CIÊNCIA

Cientistas detalham transmissão da covid-19 por visons

Análise de animais e humanos infectados pelo Sars-CoV-2 em fazendas holandesas mostra que esses roedores disseminam rapidamente o vírus e que as cepas não causam casos graves da covid-19. Descobertas podem ajudar na escolha de medidas preventivas mais eficazes

Vilhena Soares
postado em 11/11/2020 06:00
 (crédito: AFP / Ritzau Scanpix / MADS CLAUS RASMUSSEN)
(crédito: AFP / Ritzau Scanpix / MADS CLAUS RASMUSSEN)

Em abril, na Holanda, foram registrados os primeiros casos de transmissão do novo coronavírus envolvendo visons e humanos. Assim que foi divulgada a modalidade de infecção, autoridades do país isolaram os criadouros dos animais. Na semana passada, em uma medida mais drástica, e polêmica, a Dinamarca anunciou que sacrificaria mais de 15 milhões desses roedores, também em decorrência do registro de contágios e como uma forma de enfrentamento à pandemia. Desde então, crescem as dúvidas sobre esse tipo de transmissão do Sars-CoV-2. Um estudo divulgado, ontem, na revista americana Science traz detalhes sobre esse fenômeno.

Cientistas do Instituto de Virologia da Universidade Erasmus, na Holanda, realizaram um mapeamento genético dos animais e dos trabalhadores das fazendas do país em que as infecções foram registradas. Com base nos dados, confirmaram as suspeitas iniciais de existência de duas formas de contágio: de humanos para vison e dos roedores para humanos. “Mais pesquisas em visons e em outros mustelídeos (mamíferos carnívoros) são importantes para entender se essas espécies correm o risco de se tornar um reservatório de Sars-CoV-2”, ressaltam os autores do estudo, que foi liderado por Bas B. Oude Munnink.

A equipe analisou o DNA do coronavírus presente nos animais em maio, depois que as fazendas haviam sido isoladas e o governo dado início a um extenso sistema de vigilância para doenças zoonóticas (transmitidas de animais para humanos). Os cientistas observaram uma série de variações do Sars-CoV-2 nos visons, mas o que mais chamou a atenção do grupo foi a presença do patógeno que carregava a mutação D614G, que é a mais comum entre humanos. “Encontramos essa variação em três pequenos grupos de visons, o que indica que os animais foram infectados, primeiro, por humanos e, só depois, o patógeno se espalhou entre eles, criando outras cepas”, detalham.

Os pesquisadores também analisaram os funcionários das fazendas holandesas com casos de covid-19 e constataram que 66 dos 97 (68%) trabalhadores agrícolas da região tiveram a enfermidade. O sequenciamento genético do vírus revelou que algumas pessoas foram infectadas com cepas que continham uma assinatura de sequência animal. A descoberta confirma que o vírus da covid-19 foi transmitido de animal para humano. “No total, 18 sequências de funcionários foram observadas em sete fazendas. Na maioria dos casos, essas sequências humanas eram quase idênticas às sequências de visons da mesma fazenda”, relatam.

Uma análise mais aprofundada indicou que não houve transmissão do vírus para as pessoas que viviam nas proximidades das propriedades rurais, o que, segundo os autores, mostra que as estratégias usadas pelas autoridades para conter o vírus funcionaram, e que as cepas dos visons não tinham uma força maior de propagação. Os pesquisadores acreditam que os dados reforçam a tese de que os roedores são suscetíveis ao vírus da covid-19 assim como os humanos, o que exige uma atenção maior das autoridades.

“É imperativo que o setor de produção e comercialização de peles não se torne um reservatório de Sars-CoV-2 para os humanos. Precisamos estar alertas a esses grupos e evitar que outros episódios como esse ocorram. É necessário também estudar o comportamento de outros animais em relação a esse patógeno”, defendem.

Sem alarme

José Eduardo Levi, virologista do Laboratório Exame, em Brasília, destaca que o estudo é interessante porque, além de trazer dados genéticos relacionados à transmissão do novo coronavírus entre visons e humanos, mostra como esses animais são altamente suscetíveis ao vírus. “O Sars-CoV-2 já mostrou que é capaz de infectar alguns bichos, como gatos, cachorros, tigres e leões. Temos apenas as aves que se livraram, isso provavelmente porque estão distantes dos mamíferos na cadeia evolutiva”, diz. “Essa análise mostra que os visons transmitiram rapidamente essa enfermidade, porque os cientistas encontraram várias cepas entre os animais. É claro que temos como um fator extra, o fato de eles viverem muito próximos, mas, ainda assim, esses dados são significativos”, contextualiza.

O especialista brasileiro também destaca que os dados não são alarmantes, já que os cientistas não encontraram uma cepa relacionada a maiores riscos de infecção. “Eles constataram que os humanos infectados tinham a mesma variante genética que a dos visons das fazendas em que trabalhavam. Também observaram que poucas pessoas que moravam ao redor da região tiveram a doença, e que elas não tinham a mesma cepa da região. Isso quer dizer que o vírus que veio dos animais não era mais transmissível nem provocava casos mais graves da enfermidade, o que é algo positivo”, explica.

Mais vigilância

José Levi também ressalta a importância de um maior cuidado e vigilância com as criações de espécies como os visons. “Na Holanda e na Dinamarca, eles sofrem muito com isso porque lidam com um grande número de animais. E por isso acredito que é difícil que façam mudanças radicais. A economia dessas regiões gira em torno desse mercado”, justifica. “Mas nós vemos que existe, sim, um risco, como nesse caso da Dinamarca. É ainda uma suspeita de que a doença possa se tornar mais resistente, mas é importante ter cuidado. Evitar que isso ocorra é algo essencial, mas precisamos de argumentos científicos sólidos para defender isso.”

As autoridades dinamarquesas decidiram sacrificar os animais após descobrir que eles carregavam uma mutação do Sars-CoV-2 presente em 12 pessoas infectadas pelo vírus no norte de Jutlândia, oeste do país, onde se concentra a maioria dos criadouros dos roedores. “O vírus que sofreu mutação através dos visons poderia representar um risco de que futuras vacinas não funcionem como deveriam. É preciso sacrificar todos os visons”, justificou a primeira-ministra, Mette Frederiksen, em um comunicado.

Segundo cientistas, é normal um vírus sofrer mutações, e essas alterações não significam que o patógeno se comportará de forma diferente, ficando mais infeccioso, por exemplo. Depois de detectados os primeiros casos de coronavírus nos animais, o governo dinamarquês lançou uma vasta campanha de sacrifício nos criadouros infectados. O país é o maior exportador mundial de pele de visons, uma atividade que fez a fortuna de mais de mil fazendas do pequeno reino nórdico.

» Para saber mais

Mundo em alerta

A Organização Mundial de Saúde (OMS) divulgou que, até o último sábado, seis países haviam relatado casos da covid-19 em criadouros de visons: Dinamarca, Holanda, Espanha, Suécia, Itália e Estados Unidos. O anúncio da agência das Nações Unidos foi feito logo depois que a Dinamarca informou que sacrificaria os animais. A OMS também enfatizou sobre a importância de realização de novos estudos científicos e laboratoriais para determinar o quanto tratamento e vacinas podem ser impactados por esse tipo de transmissão do coronavírus.

“Embora se acredite que o vírus esteja ancestralmente ligado aos morcegos, a origem do vírus e o(s) hospedeiro(s) intermediário(s) do Sars-CoV-2 ainda não foram identificados”, lembrou a agência. Uma missão internacional, composta por especialistas internacionais da OMS, da Organização para a Alimentação e Agricultura das Nações Unidas (FAO) e da Organização Mundial para a Saúde Animal, foi criada, em colaboração com Pequim, para determinar a origem do novo coronavírus.

 

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