Saúde

Estudos mostram que dieta mediterrânea ainda mais verde é ainda mais saudável

A ideia é tornar a dieta ainda mais verde, cortando de vez a carne vermelha e reduzindo as outras proteínas animais

Paloma Oliveto
postado em 24/01/2021 06:00
 (crédito: ObaHortifruti/Divulgacao)
(crédito: ObaHortifruti/Divulgacao)

Na década de 1950, o nutricionista norte-americano Ancel Keys, da Universidade de Minnesota, ficou intrigado com um fato para o qual, no começo, não encontrava explicação. Ele descobriu que os mais pobres cidadãos de vilarejos do sul italiano eram muito mais saudáveis que os mais ricos nova-iorquinos. Keys desconfiou que a comida estava por trás disso e desenhou um estudo com quase 13 mil homens de sete países — a então Iugoslávia, Finlândia, Itália, Holanda, Grécia, Japão e Estados Unidos — para descobrir a relação entre estilo de vida, nutrição e doença cardiovascular. Pela primeira vez, falou-se, no meio científico, sobre a dieta mediterrânea.


Desde então, esse regime alimentar — que não é uma dieta no sentido popular — já foi alvo de milhares de publicações, que descobriram seus benefícios holísticos. O consumo eventual de carne vermelha e o reduzido de outras proteínas animais aliados à abundância de vegetais, grãos integrais, azeite e, moderadamente, do vinho, estão associados a ganhos que vão do aumento da longevidade à saúde mental. Mas a combinação pode ser ainda mais saudável, mostram dois estudos recentes conduzidos por pesquisadores da Universidade de Ben-Gurion, em Israel.


A ideia é tornar a dieta ainda mais verde, cortando de vez a carne vermelha e reduzindo as outras proteínas animais. Os pesquisadores cunharam o termo green-Med — mediterrânea verde — para descrever a versão do regime alimentar e já publicaram três artigos comparativos sobre ele, sendo dois há poucas semanas. Em todos os casos, a intensificação do consumo vegetal em detrimento dos produtos de origem animal mostrou-se ainda mais benéfica que a dieta mediterrânea tradicional.
Um dos principais pesquisadores do estudo, a professora de nutrição e epidemiologia da Universidade de Ben Gurion Iris Shai, também docente da Faculdade de Medicina T.H. Chan de Harvard, nos EUA, conta que os resultados de levantamentos anteriores do grupo estimularam o interesse pela green-Med. Estudos de longo prazo — como o Cascade, que investigou a demência avançada em idosos moradores de abrigos, o Direct, sobre remissão de diabetes 2, e o Central, que pesquisou a obesidade central (corpo em formato maçã) em uma grande amostra de adolescentes — apontaram para uma mesma direção. “Concluímos, com esses ensaios anteriores, que os polifenóis poderiam ser um dos denominadores comuns de estratégias dietéticas bem-sucedidas”, conta.


Polifenóis são micronutrientes que só existem nas plantas. Eles reduzem o estresse oxidativo e as inflamações — que, por sua vez, são aumentados pelo consumo de carne vermelha. Ao diminuir a oxidação e a inflamação das células, essas substâncias estão associadas a uma série de benefícios à saúde: menor risco de obesidade, câncer, doenças cardiovasculares e neurodegenerativas, entre outros. Por isso, a equipe resolveu testar se o aumento do consumo de vegetais e a eliminação da carne vermelha do cardápio poderiam ser ainda mais saudáveis que a versão tradicional da dieta mediterrânea.

Exercícios físicos


Em um estudo publicado na revista Heart, a equipe relatou que a versão verde da dieta protege mais contra doenças cardiovasculares e síndrome metabólica que a tradicional. Os pesquisadores distribuíram, aleatoriamente, em três grupos dietéticos 294 pessoas sedentárias e moderadamente obesas (IMC de 31) com idade média de 51 anos.


O primeiro grupo recebeu orientações sobre como aumentar a atividade física e dicas básicas sobre alimentação saudável. O segundo aprendeu o mesmo sobre os exercícios, além de receber conselhos sobre como seguir uma dieta mediterrânea tradicional com restrição calórica (de 1.500 a 1.800kcal/dia para homens e de 1.200 a 1.400kcal/dia para mulheres). Esse regime era pobre em carboidratos simples, rico em vegetais, com aves e peixes substituindo a carne vermelha. Incluía também 28 g/dia de nozes.


O terceiro grupo foi orientado a se exercitar e aprendeu a seguir a green-Med: consumo de 28g/dia de nozes, cortar carne vermelha/processada e aumentar as quantidades de vegetais. A dieta também incluiu de três a quatro xícaras por dia de chá-verde e 100g de mankai, cubos congelados de Wolffia globosa, planta aquática rica em proteína, tomada como um shake. Depois de seis meses, avaliou-se o efeito de cada uma das dietas na perda de peso e nos fatores de risco cardiovascular e metabólico.

Colesterol


Os que seguiram ambos os tipos de dieta mediterrânea perderam mais peso: green-Med 6,2kg, mediterrânea 5,4kg e dieta saudável 1,5kg. A circunferência da cintura — um indicador de risco cardiovascular — encolheu em média 8,6cm entre aqueles da dieta verde, em comparação com 6,8cm nos da mediterrânea tradicional e 4,3cm nos seguidores da dieta saudável.


O grupo da versão verde também teve redução maior do “colesterol ruim”: 4%, contra 1% e 0%, respectivamente. Outros marcadores de doenças cardíacas e derrame, como pressão arterial, resistência à insulina e proteína C reativa (indicador de inflamação) também foram menores nos seguidores do regime que cortou a carne vermelha e reduziu ainda mais o consumo de aves.
“Nossas descobertas sugerem que a restrição adicional da ingestão de carne com um aumento paralelo em alimentos ricos em proteínas e polifenóis, à base de plantas, como nozes, chá-verde e mankai, pode beneficiar ainda mais o estado cardiometabólico e reduzir o risco cardiovascular, além dos benefícios conhecidos da dieta mediterrânea tradicional”, diz Gal Tsaban, coautor do estudo.

 

Menos gordura no fígado

Em outro estudo conduzido pela Universidade Ben-Gurion, os cientistas descobriram que a dieta mediterrânea verde reduz a gordura intra-hepática mais do que outros regimes saudáveis e reduz a doença hepática gordurosa não alcoólica pela metade. O artigo foi publicado na revista Gut há duas semanas.


Embora pequenas quantidades de gordura no fígado seja algo normal, o excesso (5% ou mais) leva a resistência à insulina, diabetes tipo 2, risco cardiovascular, diminuição da diversidade do microbioma intestinal e desequilíbrio microbiano. “Abordar essa doença hepática comum por meio de intervenção direcionada ao estilo de vida pode promover uma estratégia nutricional mais eficaz”, diz Anat Yaskolka-Meir, primeiro autor do artigo e professor da Faculdade de Saúde Pública da Universidade israelense.


O estudo, com duração de 18 meses e envolvendo 294 trabalhadores com idade média de 50 anos e obesidade abdominal, seguiu a mesma metodologia da pesquisa sobre saúde cardiovascular e nutrição. Os participantes foram divididos em três grupos, sendo que, em todos, houve orientação sobre a prática de atividades físicas. No primeiro, foi passada uma dieta considerada saudável, no segundo, a mediterrânea tradicional e, no terceiro, a versão verde.


Os resultados mostraram que todas as dietas levaram à redução da gordura do fígado. No entanto, a mediterrânea verde resultou na maior diminuição (-39%), em comparação com a mediterrânea tradicional (-20%) e as orientações dietéticas saudáveis (-12%).


A prevalência da doença hepática caiu de 62% no início do estudo para 31,5% no grupo mediterrâneo verde, 47,9% no grupo mediterrâneo e 54,8% no grupo de regime alimentar saudável. Segundo os pesquisadores, a maior ingestão de mankai e de nozes e a menor ingestão de carne vermelha/processada foram significativamente associadas à extensão da perda da gordura no fígado. (PO)


Quatro perguntas para...

Juliana Moraco, médica pela Faculdade de Medicina de Teresópolis, pós-graduada em Nutrologia e Endocrinologia

 

A dieta mediterrânea tradicional e a versão verde mantêm o peixe, as aves e os laticínios, embora esses dois últimos em quantidades reduzidas. Esses alimentos de origem animal são indispensáveis a uma dieta saudável ?
Da mesma forma que as carnes contêm gordura saturada, o leite e os ovos também, e, por consequência, têm os mesmos riscos que a carne. Você pode estar pensando que poderia faltar proteína ou cálcio caso eliminasse a carne branca e o leite, mas a proteína é facilmente encontrada em um alimento presente todos os dias na nossa mesa: o feijão. As leguminosas são as principais fontes de proteína em uma dieta à base de plantas e incluem todos os tipos de feijões, grão-de-bico, lentilha e soja. Já o cálcio pode ser encontrado principalmente na couve, no gergelim, no tahine (pasta de gergelim) e nos leites vegetais enriquecidos.

Acredita que teria uma grande adesão da dieta mediterrânea no Brasil?
Mudar hábitos pode ser desafiador, mas é sempre possível adaptar-se dentro do possível. Um estilo de vida que prega alimentos mais frescos, vegetais em abundância, estar presente no momento da refeição, entre outros, traz inúmeros benefícios para a saúde e a qualidade de vida e nos impulsiona a adotá-lo. A dica é começar com medidas simples, como se programar para ir à feira, saber quais são as frutas da estação, preparar marmitas para levar e não depender do self-service, desligar o telefone e o computador na hora do almoço e, aos poucos, ao sentir os benefícios para o seu bem-estar e saúde, adicionar novos hábitos.

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