Resultados falsos-negativos ou falsos-positivos são um risco quando se trata de uma doença altamente contagiosa e que pode evoluir para casos graves, se não tratada precocemente, como a covid-19. Para evitar que isso ocorra, pesquisadores da Universidade da Califórnia, em São Francisco (UCSF) e do Chan Zuckerberg Biohub desenvolveram um novo teste, que pode ser realizado simultaneamente e no mesmo swab que o PCR, o exame detector do Sars-CoV-2. Em vez de rastrear o vírus, a abordagem busca marcadores da enfermidade no próprio sistema imunológico do paciente.
De acordo com os autores do estudo, publicado na revista Nature Communications, além de evitar que se cometam erros no diagnóstico, o desenvolvimento do teste levou-os a uma descoberta. Os padrões de expressão gênica observados nos pacientes com a covid-19 que participaram do estudo indicam que, diferentemente de outros vírus respiratórios, o Sars-CoV-2 pode suprimir reações imunológicas nos estágios iniciais da infecção, preparando o terreno para o vírus se espalhar antes de os pacientes desenvolver sintomas.
“A resposta imunológica a infecções respiratórias é amplamente responsável por sintomas como febre, congestão nasal e tosse, que podem encorajar alguém a se isolar e fazer o teste”, diz Chaz Langelier, MD, PhD, professor assistente na Divisão de Doenças Infecciosas do Departamento de Medicina da UCSF e um dos líderes do estudo. “Como as pessoas com covid-19 são mais infecciosas no início da doença, essa resposta imunológica suprimida nos primeiros estágios torna mais provável que os indivíduos infectem outros antes de perceberem que estão doentes.”
Precisão
Embora a nova abordagem de teste analise moléculas completamente diferentes — da pessoa infectada, em vez do vírus —, ela pode ser implementada usando a mesma tecnologia de PCR nas mesmas amostras de cotonete nasal. “Ela pode ser usada em um teste autônomo ou mesmo combinado com o PCR padrão. Combinar as tecnologias pode diminuir as chances de resultados falso-negativos ou falso-positivos”, destaca Langelier.
Ele explica que os cientistas da UCSF criaram três versões de prova de conceito do novo teste — uma baseada em leituras de atividade genética de três genes principais, outra em leituras de 10 genes e, por fim, a que teve base em 27 genes. A terceira foi a que se mostrou eficaz, detectando com maior precisão a doença em casos clinicamente confirmados.
“Prevemos o uso dessa abordagem para sinalizar testes de PCR viral falso-negativos, nos quais a detecção viral direta falha, e para descartar resultados falso-positivos, que podem surgir de contaminação cruzada entre amostras em laboratórios de teste”, diz Langelier. “Os falsos positivos tornam-se um desafio crescente ao realizar testes de rotina em pessoas sem sintomas, em populações com relativamente poucos casos. Mesmo a adição de apenas alguns genes aos testes de detecção de vírus usados atualmente pode melhorar muito a precisão do diagnóstico”, afirma.
Metagenômica
Para determinar quais mudanças na atividade do gene estavam associadas à infecção por Sars-CoV-2, os pesquisadores primeiro pesquisaram todo o material genético em amostras de swabs do trato respiratório superior e, assim, identificaram os indicadores mais importantes e preditivos. “Usamos uma abordagem ‘metagenômica’ — de cada amostra, sequenciamos todas as informações genéticas, tanto do paciente quanto de quaisquer micróbios presentes”, conta Eran Mick, cientista de bioinformática da UCSF e do CZ Biohub. “Nós olhamos os micro-organismos e a expressão do gene humano, medida pelos níveis de RNA que foram transcritos de genes ativados.”
Os pesquisadores examinaram amostras de pacientes com sintomas respiratórios que foram testados para covid-19. Os testes mostraram que muitos deles tinham, de fato, a doença, mas alguns estavam infectados com vírus respiratórios mais comuns (como a gripe) ou sofrendo de enfermidades não virais. “Em amostras de pacientes com covid-19, esperávamos inicialmente encontrar uma grande ativação de genes que conduzem as vias pró-inflamatórias, dado o quão horrível sabemos que esse vírus pode ser”, diz Mick. “Ficamos surpresos que acabou sendo o oposto. Algumas vias inflamatórias que foram ativadas por outros vírus não foram, de fato, ativadas na covid-19.”
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Padrão de obstrução da resposta imunológica
Com algoritmos de computador e uma grande quantidade de processamento de dados numéricos, os cientistas da UCSF identificaram um padrão distinto de expressão gênica associado a uma obstrução das respostas imunológicas específicas que ocorrem no início da infecção por Sars-CoV-2. As alterações diferiram daquelas observadas em outras infecções respiratórias virais ou de doenças respiratórias não virais, permitindo um diagnóstico específico da covid-19.
O padrão de expressão do gene imunossupressor que os pesquisadores identificaram na covid-19 pode explicar a natureza furtiva desse vírus altamente transmissível, disseram os pesquisadores, no artigo. Ao contrário do primeiro vírus Sars-CoV, que causou preocupação global e matou centenas de pessoas em 2002 e 2003, o Sars-CoV-2 parece ser mais transmissível antes do início dos sintomas, ou assim que eles surgem pela primeira vez, fazendo com que os indivíduos infectem outras pessoas antes de perceberem que estão doentes. “Concluímos que há um efeito imunossupressor ocorrendo, que impede o desenvolvimento dos sintomas no início da infecção, apesar dos altos níveis de replicação viral”, disse Chaz Langelier. “É uma estratégia brilhante, se você for um vírus.”
No entanto, como já se sabe bem agora, em um subconjunto de pacientes com covid-19, depois que o vírus percorre o trato respiratório e infecta as células nos pulmões, o sistema imunológico eventualmente lança uma resposta excessivamente agressiva, que danifica os próprios tecidos do paciente — a chamada tempestade de citocinas. O tratamento intensivo visa combater essa reação imunológica, muitas vezes letal, mas isso não significa que o tratamento imunossupressor precoce resultaria em melhores resultados.
Alvos
“Nossas descobertas de uma resposta inflamatória diminuída pelo sistema imunológico inato sugerem que os tratamentos que suprimem o sistema imunológico no início da infecção por covid-19 provavelmente não são benéficos”, destaca Langelier. “A comunidade médica já sabe, a partir do estudo Recovery, que a droga esteroide imunossupressora dexametasona beneficia pacientes com doença grave, mas para aqueles com doença leve, houve uma tendência de piores resultados com o tratamento.”
Os pesquisadores da UCSF participam, atualmente, do estudo multicêntrico Comet, de pacientes hospitalizados com covid-19, no qual as amostras são coletadas ao longo do curso da doença e a progressão clínica e os resultados da doença são rastreados. Pode ser que a mudança nos padrões de ativação de genes que afetam o sistema imunológico ajude a prever quais indivíduos têm maior probabilidade de apresentar doenças graves como resultado da infecção por covid-19. A pesquisa também pode levar à identificação de novos alvos para o tratamento e novas estratégias terapêuticas, argumentam os cientistas. (PO)