OMS: apostas para tratar a covid não funcionam

Estudo com 11,2 mil voluntários atesta que não há benefícios terapêuticos no uso de quatro drogas tidas como promissoras contra o Sars-CoV-2: remdesivir, hidroxicloroquina, lopinavir e interferon. Grupo de pesquisa segue investigando a ação de anticorpos monoclonais

O ensaio multinacional Solidariedade, lançado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em fevereiro, concluiu que nenhum dos quatro medicamentos que foram examinados — remdesivir, hidroxicloroquina (HCQ), lopinavir e interferon — tem qualquer benefício para os pacientes com covid-19. As descobertas preliminares foram relatadas em um artigo na plataforma de pré-impressão Medrxiv. A HCQ e o lopinavir foram retirados do teste após os primeiros meses.
Os regimes terapêuticos baseados nas quatro drogas, usadas no tratamento de outras complicações, pareceram ter pouco ou nenhum efeito no índice de hospitalização, na mortalidade geral, no início do uso da ventilação e na duração da internação hospitalar em decorrência da covid-19. “Os resultados são consistentes com meta-análises de mortalidade”, relataram pesquisadores. O estudo continua testando a eficácia dos anticorpos monoclonais. O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que acabou de se recuperar da covid, recebeu essa classe de medicamentos no tratamento.
Um fórum de pesquisas para a covid-19 da OMS recomendou, em fevereiro, a avaliação dos tratamentos para a doença por meio de grandes ensaios clínicos. Um grupo de especialistas concentrou-se nesses quatro medicamentos para realizar a avaliação. Os testes começaram em março. Em 405 hospitais de 30 países, 11.266 adultos foram tratados de forma randomizada (aleatoriamente), sendo 2.750 no regime remdesivir; 954, no HCQ; 1.411, no lopinavir; 65,1, no interferon mais lopinavir; 1.412, apenas no interferon; e 4.088 não receberam nenhum medicamento do estudo.
“Os resultados gerais pouco promissores dos regimes testados são suficientes para refutar as esperanças iniciais, com base em estudos menores ou não randomizados, de que qualquer um (dos quatro medicamentos) reduzirá substancialmente a mortalidade de pacientes internados, o início da ventilação ou a duração da hospitalização”, escreveram os pesquisadores. “A principal necessidade é por melhores tratamentos. O Solidariedade ainda está recrutando cerca de 2 mil pacientes por mês, e projetos futuros vão avaliar outros tratamentos, como imunomoduladores e anticorpos monoclonais antiSars-CoV-2 específicos”, acrescentou o artigo.

Citocinas

Enquanto a OMS volta os olhos, agora, para os anticorpos monoclonais, os Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos anunciaram, ontem, um ensaio clínico de fase 3 para avaliar a segurança e a eficácia de três medicamentos moduladores imunológicos em adultos hospitalizados com covid-19.
Alguns pacientes apresentam uma resposta na qual o sistema imunológico libera quantidades excessivas de proteínas que desencadeiam uma inflamação — chamada tempestade de citocinas — que pode levar à síndrome do desconforto respiratório agudo, falência de múltiplos órgãos e outras complicações fatais. O ensaio clínico visa determinar se a modulação dessa resposta imunológica pode reduzir a necessidade de ventiladores e encurtar o tempo de internação hospitalar. O ensaio, conhecido como ACTIV-1 Immune Modulators (IM), determinará se a terapêutica é capaz de restaurar o equilíbrio de um sistema imunológico hiperativo.
Fruto de uma parceria público-privada, o ACTIV-1 IM testará, inicialmente, o infliximab, o abatacept e o cenicriviroc. Todos os participantes do estudo receberão também o remdesivir, que é o padrão atual de tratamento de pacientes hospitalizados com covid-19 nos Estados Unidos. O plasma convalescente e a dexametasona serão permitidos a critério do investigador do centro.
Os pacientes serão designados aleatoriamente para receber um placebo ou um dos moduladores imunológicos como um tratamento complementar. O ensaio estudará os diferentes regimes de tratamento de combinação em relação a gravidade da doença, velocidade de recuperação, mortalidade e uso de recursos hospitalares. O estudo deve durar aproximadamente seis meses.


"Os resultados gerais pouco promissores dos regimes testados são suficientes para refutar as esperanças iniciais”

Trecho ao artigo divulgado na plataforma de pré-impressão Medrxiv

EUA podem ter duas vacinas neste ano

A farmacêutica norte-americana Pfizer anunciou que planeja solicitar uma autorização de emergência para sua vacina contra a covid-19 nos Estados Unidos no fim de novembro, duas semanas após as eleições presidenciais. Assim, os EUA podem ter dois imunizantes prontos até o fim do ano — se os testes clínicos em andamento forem bem-sucedidos e a Administração de Alimentos e Medicamentos (FDA) autorizar a distribuição. A empresa Moderna também acredita que terá a vacina pronta no fim do próximo mês.
O presidente Donald Trump, que busca um segundo mandato, afirmou que uma vacina poderia estar disponível antes das eleições de 3 de novembro. A Pfizer atendeu ao pedido da FDA na semana passada para que os desenvolvedores de vacinas esperem dois meses após a segunda dose ser injetada em participantes dos ensaios clínicos para monitorarem possíveis efeitos colaterais graves.
Porém, a Pfizer — sócia da empresa alemã BioNTech — poderia obter resultados sobre a eficácia da vacina nas próximas duas semanas por meio de seus testes em andamento, nos quais participam 30 mil pessoas, afirmou o diretor da empresa. “Poderíamos saber se nossa vacina é efetiva ou não no fim de outubro”, escreveu Albert Bourla.

Condições

A FDA estabelece três condições para a aprovação de uma vacina: que seja eficaz, que seja segura e que a empresa seja capaz de produzi-la em larga escala. A Pfizer espera cumprir com os três requisitos na terceira semana de novembro, ou seja, dentro de um mês. Já a Moderna espera fazer o mesmo até 25 de novembro.
Ambas as empresas, financiadas pelo governo dos Estados Unidos, iniciaram a fase 3 de seus testes clínicos ao mesmo tempo, no fim de julho, e também começaram a produção de doses como medida de precaução, com o objetivo de entregar várias dezenas de milhões de doses no EUA no fim do ano caso recebam a autorização da FDA.