo”, adianta.

Sem ligação com a ansiedade

A ansiedade e a depressão são frequentemente ligadas. Isso porque grande parte dos pacientes apresenta sintomas dos dois problemas. Cientistas holandeses descobriram que a ocorrência de inflamação é um ponto que diferencia os distúrbios: a ligação se dá apenas entre os depressivos. Hilde de Kluiver, da Universidade de Amsterdam, e colegas analisaram amostras de sangue de 2.824 voluntários, divididos em cinco grupos conforme as complicações — depressão (304), ansiedade (548), depressão e ansiedade (531), distúrbios em remissão (807) —, além de 634 pessoas saudáveis (grupo controle).

Usando um detector de ressonância magnética nuclear, os cientistas testaram associações entre 40 metabólitos encontrados nas amostras coletadas e sintomas de depressão e de ansiedade. Descobriram que o grupo dos que tinham depressão mostrou evidências de maior inflamação e tinha quantidades e tipos de lipídios no sangue diferentes. Por exemplo, havia níveis altos de triglicerídeos, mas baixos de ácidos graxos ômega-3.

Em contraste, as pessoas que tinham transtorno de ansiedade apresentaram uma composição lipídica muito semelhante à do grupo de controle. “Nos últimos anos, a depressão foi associada a distúrbios no sistema imunológico e no metabolismo do corpo, e pesquisas anteriores mostraram que pessoas deprimidas tendem a ter marcadores bioquímicos diferentes. No entanto, nenhuma análise de um conjunto tão amplo de marcadores foi realizada para ansiedade. Esse trabalho mostra, pela primeira vez, que o sistema imunológico e o metabolismo lipídico mudam em pessoas deprimidas, mas não em pessoas ansiosas”, enfatiza Hilde de Kluiver. “Nosso grupo planeja, agora, testar se pessoas deprimidas com inflamação alterada podem responder ao tratamento com anti-inflamatórios.”

Menos agressiva

João Armando, psiquiatra, acredita que os dados fazem uma diferenciação que pode ser valiosa para o tratamento da ansiedade e da depressão. “O estudo mostra que a depressão é bem mais agressiva ao corpo, e isso é importante pois, como os próprios cientistas do estudo dizem, a maioria das pessoas apresenta os dois problemas, o que faz com que os tratamentos sejam feitos de forma conjunta também. Mas precisamos analisar de forma separada. Isso precisa ser considerado ao indicar tratamentos, pois pode contribuir, de forma muito positiva, para resultados mais positivos”, afirma.

Armando lembra que outros problemas estão sendo relacionados à inflamação no organismo, como o Alzheimer. “É algo interessante porque, quando falamos para os pacientes que o problema deles está relacionado a atividades inflamatórias, muitos não acreditam. No caso da depressão, alguns remédios causam efeitos colaterais, e eles acham que é esse o motivo do remédio não funcionar”, conta. “Teremos uma evolução nesse sentido, vemos, agora, que muitos fatores estão envolvidos nesse transtorno, e precisaremos considerar todas essas outras vias e encontrar formas de tratá-las.”

Palavra de especialista

Influência da alimentação

“Eu trabalho bastante com saúde mental, e sempre vejo casos de depressão relacionadas a uma alimentação ruim. Sabemos que o consumo de alimentos gordurosos, como as frituras, pode aumentar o processo inflamatório. Muitos pacientes reclamam que estão cansados, desanimados, que não conseguem acordar cedo. Eles não se dão conta de que isso ocorre por causa desses hábitos ruins. Várias pesquisas têm mostrado como esses fatores estão relacionados. Existe até uma expressão que a maioria dos especialistas usa. Eles dizem que o intestino é o nosso segundo cérebro. Existe, também, uma linha de pesquisa que mostra como as bactérias presentes no intestino têm influência nesse processo inflamatório. Não sabemos como, mas tudo indica que existe, sim, uma ligação. À medida que estudamos esse tema, temos entendido que, além dos medicamentos, as pessoas que sofrem com a depressão precisam tomar cuidado com a alimentação.”

Rita Castro, nutricionista clínica

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