ASTRONOMIA

Corrida espacial volta com força mais de 50 anos após homem chegar à Lua

Motivados por curiosidade e questões políticas, países investem em missões arrojadas, com processos e desfechos inéditos

Durante boa parte da segunda metade do século 20, o espaço esteve dividido entre duas nações. Estados Unidos e a antiga União Soviética protagonizaram uma corrida científica — mas também política — para conquistá-lo. Em 1972, a última missão tripulada para além da órbita terrestre colocou fim àquela era. Os estudos do Universo, claro, jamais pararam. Porém, por muito tempo, nenhum país voltou a demonstrar interesse em fincar a própria bandeira em algum objeto extraterrestre.

A Nasa continuou explorando o espaço, a distância. Lançou sondas que chegaram a todos os planetas, ao Sol, a asteroides e até mesmo ultrapassaram a fronteira do Sistema Solar, caso das Voyage 1 e 2. Mas, em 2019, a agência anunciou a volta das viagens tripuladas ao Cosmos. No aniversário de 50 anos da primeira viagem à Lua, foi detalhado o programa de retorno ao satélite natural para, então, partir com seres humanos a Marte.

Agora, porém, é impossível imaginar uma corrida espacial solitária ou com, no máximo, dois concorrentes. Em 2 de janeiro de 2019, a China tornou-se o terceiro país, atrás dos EUA e do bloco URSS, a pousar uma sonda na Lua. Pela primeira vez, foi divulgada uma foto do lado escuro do satélite, que nunca tinha sido visitado. Recentemente, a Agência Espacial Chinesa voltou a explorar o solo lunar, com um módulo de pesquisa que conseguiu coletar e trazer para a Terra material da superfície do objeto celeste — há 40 anos que isso não acontecia. Embora as missões não sejam tripuladas, elas se configuram o primeiro passo para tanto. O governo chinês já anunciou que pretende mandar astronautas para fora da Terra. Marte faz parte do itinerário.

Da mesma forma, a Índia quer chegar à Lua, a Rússia pretende lançar a própria Estação Espacial, o Japão quer explorar (sem tripulação) um dos satélites de Marte, e os Emirados Árabes lançaram-se rumo ao Planeta Vermelho, na primeira missão espacial árabe. Já a União Europeia trabalha em parceria com a Nasa e deve participar da estação espacial na Lua, em 2024.

Aqui na Terra

Além da evidente curiosidade — o motor da atividade científica —, viagens espaciais trazem benefícios tecnológicos que acabam aplicados no dia a dia dos terráqueos. Talvez, ninguém imagine que as regras de segurança sanitária no processamento de alimentos, por exemplo, surgiu da missão Apollo 11, que levou o homem à Lua pela primeira vez. Para evitar proliferação de micro-organismo na comida dos astronautas, o que poderia contaminar o espaço, a Nasa desenvolveu a chamada Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle, um sistema de segurança alimentar que se tornou padrão no mundo todo.

As viagens de avião tornaram-se muito mais seguras também graças à conquista da Lua. Até então, o controle de voo era manual. As missões Apollo exigiram o desenvolvimento de computadores de bordo. As câmeras dos celulares também são fruto da pesquisa espacial: elas foram criadas, originalmente, no Laboratório de Propulsão a Jato da Nasa para equipar sondas. Luz de LED, tênis de corrida, cobertores térmicos, colchões com espuma, filtro doméstico de água, sistemas de telecomunicações (incluindo os GPS do telefone) e mais uma infinidade de tecnologias só existem hoje por causa das pesquisas espaciais.

Porém, há um terceiro elemento, além da curiosidade científica e das investigações tecnológicas, bem menos benéfico para os habitantes do Planeta Azul. Países investem em missões espaciais também por questões políticas e bélicas. E isso preocupa especialistas. “Os benefícios da pesquisa espacial para as pessoas na Terra são enormes”, concorda Maia Cross, professora das relações internacionais da Universidade de Northwestern, nos EUA. “Cada passo do caminho da exploração espacial foi caracterizado por essa imaginação selvagem, esse pensamento onírico e inovador, e há uma sensação de que isso faz parte do que é ser humano —forçar os limites do que você pode fazer. O perigo é quando sentimos que temos que usar uma arma ou irmos sozinhos ao espaço”, destaca Cross, cuja linha de pesquisa foca na colaboração internacional que se seguiu à corrida espacial da guerra fria.

Regulação

Ela destaca que existe também uma má interpretação das pesquisas espaciais de um país por parte dos outros. Em 2007, a China lançou uma arma para destruir um de seus satélites, o que causou um alvoroço internacional. “No fim de março de 2019, o governo indiano lançou um míssil antissatélite que atingiu e destruiu um de seus satélites também. Como o lançamento chinês mais de uma década antes, a mudança alarmou outros países”, diz Cross. “Todos os atores envolvidos encontram-se em uma corrida para alcançar a superioridade ou o domínio, e são tão movidos pelo pânico que, antes que você perceba, todos estão armados até os dentes.”

Editora-chefe de uma edição do American Journal of International Law chamada A nova corrida espacial, Saadia Pekkanen, professora de relações internacionais da Universidade de Washington, defende a discussão de criação de leis internacionais sobre exploração espacial para que o Universo seja apenas fonte de ciência e tecnologia, e não de conflitos. “Com o aumento do interesse em unidades espaciais, os países enfrentam um perigo crescente de agressão ou mesmo de um conflito aberto no espaço sideral. Essas realidades levantam importantes preocupações legais e políticas sobre militarização e a armaização de tecnologias espaciais.”

Interesses privados

A nova corrida espacial conta com participantes inimagináveis na guerra fria: companhias privadas que pretendem explorar o Cosmos, seja para oferecer pacotes turísticos, seja para vender serviços e tecnologias para os programas espaciais governamentais. A pioneira SpaceX, do bilionário Elon Musk, por exemplo, já trabalha em parceria com a Nasa desde o início dos anos 2000, transportando materiais para a Estação Espacial Internacional, e, no futuro próximo, participará da missão à Lua e, em seguida, a Marte. A partir de 2010, outras companhias entraram no jogo: Blue Origin, Virgin Orbit, Rocket Lab são algumas que também têm programas turísticos e exploratórios.