"Se deixarmos o vírus continuar circulando livremente, damos muita chance para ele se adaptar melhor à transmissão nos humanos", diz à BBC News Brasil Tulio de Oliveira, o brasileiro por trás da descoberta de uma nova mutação "mais transmissível" do coronavírus que vem causando preocupação ao redor do mundo.
Oliveira é diretor do laboratório Krisp, na escola de Medicina Nelson Mandela, na Universidade KwaZulu-Natal, em Durban, na África do Sul, onde vive desde 1997. Ele chefiou a equipe que descobriu a nova variante do coronavirus no país e compartilhou os dados com a Organização Mundial de Saúde (OMS), o que, por sua vez, permitiu ao Reino Unido descobrir a sua própria variante.
As duas variantes são mais transmissíveis do que a original, mas, por enquanto, não se sabe se são mais letais, assinala Oliveira.
Elas compartilham algumas semelhanças, mas evoluíram separadamente. Ambas têm uma mutação — chamada N501Y — localizada em uma parte crucial do vírus, usada para infectar as células do corpo humano.
Na África do Sul, a nova variante identificada por Oliveira e sua equipe estaria por trás da segunda onda da pandemia no país. Ela se espalhou rapidamente e se tornou a forma dominante do vírus em algumas partes do território, o que resultou na saturação do sistema de saúde.
Já a variante do Reino Unido, também mais contagiosa, se disseminou pelo sudeste da Inglaterra, gerando novas restrições e quarentenas para a população local.
Segundo o secretário da Saúde (equivalente a ministro) britânico, Matt Hancock, essa mutação está "fora de controle".
Na quarta-feira (23/12), o governo brasileiro decidiu proibir temporariamente voos internacionais que tenham origem ou passagem pelo Reino Unido, na esteira do que mais de 40 países já tinham feito.
A proibição começa a valer nesta sexta-feira (25/12).
No início da semana, o governo havia decidido manter os voos, mas informou que acompanhava a situação.
Confira abaixo os principais trechos da entrevista com Oliveira.
BBC News Brasil - Em que consiste essa nova variante? Há motivo para pânico?
Tulio de Oliveira - Na África do Sul, descobrimos uma variante que parece estar expandindo as infecções muito mais rapidamente. Descobrimos essa variante em Nelson Mandela Bay, uma das regiões mais turísticas da África do Sul. Essa variante expandiu rapidamente para a Cidade do Cabo e para Durban.
Quando sequenciamos o código genético, descobrimos que ela tinha muitas mutações, principalmente na proteína spike, a proteína do vírus que vai no receptor humano para entrar dentro das células humanas.
Algumas das mutações nessa proteína ocorreram na posição 501, em um aminoácido chamado tirosina.
Essa mutação também foi achada numa cepa completamente diferente no Reino Unido, mas que tem uma mutação [em comum] entre elas. E é exatamente essa mutação que achamos estar relacionada a uma maior transmissibilidade do vírus.
Até o momento, a maior causa do perigo é que, como as transmissões são mais rápidas, nossos hospitais estão completamente saturados com pacientes que necessitam de cuidados intensivos. Então, no momento, não conseguimos receber mais pacientes nos hospitais.
Tanto nós quanto os britânicos achamos que potencialmente essas duas variantes não são mais letais, mas estão afetando muito os hospitais do Reino Unido e da África do Sul.
BBC News Brasil - Qual seria a sua recomendação para os brasileiros, de forma a evitar que essa mutação circule?
Oliveira - Primeiro, não sabemos se a mesma variante já está no Brasil. Principalmente porque a parte genômica do Brasil não é tão forte quanto na África do Sul e do Reino Unido.
Por isso, não nos causará surpresa se vários países no mundo, ao passarem a sequenciar mais os genomas de suas cepas, achem vírus mais adaptados à transmissão.
Segundo, o Brasil nunca chegou a controlar a pandemia de covid-19 e, então, a chance de se ter outra cepa desenvolvida no Brasil ou importada é alta.
Para o Brasil, seria importante controlar a pandemia, ter certeza de que há leitos nos hospitais e tentar diminuir o número de pessoas que estão morrendo dessa doença.
BBC News Brasil - Ou seja, uma vez que o Brasil não é forte em sequenciamento genético do vírus, não sabemos se essa mutação já chegou ao Brasil, ou se qualquer outra mutação já chegou ao Brasil, ou mesmo se há mutações do próprio vírus que ainda não tenham sido descobertas em outras partes do mundo…
Oliveira - É exatamente isso. A principal mensagem é que, se deixarmos esse vírus circulando em nível médio ou alto, damos muita chance para o vírus se adaptar melhor à transmissão nos humanos.
Então, minha sugestão para o Brasil — e trabalhamos muito com a Fiocruz [que divulgou em junho novo protocolo de sequenciamento, usado pelos cientistas que estão fazendo a vigilância genética no país], o Ministério da Saúde, a Universidade Federal de Minas Gerais — é aumentar a parte de sequenciamento do vírus para tentar entender melhor quais são as linhagens circulantes e tentar detectar ora uma linhagem que circule muito mais rapidamente ou uma introdução externa de uma linhagem que tenda a circular e causar mais infecções.
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