SAÚDE

Covid-19: pesquisa sinaliza que mutações não deixam vírus mais contagioso

Os Sars-CoV-2 sofreu mais de 12 mil alterações genéticas e nenhuma o ajudou a melhorar o potencial de transmissibilidade, mostra estudo britânico. A constatação sinaliza que será possível manter a eficácia de vacinas em desenvolvimento

Vilhena Soares
postado em 26/11/2020 06:00
 (crédito: AFP / Charly TRIBALLEAU)
(crédito: AFP / Charly TRIBALLEAU)

À medida que um vírus se propaga, ele sofre alterações em sua forma. O fenômeno preocupa especialistas, já que algumas mudanças podem dificultar o combate ao micro-organismo. Cientistas ingleses resolveram investigar se as mutações já registradas no patógeno da covid-19 poderiam gerar maior transmissibilidade da doença. Os pesquisadores analisaram genomas do Sars-CoV-2 presentes em mais de 40 mil pessoas infectadas e não encontraram indícios de aumento de força na propagação da enfermidade. O trabalho, publicado na última edição da revista Nature Communications, também é animador porque sinaliza mecanismos que ajudarão a manter a eficácia das futuras vacinas.

Os patógenos da família coronavírus, como o Sars-CoV-2, são agentes infecciosos feitos de RNA e estão em constante mutação. Eles podem desenvolver alterações genéticas de três maneiras: por erros cometidos durante a replicação viral, ou seja, quando ele faz cópias de si mesmo; por meio de interações com outros vírus que infectam a mesma célula; ou por alterações provocadas pelo sistema imune do organismo infectado. “A maioria das mutações é neutra, enquanto outras podem ser vantajosas ou prejudiciais para o vírus”, afirmam os autores no estudo científico.

Para avaliar as mudanças sofridas pelo Sars-CoV-2, os pesquisadores analisaram dados de genomas do vírus de 46.723 pessoas coletados até o fim de julho, em 99 países. Um sistema computacional de mapeamento genômico avançado auxiliou a equipe. “O número de formas genéticas do Sars-CoV-2 geradas é impressionante. Percebemos, no início da pandemia, que precisávamos de novas abordagens para analisar essa enorme quantidade de dados quase em tempo real. Só assim, conseguiríamos estar alertas e sinalizar novas mutações no vírus que pudessem afetar sua transmissão ou a gravidade dos sintomas”, detalha Lucy van Dorp, pesquisadora do Instituto de Genética da University College London (ULC) e principal autora do estudo.

Até o momento, foram identificadas 12.706 mutações no Sars-CoV-2, mas o grupo de pesquisa se concentrou em um grupo de 185 alterações genéticas que ocorreram pelo menos três vezes durante a pandemia. Para testar se elas aumentam a transmissibilidade, os cientistas construíram uma árvore evolutiva do novo coronavírus. Nela, analisaram se uma determinada mutação estava se tornando cada vez mais comum dentro de um ramo evolutivo, ou seja, se após o primeiro registro de uma mutação, os descendentes dessa cepa modificada superavam a quantidade de cepas do vírus que não tinham a alteração específica.

A equipe não encontrou evidências de que as mutações avaliadas estariam aumentando a transmissibilidade do vírus. Em vez disso, descobriram que as mais comuns são neutras. Isso inclui a alteração na proteína chamada D614G, a que mais preocupa especialistas por apresentar uma mudança na principal proteína do vírus da covid-19, a spike. Essa estrutura é usada pelo Sars-CoV-2 para se ligar às células humanas. Desconfiava-se de que a D614G faria com que o vírus ficasse mais transmissível. “Felizmente, descobrimos que nenhuma dessas mutações está fazendo a covid-19 se espalhar mais rapidamente, mas precisamos permanecer vigilantes e continuar monitorando novas mutações, particularmente à medida que as vacinas são lançadas”, diz Lucy van Dorp.

Segundo Werciley Junior, infectologista do Hospital Santa Lúcia, em Brasília, os dados do estudo confirmam as suspeitas médicas de que as alterações no vírus da covid-19 não provocam maiores danos. “Já é esperado que essas mutações surjam, mas para que algo grave seja desencadeado, é necessário que elas ocorram em pontos específicos, como a proteína spike, no caso do novo coronavírus”, explica. “Até agora, vimos só uma mudança nessa região e nada grave relacionado a ela. Isso é muito importante porque, além de não termos mais danos ao organismo e maior transmissão, evitamos transtornos com os imunizantes que foram desenvolvidos até agora e que têm com base o RNA que já conhecemos. Eles vão manter a resposta imune esperada.”

Escape

Os autores do estudo também não esperam grandes mudanças quanto ao poder de disseminação do Sars-CoV-2. “O vírus parece bem adaptado à transmissão entre humanos e pode já ter atingido seu nível mais alto de transmissibilidade, sem ter mais para onde ir nesse quesito”, avalia Lucy van Dorp. Segundo ela, porém, o uso de vacinas provavelmente exercerá novas “pressões” sobre o vírus para que ele crie maneiras de escapar do reconhecimento feito pelo sistema imunológico humano. Isso pode levar ao surgimento de “mutações de escape”.

A aposta é de que a estrutura computacional usada no estudo será útil para a identificação dessas possíveis mutações adaptativas. “O vírus pode muito bem adquirir essas mudanças que o ajudarão a fugir da eficácia das vacinas, mas estamos confiantes de que seremos capazes de sinalizá-las prontamente, o que permitiria atualizar esses imunizantes quando for necessário”, explica Francois Balloux, também autor do estudo e pesquisador do Instituto de Genética da ULC.

Werciley Junior explica por que essas alterações do vírus podem surgir após o uso de imunizantes. “Para o vírus sobreviver, ele vai ter que se adaptar ao meio ambiente, isso é comum, é a lei da sobrevivência. Mas pode ser que essas mudanças sejam negativas para ele, não sabemos o que pode ocorrer. O mesmo ocorre com a gripe. Todo ano, temos que mudar as vacinas para que elas sigam eficazes, pode ser que o mesmo ocorra com a covid-19”, compara. “Por isso, é importante manter esse monitoramento genético. Ele que irá nos ajudar a lidar com essas possíveis mudanças.

 

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Visons sacrificados voltam a preocupar

 (crédito: Morten Stricker/AFP)
crédito: Morten Stricker/AFP

 

Na tentativa de conter a pandemia da covid-19, autoridades de vários países determinaram o sacrifício de visons, animais criados para o comércio de pele e capazes de transmitir o Sars-CoV-2 para humanos. Porém, a pressa em eliminar os pequenos mamíferos fez com que novos problemas surgissem na Dinamarca, que, em novembro, anunciou que sacrificaria 15 milhões de animais. Os animais enterrados voltaram para a superfície devido aos efeitos dos gases de decomposição, fenômeno que criou mais uma preocupação sanitária.
O “retorno” dos visons ocorreu em um terreno militar perto de Holstebro, no oeste da Dinamarca, em uma das fossas em que os animais foram depositados. Os cadáveres estavam cobertos por uma camada de calcário e de terra muito arenosa. Com o acúmulo dos gases do processo de decomposição, subiram à superfície. Segundo o Ministério do Meio Ambiente e da Agricultura, os bichos estavam enterrados entre 1,5m e 2m. A rede de televisão pública DR, porém, informa que a profundidade era de 1m.
Além disso, as covas foram cavadas a 200m de um lago, ou seja, 100m a menos do que o recomendado, levantando também preocupações sobre problemas de poluição da água por fósforo e nitrogênio. Autoridades de saúde do país prometeram resolver o caso, que gerou indignação. “O Estado brinca com a nossa natureza e a usa como um aterro sanitário”, lamentou Leif Brogger, um conselheiro municipal de Holstebro citado pelo jornal Jyllands-Posten.
Mutação
O órgão de saúde dinamarquesa, Statens Serum Institut (SSI), identificou uma cepa específica do Sars-CoV-2 em visons criados em fazendas. Posteriormente, a cluster 5 foi detectada em humanos com covid-19. Essa cepa tem uma mutação que pode reduzir a resposta imune da pessoa infectada e, dessa forma, comprometer a eficácia das futuras vacinas, acreditam especialistas. Desde a morte dos animais, nenhum novo caso com a cepa foi detectado, e a Dinamarca passou a considerar que ela está “provavelmente extinta”.
Os pequenos mamíferos são os únicos animais conhecidos, até o momento, que podem ser infectados pelo novo coronavírus e, depois, transmiti-lo para humanos. Infecções em visons também foram detectadas em fazendas da Holanda, dos Estados Unidos, da Itália, da Espanha, da Suécia e da França.

15 milhões
Quantidade de visons que o governo dinamarquês planejou sacrificar na tentativa de conter o avanço do novo coronavírus no país

 

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