Coronavírus

Com resultados animadores, vacina de Oxford é esperança para imunização em massa

Resultados preliminares mostram eficácia de 90% quando a fórmula britânica é aplicada em quantidade menor do que a de outros imunizantes em teste. Baixo custo de fabricação também surge como atrativo. Brasil planeja produzir 260 milhões de doses

Vilhena Soares
postado em 24/11/2020 06:00
 (crédito: John Cairns/AFP)
(crédito: John Cairns/AFP)

A Universidade de Oxford e a empresa AstraZeneca, ambas do Reino Unido, anunciaram uma série de resultados animadores da fase final de testes com a vacina contra a covid-19 que desenvolvem em parceria. O imunizante, intitulado AZD 1222, registrou eficácia de até 90% quando aplicado em dose menor, tem custo mais baixo de produção e armazenamento prático, se comparado a iniciativas semelhantes. Além disso, a fórmula é a principal aposta do governo brasileiro contra a pandemia. O país firmou acordos para a compra e a produção do produto, sob a responsabilidade do Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz). Para especialista, o somatório de vantagens facilitará a realização de campanhas de vacinação em massa.

Como ocorreu nas últimas semanas com outros projetos de pesquisa, os resultados da fase três dos testes com humanos são prévios e foram anunciados pelos grupos responsáveis, sem a divulgação de um estudo completo e a publicação em uma revista científica, o que demanda a revisão por pares. De acordo com o grupo britânico, a eficácia alcançou 90% em um grupo de pessoas que recebeu, inicialmente, meia dose da vacina e uma dose completa um mês depois. A eficiência de proteção caiu para 62% em uma parcela de voluntários submetida a outro regime: duas doses inteiras, com o mesmo intervalo de tempo de aplicação.

“Acreditamos que, ao dar uma primeira dose menor, estamos preparando o sistema imunológico de maneira diferente ou o estamos preparando melhor para a resposta”, disse Andrew Pollard, professor da Universidade de Oxford. Mais de 3 mil voluntários participaram do subgrupo que obteve maior efetividade. Peter Openshaw, professor de medicina experimental do Imperial College London, considera que essa combinação é uma grande notícia, já que, potencialmente, aumenta o número de pessoas que poderão ser vacinadas e reduz os custos da imunização. “Pode parecer contrário à intuição dos que pensam que as vacinas são como os medicamentos normais, (...) mas o sistema imunológico não funciona dessa maneira”, explicou à Agência France-Presse (AFP) de notícias.

Cláudia França Cavalcante Valente, membro do Departamento Científico de Imunização da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (ASBAI), também avalia que os resultados obtidos no grupo com menos quantidade de doses são animadores. “Ainda é difícil definir os motivos disso ter ocorrido, principalmente porque ainda não temos os dados estatísticos do estudo para avaliar com mais cuidado. Mas é algo que já vimos no passado. Tivemos um surto de febre amarela em São Paulo. Nesse episódio, foram aplicadas doses fracionadas da vacina porque a quantidade necessária para imunizar toda a população não estava disponível, e os resultados foram positivos”, contou.

Segundo a especialista brasileira, outro ponto importante da vacina britânica e de outros imunizantes que têm sido desenvolvidos para combater a covid-19 é a testagem em um número amplo de voluntários. “As pessoas ficam com medo, dizendo que não querem tomar a vacina porque ela foi feita na pressa. Mas isso não é verdade. Os testes foram realizados cumprindo todos os passos de segurança. Fora que praticamente não temos vacinas que foram testadas em uma quantidade tão grande de indivíduos no passado. Isso só ocorreu uma vez, no caso do rotavírus, em que a primeira fórmula gerou problemas nos Estados Unidos. Para evitar mais complicações, os testes seguintes foram feitos em grupo de 70 mil pessoas”, detalhou.

Cronogramas

Um total de 60 mil voluntários participaram dos testes da AZD 1222, que foram conduzidos em sete países: Reino Unido, Brasil, Estados Unidos, Japão, Rússia, África do Sul e Quênia. Os criadores da fórmula também destacaram que, durante os ensaios clínicos, nenhum participante desenvolveu formas graves da covid-19 nem precisou de hospitalização. “A AstraZeneca preparará, imediatamente, a apresentação regulamentar dos dados às autoridades de todo o mundo em busca de uma rápida aprovação”, afirmou Pascal Soriot, CEO da farmacêutica. Caso recebam rapidamente a autorização das agências de segurança de medicamentos, as primeiras vacinas contra a covid-19 poderão começar a ser distribuídas em dezembro, na Europa e nos Estados Unidos. Há a possibilidade de, no Brasil, a imunização começar no mês seguinte.

Segundo a Fiocruz, o número de pessoas que poderão ser vacinadas deve subir, considerando os resultados mais recentes dos ensaios clínicos. “O que nos deixa mais otimistas é que esse protocolo com eficácia de 90% traz um ganho de rendimento, já que a primeira dose será com quantidade menor da vacina. Isso tem impacto muito significativo porque permite que o número de pessoas que vão recebê-la cresça 30%”, afirmou Marco Krieger, vice-presidente de Produção e Inovação em Saúde da Fiocruz.

De acordo com Krieger, havia a expectativa de produção de 200 milhões de doses para vacinar 100 milhões de pessoas no Brasil. “Vamos conseguir produzir 260 milhões de doses e vacinar 130 milhões de brasileiros”, disse. A expectativa é de que a campanha de imunização comece entre o fim de fevereiro e o início de março. A produção do imunizante pela Fiocruz e a aplicação da vacina ainda dependem da aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Os testes com a vacina britânica tiveram início em junho, em cinco estados: Rio de Janeiro, Bahia, São Paulo, Rio Grande do Sul e Rio Grande do Norte. Não está descartado começar a vacinação em regiões do Brasil que estejam com altos números de infectados no momento em que o imunizante estiver disponível, segundo a Fiocruz. “A vacina poderá ser usada para diminuir a propagação da doença (em uma determinada região), mas, hoje, com a doença espalhada por todo o país, ela tende a ser (aplicada) nas populações mais vulneráveis, profissionais de saúde e, gradativamente, ser expandida de forma bastante significativa”, detalhou Krieger.

"Esse protocolo com eficácia de 90% traz um ganho de rendimento, já que a primeira dose será com quantidade menor da vacina. Isso tem impacto muito significativo porque permite que o número de pessoas que vão recebê-la cresça 30%”
Marco Krieger, vice-presidente de Produção e Inovação em Saúde da Fiocruz


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Facilidade no armazenamento

 (crédito: John Cairns/AFP)
crédito: John Cairns/AFP

Com a média de eficácia de 70%, a vacina Oxford/AstraZeneca, em uma primeira leitura, poderia ser menos atrativa que as fórmulas desenvolvidas pelas americanas Pfizer/BioNTech e pela Moderna, que anunciaram, recentemente, índices superiores a 90%. Mas, segundo especialistas, a fórmula britânica tem a importante vantagem de utilizar uma tecnologia mais tradicional, o que torna a sua produção mais barata e facilita o processo de armazenamento e transporte. Ela, por exemplo, não precisa ser conservada a uma temperatura muito baixa — é possível mantê-la por ao menos seis meses, entre 2ºC e 8ºC.

Por outro lado, as vacinas da Pfizer e da Moderna dependem de ultracongeladores para armazenamento em -70ºC e -20ºC, respectivamente. Essa logística pode ser um empecilho principalmente para países mais pobres. “Graças a sua simples cadeia de abastecimento, a vacina de Oxford/AstraZeneca será acessível e estará disponível em todo o mundo”, afirmou Pascal Soriot, CEO da AstraZeneca.

Renato Kfouri, diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), destaca que o armazenamento simples é um dos pontos mais positivos do imunizante. “São notícias muito animadoras, principalmente porque é um projeto que já tem contrato com o governo brasileiro, além de ser uma vacina que não precisa ficar congelada a -70ºC. Isso facilita bastante na hora de vacinar porque não precisamos nos adaptar, podemos usar a estrutura que já utilizamos para outros imunizantes. Manter essas temperaturas extremamente baixas é um desafio muito grande, principalmente para o Brasil”, justificou.

Mais dados

Segundo Kfouri, agora, é necessário aguardar a divulgação dos dados técnicos do estudo para fazer uma análise mais detalhada. “Mais uma vez, recebemos essas notícias por comunicados oficiais dos fabricantes, e não por pesquisas, o que dificulta a nossa avaliação. Mas, ainda assim, é importante frisar que os dados preliminares são positivos, principalmente em relação ao custo, que é mais baixo do que os imunizantes das empresas americanas. Isso também facilitará bastante uma futura distribuição”, ressaltou. Cálculos iniciais, que incluem medidas necessárias para o transporte e o armazenamento indicam que cada dose da vacina da Moderna pode chegar ao mercado por cerca de US$ 15, a da Pfizer/BioNTech, por US$ 20, e a da Oxford/AstraZeneca, por US$ 2,50.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) também reagiu positivamente ao anúncio das empresas britânicas, enfatizando as vantagens econômicas do imunizante. Segundo a instituição, os dados divulgados são “encorajadores”. Em uma coletiva de imprensa, a cientista-chefe da organização, Soumya Swaminathan, avaliou que a vacina britânica tem “enormes” vantagens logísticas devido às condições mais simples de armazenamento. “As boas notícias são que vacinas contra a covid-19 se mostram possíveis de se fazer”, afirmou Swaminathan. A menor eficácia da vacina da AstraZeneca, de 62% em uma abordagem, não foi avaliada como um problema pela OMS. Durante a coletiva, foi reforçado que a instituição espera atingir a imunização por meio de mais de uma vacina, e que uma proteção superior a 50% é considerada significativa cientificamente. (VS)

Uso de adenovírus

A AZD 1222 utiliza como plataforma um adenovírus de chipanzé, que provoca gripe nos animais. Os cientistas modificam o patógeno, no laboratório, para que não provoque danos ao organismo humano e carregue uma proteína presente no Sars-CoV- 2, causador da covid-19. Após uma pessoa ser vacinada, essa molécula faz com que o corpo dela produza uma reação imune, impedindo que o novo coronavírus se reproduza. Essa estratégia é usada por outros tipos de imunizantes já aplicados na população. Pfizer e Moderna apostam em uma plataforma baseada em RNA do vírus, uma tecnologia totalmente nova e mais cara.

 

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