Coronavírus

Desacreditado pela OMS, Remdesvir volta a ser foco de estudos

Protocolo testado é diferente do de estudos anteriores e, segundo cientistas britânicos, pode ser uma estratégia eficiente de combate à pandemia

Paloma Oliveto
postado em 15/12/2020 06:00
 (crédito: AFP / POOL / Ulrich Perrey)
(crédito: AFP / POOL / Ulrich Perrey)

Desacreditado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), o antiviral remdesvir pode ser “altamente eficaz contra a Sars-CoV-2”, segundo um estudo de caso publicado na revista Nature Communications. O medicamento, desenhado originalmente para combater a hepatite C e, depois, o extremamente letal ebola, foi considerado uma grande esperança contra a covid-19 no início da pandemia, mas resultados de estudos científicos inconclusivos levaram a OMS a anunciar, em outubro, que a droga não reduzia significativamente as taxas de mortalidade.

Contudo, baseados na resposta obtida por um paciente que, além da covid-19, tem uma rara doença imunológica, pesquisadores da Universidade de Cambridge dizem, agora, que constataram a eficácia do remdesvir usando uma abordagem diferente das testadas anteriormente. De acordo com eles, o medicamento foi capaz de induzir “uma melhora dramática nos sintomas do paciente e o desaparecimento do vírus”.

O paciente em questão é um homem de 31 anos, com uma complicada situação imunológica: ele sofre de doença de Bruton, ou XLA, uma anomalia genética caracterizada pela incapacidade de produção de anticorpos. Seu organismo, portanto, não consegue combater infecções. Os primeiros sintomas da covid-19 foram febre, tosse, náuseas e vômito. Passados 19 dias, ele testou positivo. No 30º dia desde o aparecimento dos sinais, o homem foi internado no hospital da Universidade de Cambridge e precisou de suporte de oxigênio.

Embora a febre e a inflamação pulmonar não tenham cedido durante 30 dias subsequentes, o quadro não se agravou, o que pode ser explicado justamente pela não produção de anticorpos. A covid-19 torna-se severa quando há uma resposta imunológica exagerada do organismo, o que desencadeia a chamada “tempestade de citocinas”.

O tratamento inicial, com hidroxicloroquina e azitromicina, não surtiu efeito, e foi interrompido no 34° dia. A opção foi tentar o remdesvir, administrado por 10 dias. Segundo o estudo, em 36 horas, houve melhora da febre e da falta de ar. A saturação evoluiu, e a suplementação de oxigênio pôde ser retirada.

“A resposta clínica substancial foi acompanhada por uma diminuição progressiva nos níveis de proteína C reativa (CRP), uma substância produzida pelo fígado em resposta à inflamação”, destaca James Thaventhiran, da Unidade de Toxicologia da Universidade de Cambridge e um dos autores do estudo. “Concomitantemente, observamos um aumento no número de linfócitos, importantes células do sistema imunológico. Os exames de imagem do tórax mostraram que a inflamação pulmonar estava desaparecendo”, narra.

O paciente recebeu alta, porém, uma semana depois, voltou ao hospital com os mesmos sintomas do início. A inflamação dos pulmões aumentou, os linfócitos caíram e o Sars-CoV-2 ainda estava ativo. Os médicos voltaram com o remdesvir por mais 10 dias. Novamente, os sintomas melhoraram e as taxas metabólicas estabilizaram. Para complementar o tratamento, a equipe injetou plasma convalescente — o sangue de pessoas que tiveram a doença e se curaram — por duas vezes. O homem recebeu alta e não adoeceu mais da covid-19.

“A condição incomum de nosso paciente nos deu uma visão rara da eficácia do remdesvir como tratamento para a infecção por coronavírus”, disse, em nota, Nicholas Matheson, pesquisador do Instituto de Imunologia Terapêutica e Doenças Infecciosas de Cambridge, e coautor do estudo. “Nas duas vezes, a resposta dramática do vírus à droga sugere que ele pode ser um tratamento altamente eficaz, pelo menos para alguns pacientes.”

Terapia individuais

Os autores destacam que o remdesvir, provavelmente, é mais benéfico no início da infecção, antes que o Sars-CoV-2 desencadeie a tempestade de citocinas. Além disso, eles afirmam que a experiência com o paciente incapaz de produzir anticorpos demonstra o paradoxo da atuação dessas proteínas nas infecções. “A falta de anticorpos pode ter evitado que a covid-19 se tornasse uma ameaça à vida porque ele (o paciente) não tinha anticorpos para desencadear uma resposta imunológica prejudicial”, diz James Thaventhiran.

“Tudo isso sugere que os tratamentos precisarão ser adaptados para pacientes individuais, dependendo de sua condição subjacente — por exemplo, se é o vírus que está causando os sintomas ou a resposta imune”, escreveram os autores. “O monitoramento viral estendido em nosso estudo foi clinicamente necessário porque em abril de 2020 não sabíamos se esse medicamento seria eficaz. A adoção dessa abordagem mais amplamente poderia esclarecer ainda mais a melhor forma de usar o remdesvir para benefício clínico”, concluíram.

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Variante parece se espalhar mais rápido

O secretário de saúde do Reino Unido, Matt Hancock, disse ontem, no Parlamento britânico, que o país identificou mil casos de uma nova variante da covid-19 que, de acordo com ele, pode estar associada à disseminação mais veloz do vírus no sudeste da Inglaterra. “A análise inicial sugere que essa variante está crescendo mais rápido do que as preexistentes”, afirmou. Até hoje, foram identificadas dezenas de cepas do Sars-CoV-2, mas nenhuma se mostrou potencialmente mais perigosa que as outras, segundo estudos científicos.

“Variantes semelhantes foram identificadas em outros países nos últimos meses. Notificamos a Organização Mundial da Saúde sobre essa nova variante”, destacou Hancock. “Mas devo enfatizar que, atualmente, não há nada que sugira que essa variante tenha maior probabilidade de causar doenças graves, e o conhecimento científico mais recente é o de que é altamente improvável que essa mutação impeça a resposta de uma vacina”, ressaltou.

Variantes de um micro-organismo surgem quando se acumulam mutações genéticas — algo bastante comum entre vírus. Até agora, o número de mudanças no RNA do Sars-CoV-2 mostrou-se inferior ao de outros patógenos da categoria, como influenza e HIV.

Alerta

Para Simon Clarke, professor de microbiologia celular da Universidade de Reading, no Reino Unido, o anúncio pode ser preocupante. “O secretário de Saúde vinculou a descoberta de uma mutação na proteína spike do vírus ao aumento da transmissão (...) Embora ele afirme que não há ‘nada que sugira’ que essa variante causará doenças mais sérias, se ela se espalhar mais rapidamente do que as outras versões, infectando mais pessoas, pode acabar tendo um impacto maior na saúde humana”, considera.

Já Zania Stamataki, imunologista viral da Universidade de Birmingham, também no Reino Unido, não vê motivo para preocupação. “O surgimento de diferentes cepas de coronavírus um ano depois que o Sars-CoV-2 saltou para os humanos não é motivo para pânico nem é algo inesperado. As mutações se acumulam e levam a novas variantes do vírus, empurradas pelo nosso sistema imunológico”, esclarece. “Esse vírus não sofre mutações tão rápido quanto a gripe e, embora precisemos mantê-lo sob vigilância, não será uma grande tarefa atualizar as novas vacinas, quando necessário.” 

Eficácia da Sputnik V cai para 91%

 (crédito: Kirill Kudryavtsev/AFP - 5/12/20)
crédito: Kirill Kudryavtsev/AFP - 5/12/20

O Centro Nacional de Epidemiologia e Microbiologia Gamaleya, de Moscou, anunciou que a vacina Sputnik V, que desenvolveu contra o Sars-CoV-2, é 91,4% eficaz. Em um comunicado à imprensa, o órgão informou que os dados foram obtidos 21 dias depois que os voluntários receberam a primeira dose da vacina dupla. O percentual é menor do que a eficácia relatada anteriormente, de 96,2%.

Para casos graves, a eficácia da vacina foi 100%, destacou o Gamaleya. “Houve 20 casos graves de infecção por coronavírus no grupo do placebo e nenhum caso grave no grupo da vacina”, disse o Gamaleya. Os dados obtidos na última fase de estudos serão publicados “em um futuro próximo, em uma revista médica internacional líder com revisão por pares”, segundo o centro de pesquisas. A eficácia reportada ontem se refere a 22.714 participantes do ensaio.

O comunicado acrescentou que os desenvolvedores da vacina usarão esses dados para obter o registro acelerado da substância em outros países. “Acredito que seremos capazes de vacinar a maioria da população da Rússia em 2021”, disse o diretor do Instituto Gamaleya, Alexander Gintsburg, citado no comunicado

Os ensaios de fase 3 da vacina baseada em vetores de adenovírus envolverão 40 mil voluntários em Moscou. Cerca de 26 mil já foram vacinados na Rússia para os testes da última etapa de estudos, sem “efeito adverso imprevisto documentado”, segundo o Fundo Russo de Investimento Direto, que está financiando o desenvolvimento do Sputnik V.

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