Responsável por ao menos 1,9 milhão de mortes no mundo, a pandemia da covid-19 está comprometendo o diagnóstico de doenças que também têm alto nível de letalidade: as cardiovasculares. Um levantamento feito por instituições estadunidenses com dados de 108 países mostra que, ao longo da crise sanitária, a quantidade de procedimentos para a descoberta de complicações como ataque cardíaco e acidente vascular cerebral, o popular derrame, reduziu em média 64%. A taxa de exames até então recorrentes em clínicas e hospitais, como o ecocardiograma, caiu até 78%.
O estudo, segundo os autores, é o primeiro a avaliar o impacto global da pandemia sobre o diagnóstico de doenças cardiovasculares. Segundo eles, a análise dos dados mostra que o impacto cumulativo da crise sanitária deve resultar no retardo da descoberta desse tipo de complicação e também acelerar a morbidade e mortalidade prematura para milhões de pacientes (Leia Para saber mais). “Essas descobertas levantam sérias preocupações quanto aos resultados adversos de longo prazo para a saúde cardiovascular resultantes da diminuição do diagnóstico”, enfatiza, em comunicado, Andrew J. Einstein, pesquisador da Columbia University Irving Medical Center e principal autor do estudo, publicado, ontem, no Journal of American College of Cardiology, o periódico científico do Colégio Americano de Cardiologia.
A equipe estudou informações fornecidas por 909 centros de internação e ambulatório que fazem o diagnóstico de doenças cardiovasculares. A análise mostrou que o volume de procedimentos caiu 42% entre março de 2019 e março de 2020, mês em que a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a pandemia da covid-19. Entre março de 2019 e abril de 2020, a queda foi de, em média, 64%.
Quanto aos exames, o maior impacto, de 78%, ocorreu sobre os testes de estresse, também chamados de testes de esforço. A queda do ecocardiograma comum foi de 59% e a da angiograjfia coronária, que é um procedimento invasivo, de 55%. Segundo os autores do artigo, há diferenças regionais nos procedimentos. “Por exemplo, na China, os volumes de ecocardiografia diminuíram consideravelmente menos do que na América do Norte, embora a redução nos volumes da angiografia coronária invasiva tenha sido semelhante”, escreveram.
A análise também permitiu um recorte econômico dos dados, o que revelou que os países de renda baixa e média-baixa podem ser ainda mais atingidos pelos efeitos indiretos da pandemia. De acordo com a pesquisa, pode haver uma redução adicional de 22% nos procedimentos cardíacos. “São necessários esforços para melhorar o acesso oportuno dos pacientes ao diagnóstico cardiovascular nesta e em futuras pandemias, particularmente em países de baixa e média renda”, defende, em comunicado, Andrew J. Einstein.
Segundo os autores, as razões para as diferenças regionais são “complexas e podem incluir diferenças nos sistemas de saúde, nos tipos de respostas à covid-19 e na evolução da pandemia”. Mas a equipe ressalta que, de forma geral, os dados obtidos podem ajudar autoridades de saúde no enfrentamento à atual crise sanitária e em desafios futuros. “Por exemplo, com melhor acesso aos equipamentos de proteção individual (EPIs), melhorias nos protocolos de segurança do paciente e da equipe e experiência, é provável que o acesso a testes cardiovasculares melhore”, apontam. “Observamos que houve um pequeno aumento nos testes diagnósticos na região do Extremo Oriente de março a abril de 2020. Talvez, isso seja reflexo de uma diminuição do efeito da pandemia e das adaptações pelos sistemas de saúde”, ilustram.
Mortes nos EUA
Um outro estudo divulgado na mesma edição do Journal of American College of Cardiology mostra que, nos Estados Unidos, as mortes por doença isquêmica do coração e doenças hipertensivas aumentaram durante a pandemia. Usando dados do National Center for Health Statistics, pesquisadores analisaram as taxas de óbito entre 18 de março de 2020 e 2 de junho de 2020 (durante a crise sanitária) e de 1º de janeiro de 2020 a 17 de março de 2020 (antes da crise) e as compararam com dados dos mesmos períodos em 2019.
Uma das cidades estadunidenses mais afetadas pelo novo coronavírus, Nova York experimentou o maior aumento relativo de mortes devido a doenças isquêmicas do coração (139%) e doenças hipertensivas (164%) na pandemia. A equipe também constatou que, de forma geral, as mortes por doença isquêmica do coração e doenças hipertensivas aumentaram no período. Em contraste, as causadas por insuficiência cardíaca, doenças cerebrovasculares ou outras doenças do sistema circulatório não mudaram nacionalmente.
“Nossos resultados sugerem que a pandemia pode ter causado um impacto indireto em pacientes com doenças cardiovasculares, potencialmente devido à evasão de hospitais por medo da exposição ao vírus, aumento da pressão do sistema de saúde e adiamento de procedimentos e cuidados semieletivos”, avalia, em comunicado, Rishi K. Wadhera, MD, principal autor do estudo, cardiologista do Beth Israel Deaconess Medical Center e professor-assistente da Harvard Medical School. “As autoridades de saúde pública e os legisladores dos EUA devem melhorar as mensagens de saúde pública para incentivar os pacientes com condições agudas a procurar atendimento médico”, complementa.
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OMS: sem imunidade de rebanho em 2021
Apesar dos avanços das campanhas de vacinação contra a covid-19, uma proteção expressiva contra o novo coronavírus ainda está longe. A Organização Mundial da Saúde (OMS) não espera que cheguemos à chamada imunidade de rebanho nos próximos 12 meses. “Não vamos atingir nenhum nível de imunidade populacional ou imunidade coletiva em 2021”, disse, ontem, Soumya Swaminathan, cientista-chefe da OMS.
Em seguida, ela insistiu na necessidade de manter as medidas de higiene e de distanciamento social, bem como o uso de máscara “pelo menos até o fim do ano”. Segundo Swaminathan,“as vacinas chegarão a todos os países”, mas esse é um processo que não será imediato. “Fizemos um progresso incrível. Há um ano, ninguém acreditava que teríamos mais de uma vacina sendo produzida. É uma comprovação sobre a eficiência dos cientistas do mundo, que trabalharam juntos. Mas produzir bilhões de doses demora. Precisamos ser pacientes. Não vamos conseguir proteger as pessoas do planeta inteiro de uma vez”, justificou.
Na semana passada, Bruce Aylward, consultor sênior da agência, já havia alertado que os resultados das imunizações não serão sentidos agora. “A vacina salvará vidas de pessoas mais vulneráveis, mas vai demorar ao menos seis meses para diminuir a transmissão”, previu. No mesmo dia, o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, disse estar preocupado com o risco de “as pessoas se tornarem complacentes quando as vacinas começarem a ser distribuídas” de forma mais generalizada e passarem a desrespeitar as recomendações protetivas.
Na China
Também ontem, a OMS enfatizou que a missão que vai investigar as origens da pandemia na China não tem a intenção de buscar culpados. “Trata-se de encontrar respostas científicas para a interação entre o homem e o animal. É uma necessidade absoluta. O que procuramos são respostas, não culpados ou acusados”, afirmou Michael Ryan, diretor de Questões Emergenciais de saúde da agência.
Pequim divulgou que os integrantes da equipe devem chegar ao país nesta quinta-feira, uma semana após o adiamento da viagem. O grupo é formado por 10 especialistas de diferentes países — Dinamarca, Reino Unido, Holanda, Austrália, Rússia, Vietnã, Alemanha, Estados Unidos, Catar e Japão. A visita é um tema muito sensível ao regime chinês, preocupado em não ser considerado responsável pela crise sanitária.
Principais regiões
A amostra foi bastante diversificada, incluindo países da África (11), da Europa Oriental (22), do Extremo Oriente (oito), da América Latina (19, incluindo o Brasil), do Oriente Médio e sul da Ásia (16), da América do Norte (dois), do sudeste asiático e Pacífico (nove) e da Europa Ocidental (21).