Corona vírus

OMS preocupada com o "nacionalismo vacinal"

Acordos bilaterais firmados entre países ricos e fabricantes das fórmulas prejudicam a imunização igualitária da população, segundo a agência da ONU. A entidade defende que seja priorizado o programa de distribuição equitativa de imunizantes

Correio Braziliense
postado em 08/01/2021 19:47
 (crédito: AFP)
(crédito: AFP)

Os acordos cada vez mais numerosos entre países ricos e laboratórios que desenvolvem vacinas da covid-19 podem, além de deixar centenas de milhões de pessoas às margens da imunização, facilitar a propagação do novo coronavírus. O alerta foi feito ontem pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que tenta sensibilizar os países mais ricos para não promoverem ainda mais “o nacionalismo vacinal”.

“O nacionalismo vacinal fere a todos nós e é contraproducente. Por outro lado, a vacinação salva vidas de forma igualitária, estabiliza os sistemas de saúde e levaria a uma recuperação econômica verdadeiramente global”, enfatizou o diretor-geral da agência, Tedros Adhanom Ghebreyesus. A declaração foi feita no mesmo dia em que a Europa dobrou os pedidos de compra de vacina para as empresas farmacêuticas Pfizer/BioNTech, de 300 milhões para 600 milhões de doses.

Tedros defendeu que os fabricantes deem prioridade ao programa Covax, criado pela agência para garantir a distribuição equitativa dos imunizantes contra o Sars-CoV-2, e que os países respeitem esse mecanismo, que, segundo ele, também é uma forma de não estimular o aumento do preço das fórmulas. “No início, os países ricos compraram a maior parte do suprimento de várias vacinas. Agora, também estamos vendo países de renda alta e média, que fazem parte da Covax, fazendo acordos bilaterais adicionais. Isso, potencialmente, aumenta o preço para todos e significa que as pessoas de alto risco nos países mais pobres e marginalizados não vão receber a vacina”, justificou.

Segundo a agência, 42 países iniciaram programas de vacinação, sendo 36 considerados de alta renda e seis, de renda média. Dessa forma, “está claro” para a OMS que as populações de menor poder aquisitivo e a maioria das nações de renda média ainda não receberam fórmulas imunizantes, enquanto alguns mais abastados acumulam doses além da sua população. Para Tedros Ghebreyesus, as regras de prioridade na proteção deveriam ser respeitadas globalmente. “Nenhum país é excepcional e deve cortar a fila e vacinar toda a sua população enquanto alguns permanecem sem fornecimento da vacina”, afirmou.

Às nações com doses extras de imunizantes, o diretor fez o pedido para que as “doem imediatamente ao Covax, que está preparado para distribuí-las igualmente a partir de hoje”. A meta da agência é fornecer vacinas a 20% da população dos países participantes do Covax antes do fim deste ano, sendo que os primeiros carregamentos devem ser enviados neste mês.

Mutações

Também serve de incentivo para a distribuição mais igualitária das vacinas a possibilidade de reduzir as chances de novas cepas do coronavírus, segundo a OMS. Quanto mais pessoas com perfis diversos forem protegidas, menos o Sars-CoV-2 se multiplica e, consequentemente, sofre mutação. “As variantes atuais mostram que o vírus está fazendo o possível para se tornar mais adequado à circulação contínua dentro da população humana. Isso é normal para todos os vírus, mas, no momento, estamos ajudando-os a prosperar se não reduzirmos a transmissão e vacinarmos de forma equitativa”, alertou Tedros.

Ao menos 25 países registraram cepas do Sars-CoV-2 que parecem ser mais infecciosas. A maioria deles está na Europa, mas há casos também na América Latina. Ontem, por exemplo, o Peru confirmou o primeiro registro da cepa identificada inicialmente no Reino Unido. O governo brasileiro confirmou, na segunda-feira, a ocorrência de dois casos em São Paulo.

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Efeito da vacina em seis meses

A agência das Nações Unidas também fez um alerta quanto aos efeitos das campanhas de imunização sobre as curvas de infecção pelo novo coronavírus. Segundo Bruce Aylward, consultor sênior da Organização Mundial da Saúde (OMS), esses resultados não serão sentidos imediatamente. “A vacina salvará vidas de pessoas mais vulneráveis, mas vai demorar ao menos seis meses para diminuir a transmissão”, prevê.

Por isso, a OMS segue recomendando que as pessoas não abram mão dos cuidados para reduzir os riscos de transmissão do Sars-CoV-2, como o respeito ao distanciamento social e as medidas de higiene. Diretor-geral da agência, Tedros Adhanom Ghebreyesus lamentou que tenha aumentado, nas últimas semanas, o número de pessoas desrespeitando essas recomendações. Segundo ele, o mundo vive um “momento muito perigoso no curso da pandemia” e há o risco de as “pessoas se tornarem complacentes quando as vacinas começarem a ser distribuídas” de forma mais generalizada.

“Nos últimos dias, vimos alguns dos maiores números de mortes registrados em qualquer ponto da pandemia. Isso ocorre porque, nas semanas anteriores, houve um descumprimento do que as autoridades de saúde vêm aconselhando em vários países. O vírus aproveitou-se disso e está se espalhando a taxas alarmantes em alguns países. Você pode pensar que não acontecerá com você e que não precisa cumprir as medidas. O problema é que, antes que você perceba, não obedecer um pouco se torna um hábito, as pessoas que você conhece imitam o comportamento e todo o sistema quebra”, alertou.

A disseminação de uma cepa mais infecciosa do Sars-CoV-2, detectada inicialmente no Reino Unido, deixa, segundo a OMS, esse cenário ainda mais preocupante. Na última quinta-feira, o diretor da agência na Europa, Hans Kluge, disse que, diante do aumento significativo dos casos de covid-19, é preciso aumentar os esforços na região para conter a pandemia. “Essa é uma situação alarmante, o que significa que, durante um curto período, teremos que fazer mais do que fizemos”, enfatizou. Desde o início da crise sanitária, a Europa registrou ao menos 28 milhões de casos de infecção e mais de 600 mil mortes.

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