SAÚDE

Fetos não pegam covid de mães infectadas, mas herdam menos defesa, diz Harvard

Pesquisadores da Universidade de Harvard, nos EUA, constatam que gestantes diagnosticadas com covid-19 não transmitiram o Sars-CoV-2 para os fetos. Entretanto, os recém-nascidos herdam baixas quantidades de células de defesa de mães infectadas

Vilhena Soares
postado em 29/12/2020 06:00
 (crédito: AFP / Martin BUREAU)
(crédito: AFP / Martin BUREAU)

Apesar de a comunidade científica ter dedicado praticamente o ano inteiro a entender o novo coronavírus, essa enfermidade ainda não é bem compreendida por especialistas. Para ajudar na difícil tarefa de decifrar as características do Sars-CoV-2 e suas consequências, um grupo de pesquisadores americanos investiu no estudo sobre o impacto da covid-19 na gravidez. Em análises feitas com mais de 100 gestantes, cientistas da Universidade de Harvard observaram que as mulheres contaminadas não transmitiram o patógeno para o feto. Porém, também constataram que a transferência de anticorpos protetores, que é feita por meio da placenta, é menor do que era esperado.

As descobertas foram publicadas na última edição da revista especializada Jama e podem contribuir para o desenvolvimento de estratégias de vacinação mais eficazes para as gestantes. Autoridades de saúde de vários países têm encarado com reservas o uso de vacina nas grávidas. A Agência de Medicamentos Europeia (EMA), por exemplo, ao autorizar o imunizante do consórcio Pfizer/BioNTech, recomendou que deve haver uma avaliação caso a caso.

Os pesquisadores já desconfiavam que grávidas infectadas com novo coronavírus não o transmitem aos fetos, mas decidiram realizar investigações mais apuradas para entender melhor o comportamento do vírus no organismo delas. “Imaginávamos que o vírus Sars-CoV-2 não teria força o suficiente para chegar até a criança, principalmente devido à proteção da placenta. Porém, sabemos muito pouco sobre a resposta imune a esse patógeno nesse grupo de pacientes”, destacaram os cientistas no artigo.

No estudo, os investigadores acompanharam 127 grávidas, todas no terceiro trimestre de gestação, que receberam atendimento em três hospitais da cidade de Boston, entre 2 de abril e 13 de junho. Entre as 64 com teste positivo para a covid-19, os cientistas não encontraram vírus no sangue materno ou no cordão umbilical, apesar da detecção do patógeno no sistema respiratório das mulheres. Também não foram registrados sinais do agente infeccioso nas placentas.

“Suspeitamos que a transmissão para o feto é bloqueada devido à ausência de vírus no sangue das mães, mas, também, porque as principais moléculas usadas por esse agente infeccioso, para entrar nas células (receptor ACE2 e enzima TMPRSS2) ,não estão presentes na placenta”, destacou, em um comunicado à imprensa, Andrea Edlow, professora-assistente de Obstetrícia, Ginecologia e Biologia Reprodutiva na Universidade de Harvard, e principal autora do estudo.

Anticorpos

Na segunda parte da pesquisa, os cientistas focaram na transferência de anticorpos que agem contra o novo coronavírus das mães para os bebês. Eles se surpreenderam ao constatar números mais baixos do que seria considerado normal.

Os cientistas também compararam a quantidade de células de defesa do Sars-CoV-2 transferida aos fetos com as taxas de anticorpos da gripe (influenza), e coqueluche. “As células protetoras específicas para esses dois vírus, que foram herdadas pelos bebês, atingiram índices relativamente normais. Já as do novo coronavírus foram significativamente menores, além de terem se mostrado menos funcionais do que os anticorpos contra a gripe”, detalhou Edlow.

Os cientistas explicaram ainda que a transferência transplacentária de anticorpos para o feto é tipicamente mais alta no terceiro trimestre, o que surpreendeu ainda mais o grupo. Edlow revelou que essa redução pode ter ocorrido devido a alterações em ligações de carboidratos (glicosilação) presentes nos anticorpos do Sars-CoV-2, que não foram vistas nas células de proteção da influenza e da coqueluche.

“Essa alteração pode fazer com que essas moléculas fiquem ‘presas’ na circulação materna, em vez de serem transferidas pela placenta por meio de receptores de anticorpos placentários”, acrescentou a principal autora do estudo.

Imunização

Na avaliação de José Gomes Moura, médico ginecologista do Hospital Anchieta, em Brasília, os dados vistos no trabalho contribuem para um melhor entendimento do comportamento do novo coronavírus em gestantes, o que pode ajudar a lidar melhor com a enfermidade no futuro. “Estamos todos os dias antenados com essas novidades relacionadas à covid. A cada hora, temos mais uma contribuição importante, como as fornecidas por esse estudo. Essa pesquisa, agora, deixa bem claro que temos uma baixa transmissão de anticorpos durante o terceiro trimestre. Precisamos ficar atentos a isso, pois, até agora, achávamos que a proteção dos bebês a essa enfermidade era maior”, frisou.

Para Moura, os estudos devem prosseguir para, por exemplo, verificar os possíveis motivos dessa limitação. “A pesquisa fala dessas falhas nas ligações de carboidratos como uma possível causa, mas é necessário ter certeza quanto a isso. São dados importantes que precisam ser considerados em pesquisas futuras”, completou.

Os pesquisadores de Harvard estão certos de que os resultados da pesquisa poderão impactar no desenvolvimento de estratégias de vacinação. “Precisamos de imunizantes para gestantes que sejam capazes de trabalhar com esse padrão distinto de glicosilação. Será a medida ideal para gerar uma maior proteção aos recém-nascidos”, defendeu Andrea Edlow. “Nossas descobertas também levantam questões sobre o momento ideal de administração da vacina”, assinalou Edlow.

O ginecologista brasileiro concorda. Para Moura, os dados do estudo americano precisam ser levados em consideração para traçar campanhas de imunização de gestantes. “Com essas informações, temos argumentos que justificam ainda mais a necessidade de vacinar grávidas e também qual é o melhor momento. Possivelmente, durante o terceiro trimestre de gestação, o mesmo período em que os pesquisadores observaram essas alterações”, opinou. “Só com o tempo teremos respostas mais sólidas e seguras”, reconheceu.

Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.

OMS alerta para novas pandemias

 (crédito: D.Sinova/AFP)
crédito: D.Sinova/AFP


Em meio à segunda onda da covid-19, a Organização Mundial da Saúde (OMS) alertou, ontem, que os países devem se preparar para outras pandemias ainda piores. “É apenas um sinal de alarme”, alertou Michael Ryan, diretor de Emergências da agência internacional, durante a última coletiva de imprensa do ano sobre a pandemia do novo coronavírus, responsável por mais de 1,7 milhão de mortes em todo o mundo.

“Essa pandemia tem sido muito difícil. Circulou muito rapidamente e afetou todos os cantos do planeta, mas não necessariamente foi a pior”, advertiu Ryan. O diretor da OMS ressaltou que o novo coronavírus tem uma transmissibilidade muito alta, e pode ser letal, mas ressalvou que “seus níveis de mortalidade são relativamente baixos em comparação com outras doenças emergentes”.

O epidemiologista Bruce Aylward, também membro da agência de saúde das Nações Unidas, apoiou a tese ao afirmar que, apesar dos avanços científicos no combate à covid-19, como o desenvolvimento de vacinas em tempo recorde, a humanidade ainda está muito despreparada para a ameaça de futuras pandemias.

“Estamos na segunda e terceira ondas do vírus e ainda não somos capazes de controlá-lo”, lamentou Aylward, ao lado de Ryan. “Embora estejamos mais bem organizados, os avanços ainda não são suficientes para a atual (pandemia) e menos ainda para as futuras”, acrescentou o especialista.

Enquanto isso, a vacinação para a covid-19 avança em vários países, embora enfrente problemas de logística em alguns deles, causados, sobretudo, pelas exigências de armazenamento das doses. A empresa americana Pfizer anunciou que entregaria, com um pequeno atraso, carregamentos de seu imunizante — desenvolvimento em parceria com a alemã BioNTech — para oito países europeus, previstos, inicialmente, para ontem.

A farmacêutica informou às autoridades europeias que as encomendas vão chegar hoje ao destino. “A Pfizer foi informada por sua fábrica em Puurs (Bélgica) sobre atrasos nos embarques para outros países, inclusive Espanha, devido a um problema com o processo de carregamento e embarque”, afirmou o Ministério da Saúde espanhol, em comunicado.

Madri anunciou que fará um cadastro com os dados das pessoas que se recusam a ser vacinadas contra a covid e que o compartilhará com outros países da União Europeia — as informações não serão divulgadas. “Não é um documento a ser tornado público e será feito com o maior respeito pela proteção de dados”, declarou, em uma entrevista à emissora de televisão La Sexta, Salvador Illa, ministro da Saúde do país europeu. Os espanhóis não serão obrigados a receber as doses contra o novo coronavírus.

 

 

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação