O trabalho em conjunto de duas células de defesa pode ser a melhor estratégia para gerar imunidade ao zika vírus, mostra um estudo americano. Os pesquisadores aplicaram, em ratos, uma vacina que impulsiona a produção de linfócitos T, moléculas que lutam contra agentes invasores, e de anticorpos com menor duração de vida, mas que também combatem esse tipo de patógeno. Os resultados iniciais do experimento foram extremamente positivos e, segundo a equipe, podem servir como base para o desenvolvimento de uma fórmula capaz de, em humanos, evitar a zika e enfermidades semelhantes, como a dengue e a febre amarela.
Os especialistas explicam, no estudo publicado na revista Science Advances, que, desde que o zika vírus ganhou as manchetes, em 2016, quando os casos da enfermidade atingiram o pico nas Américas, mais de 40 candidatas a vacinas foram desenvolvidas. A maioria desses imunizantes é projetada para estimular o corpo a produzir anticorpos que têm como alvo uma proteína específica do vírus. Segundo a equipe, porém, existe uma desvantagem nessa estratégia. “Em muitas partes do mundo, o vírus zika se espalha com outros patógenos também transmitidos por mosquitos, como a dengue. Vimos em estudos anteriores que a presença de anticorpos contra o zika pode tornar um caso subsequente de dengue muito pior”, explicam os autores.
Uma dessas pesquisas foi feita pelo grupo em 2018 e mostrou que filhotes de ratos recém-nascidos com anticorpos contra o zika eram mais vulneráveis à morte por exposição à dengue do que aqueles sem essas células de defesa. “Isso significa que uma vacina contra o zika vírus que estimule apenas a produção de anticorpos pode ser arriscada em áreas em que a dengue e o zika são comuns. Mas, felizmente, o sistema imunológico pode produzir mais do que anticorpos”, detalham.
Longo prazo
Para gerar uma vacina que drible esses obstáculos, inicialmente, a equipe desenvolveu um imunizante que estimula a produção de linfócitos T. A fórmula foi aplicada em camundongos por meio de duas doses, com um intervalo de quatro semanas entre elas. Seis semanas depois, os animais foram expostos ao zika vírus. A equipe constatou que a vacina induziu forte imunidade contra o patógeno, relacionada principalmente à produção das células T do tipo CD8 +, também chamadas de “células T assassinas”. A vacina também evitou a transmissão do micro-organismo da placenta da mãe para o feto.
O uso da vacina experimental foi ainda mais eficaz quando combinado com um imunizante que induziu, nas cobaias, a produção de anticorpos neutralizantes. “Descobrimos que, ao combinarmos células T e anticorpos, temos uma proteção ainda mais forte e de longo prazo”, detalha, em comunicado, Annie Elong Ngono, pesquisadora do Instituto de Imunologia La Jolla (LJI) e principal autora do estudo.
Embora a epidemia de zika vírus entre 2015 e 2016 não tenha se repetido, a enfermidade pode ressurgir em muitos países, acreditam estudiosos da área. Há, inclusive, a possibilidade de o patógeno estar se espalhando em silêncio. “Devido a esse risco, precisamos desenvolver vacinas eficazes”, enfatiza, em comunicado, Sujan Shresta, também professora do LJI autora do estudo. Segundo a cientista, o desafio de agora é encontrar a forma de obter respostas de células T e anticorpos que seja adequadamente balanceada. “Também não sabemos quão durável é a proteção da vacina. Se for bastante curta, teremos de descobrir como melhorá-la”, complementa.
Prevenção combinada
A equipe acredita que os resultados obtidos sinalizam a possibilidade de desenvolvimento de vacinas para outras enfermidades da família flavivírus, como dengue, febre amarela e encefalite japonesa. Os cientistas também avaliam que estão mais perto de desenvolver uma fórmula capaz de proteger pessoas que vivem em áreas onde várias dessas doenças são comuns. “Vemos, nesse estudo, como é importante ativar mais que uma célula de defesa para combater esse tipo de patógeno. Acreditamos que essa abordagem pode ser usada contra outras doenças infecciosas”, explica Ngono. “Pesquisas recentes de cientistas da nossa universidade sugerem que as vacinas para a covid-19 podem precisar induzir as células T para trabalhar ao lado de anticorpos. Uma ação parecida à que estamos desenvolvendo”, complementa.
Werciley Júnior, infectologista e chefe da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar do Hospital Santa Lúcia, em Brasília, destaca que a estratégia é mais eficaz porque usa armas presentes em dois tipos de resposta imune do organismo. “Temos a imunidade humoral, que é realizada pelos anticorpos, agentes específicos no combate ao patógeno. Eles são eficazes, mas sua memória dura pouco. Quando você junta com as células T, que fazem parte do sistema imune celular e têm uma força maior, consegue obter mais sucesso no combate ao patógeno e com uma longa duração”, explica.
O médico ressalta que a desvantagem da estratégia é o custo. “É um tipo de vacinação que seria a mais completa, mas bastante específica, o que a torna também muito dispendiosa. Dessa forma, seria difícil aplicá-la em toda uma população”, diz. Para Werciley Júnior, caso surja uma vacina que consiga proteger um indivíduo de várias enfermidades da família flavivírus, ela trará muitos ganhos, principalmente para as regiões mais pobres. “Essas doenças se concentram em locais com renda mais baixa. Se for possível um imunizante que englobe todas elas, o que é algo que podemos cogitar devido às suas semelhanças, teríamos como proteger essas áreas com ainda mais eficácia.”
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Cérebro inflamado
É provocada por um flavivírus, transmitido pela picada de mosquitos do gênero Culex, que se reproduzem na água. Essa enfermidade acomete o sistema nervoso central, gerando uma inflamação no cérebro. O tratamento se dá por medicamentos, mas a encefalite japonesa pode gerar sequelas, como a perda da fala. Ela é endêmica em muitos países asiáticos, como Bangladesh, Filipinas e Malásia.