Coronavírus

Covid-19 deveria ser dividida em vários tipos, sugerem cientistas

Estudo classifica subtipos das formas menos graves da doença, de acordo com os diversos sintomas apresentados pelos pacientes. A divisão por sinais clínicos, associados ao comportamento do sistema imunológico, pode ajudar a monitorar a evolução da infecção

Paloma Oliveto
postado em 03/11/2020 06:00
 (crédito: CHRISTOPHE ARCHAMBAULT/ AFP )
(crédito: CHRISTOPHE ARCHAMBAULT/ AFP )

Oito meses depois de a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarar a pandemia da covid-19, ainda não se sabe ao certo o porquê de pacientes apresentarem sintomas e progressões da doença tão diferentes. Mesmo na versão leve, alguns podem precisar de internação, enquanto outros sofrem os mesmos incômodos de um resfriado comum. Nem todos perdem olfato e paladar, ao mesmo tempo em que determinadas pessoas apresentam problemas gastrointestinais, mas nenhum no sistema respiratório. Devido à variação de sinais associados ao Sars-CoV-2 pesquisadores da Universidade Médica de Viena, na Áustria, sugerem, em um artigo publicado na revista Allergy, dividir em sete as formas menos graves da covid-19.

O estudo, feito com 109 indivíduos em recuperação, acompanhados por 10 semanas, e 98 pessoas saudáveis (controle), dividiu a doença em grupos, conforme os sintomas apresentados pelos pacientes. Com base nesse critério, foram estabelecidos sete formas da covid-19 leve. A primeira caracteriza-se por sinais semelhantes aos da gripe, como febre, fadiga, tosse e calafrios. A segunda, mais branda, é marcada por uma sensação de resfriado comum: rinite, espirros, garganta seca e congestão nasal.

No terceiro caso, estão as dores articulares e musculares. O quarto grupo inclui inflamação ocular e na mucosa. O quinto envolve os problemas pulmonares, como pneumonia e falta de ar; o sexto refere-se aos sinais gastrointestinais (diarreia e náusea, além de dor de cabeça) e, por último, está a perda de olfato e paladar. Cada forma da doença foi associada ao tipo de resposta imunológica desencadeada pelo organismo.

“Os objetivos do estudo foram identificar a ‘impressão digital’ da infecção por covid-19 em células presentes no sangue, e nos níveis de anticorpos. Estávamos especialmente interessados em saber se mudanças diferentes nos parâmetros das células ou dos anticorpos separaria os pacientes convalescentes da covid-19 de indivíduos saudáveis, e se poderíamos definir parâmetros associados ao curso da doença”, explica o imunologista Winfried F. Pickl, principal autor do estudo.

“Assim, fizemos um estudo para investigar a distribuição dos tipos de leucócito no sangue, com interesse principal nos linfócitos T e B, 10 semanas depois de serem diagnosticados com covid-19. Essas amostras foram comparadas às de indivíduos saudáveis, cujos exames para detecção da doença deram negativo”, relata o especialista

No caso dos doentes cuja principal característica é a perda de olfato e paladar, por exemplo, os pesquisadores descobriram que, na maior parte deles, a migração dos linfócitos T para o timo, glândula especializada onde essas células amadurecem diante da ameaça de um fator externo, foi recente. Isso indica, segundo Pickl, um sistema imunológico jovem. Ao mesmo tempo, quanto mais alta a febre dos pacientes ao longo da forma leve da covid-19, maior a quantidade de células imunes produtoras de anticorpos no sangue.

Autoimunidade


Outra constatação dos pesquisadores foi que, independentemente dos sintomas apresentados pelos pacientes, o número de granulócitos (responsáveis pelo combate a patógenos bacterianos) é significativamente menor, comparado ao que se mediu no grupo de controle. Pickel diz que os cientistas também encontraram um número alto de células de memória ativadas mesmo depois de 70 dias da infecção inicial. Ao mesmo tempo, as células regulatórias, que, como sugere o nome, regulam a ação imunológica, são “notavelmente diminuídas”.

Segundo o cientista, trata-se de uma “mistura perigosa, que pode levar à autoimunidade”. Isso porque, mesmo curados da infecção, os pacientes ainda têm um sistema imunológico em alerta e pouco controlado. Assim, é possível que essas células ativas possam continuar produzindo substâncias inflamatórias, para combater o vírus (que, todavia, não está mais presente), o que acaba prejudicando o organismo.

De acordo com o cientista da Universidade Médica de Viena, ao destacar biomarcadores a características clínicas da doença, é possível predizer melhor o prognóstico do paciente e monitorá-lo melhor. “Conhecer mais profundadamente a reação do sistema imunológico também nos fornece melhores ferramentas para a produção de futuras vacinas superpotentes”, acredita.

O estudo vienense vai de encontro a outra pesquisa, do King’s College de Londres, divulgada no fim de julho. Os cientistas ingleses também agruparam os diferentes sintomas da covid-19 em seis grupos, para prever a evolução da doença nos pacientes. O tipo 1 incluiu sinais semelhantes ao da gripe, mas sem febre. O segundo, sintomas da gripe com febre. O terceiro, problemas gastrointestinais associados a dor de cabeça, no peito e na garganta, além de perda de olfato. O quarto subtipo caracteriza-se por fadiga severa, além de cefaleia, perda de olfato, tosse, febre, rouquidão e dor no peito. O quinto inclui confusão mental, dor de cabeça, perda de olfato e apetite, tosse, febre, rouquidão, fadiga e dor de garganta, no peito e muscular.

Por fim, o grupo de pessoas com falta de ar, diarreia e dor abdominal além de dor de cabeça, perda de olfato e apetite, tosse, febre, rouquidão, dor de garganta, dor no peito, fadiga, confusão e dor muscular. Os três últimos grupos foram considerados os de pior prognóstico.

Os dados mostraram que 20% das pessoas com subtipo 6 e 10% dos pacientes com subtipo 5 eventualmente necessitaram de suporte respiratório, em comparação com apenas 1,5% daqueles do grupo 1. O estudo também descobriu que os indivíduos categorizados nas formas 4, 5 e 6 da doença eram mais velhas, mais propensas a estar acima do peso e mais a ter doenças preexistentes.

Os subtipos 5 e 6 sinalizam um alto risco hospitalização futura. Em nota, o principal autor, Tim Spector, lembrou que a classificação dos sintomas é importante não só para monitorar a evolução da enfermidade, mas para mostrar que nem sempre a infeção por Sars-CoV-2 inclui os sintomas clássicos, e que muitas pessoas podem acabar infectando outras por não saber que têm covid-19.

 

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