CIÊNCIA

Missão da OMS não encontra origem da covid-19, mas descarta criação em laboratório

Especialistas da OMS que foram à China para rastrear a história do Sars-CoV-2 afirmam que o vírus pode ter circulado em outros lugares antes de Wuhan, cidade considerada o epicentro da epidemia, e descartam que ele tenha escapado de um laboratório

Paloma Oliveto
postado em 10/02/2021 06:00
 (crédito: AFP / HECTOR RETAMAL)
(crédito: AFP / HECTOR RETAMAL)

Depois de 14 dias de trabalho de campo, a missão da Organização Mundial da Saúde (OMS) que busca sinais da origem do Sars-CoV-2 anunciou não ter encontrado pistas sobre o animal transmissor da doença em humanos. Acompanhados de perto em cada passo por oficiais chineses, os cientistas estiveram no mercado de animais vivos Huanan, em Wuhan, e no Instituto de Virologia da cidade considerada o epicentro da pandemia. Na primeira coletiva de imprensa, transmitida ontem pelas redes sociais da OMS, o grupo descartou que o vírus da covid-19 tenha escapado de um laboratório, como sugeriu o ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump.

Primeiro a falar na coletiva, o cientista chinês que integra a missão internacional, Liang Wannian, destacou que o animal intermediário entre o principal hospedeiro e o homem não foi encontrado. “Amostras de diferentes animais selvagens de várias partes da China não identificaram a presença do Sars-CoV-2”, disse. O governo chinês tem insistido na tese de que o vírus foi importado para o país em amostras de comida congelada, mas não há qualquer evidência sobre isso. Wannian mencionou que o causador da covid-19 poderia estar “circulando em qualquer outro lugar”, antes de detectado na China.

“Viemos aqui com dois objetivos.O primeiro foi tentar entender o que aconteceu em dezembro de 2020, se poderíamos rastrear a história do vírus para antes desse mês. Em paralelo, tentamos entender como isso aconteceu, como o vírus emergiu e, em algum ponto, passou para populações humanas”, disse Peter Ben Embarek, o chefe da missão. “Em termos do que aconteceu em dezembro de 2020, mudamos drasticamente o conhecimento que tínhamos? Não”, admitiu. Mas ele disse que houve avanços, como descartar uma das hipóteses sobre o surgimento do vírus — a de que teria escapado do Instituto de Virologia.

De acordo com Embarek, embora a missão não tenha chegado às conclusões desejadas, a teoria mais provável continua a de que um animal intermediário entre o morcego e o homem seja o responsável. Ele também não descartou a hipótese da transmissão por um animal selvagem congelado, mas disse que seria necessário fazer estudos para constatar se isso é possível. O papel do mercado de Huanan, em Wuhan, também “permanece desconhecido”, afirmou.

Os primeiros casos de Wuhan foram relatados em dezembro de 2019. De acordo com Ben Embarek, nenhuma evidência foi encontrada de que houvesse alguma doença na cidade antes dessa data, embora alguns cientistas defendam que os primeiros casos sejam de meados de novembro (Leia mais nesta página).

Mistérios

Há mais de um ano, cientistas tentam, sem sucesso, identificar o animal intermediário que transmite o Sars-CoV-2 para o homem. O paciente zero também jamais foi rastreado. O que se acredita, até agora, é que, em meados de novembro, já havia pessoas infectadas pelo vírus, e todas estavam em Wuhan ou haviam visitado a cidade recentemente. Relatórios médicos divulgados pelo jornal South China Morning Post indicam que médicos lidaram com pacientes apresentando os sintomas da covid-19 em 17 daquele mês.

As primeiras pistas vieram do mercado de animais vivos — muitos deles, capturados de forma ilegal — visitado pelos especialistas da Organização das Nações Unidas (ONU). Além de ser um prato cheio para zoonoses, uma análise inicial de 41 casos da doença apontou que 70% dos infectados eram trabalhadores ou clientes da feira. Em 1º de janeiro de 2020, o governo desinfectou o local, o que destruiu as chances de se encontrar maiores conexões do comércio com o Sars-CoV-2. Ainda assim, foi possível detectar traços do vírus na ala em que os animais selvagens — como filhotes de lobos vivos, esquilos, raposas e crocodilos — eram mantidos.

Nem os especialistas da OMS nem pesquisadores da China conseguiram, porém, encontrar a peça que encaixa, definitivamente, o mercado com a doença. Em 11 de janeiro do ano passado, cientistas chineses publicaram a sequência genética total do Sars-CoV-2, indicando que ele é um descendente de morcegos-ferradura da província de Yunnan, 96% do vírus RaTG13 é semelhante ao do causador da covid-19.

Porém, isso não significa que o morcego é o transmissor direto. Os micro-organismos mais próximos do Sars-CoV-2 — Sars e Mers — têm origem nesse mamífero, mas, para passar para o homem, é transmitido primeiramente a outro animal. Já se teorizou que fosse o pangolim, um parente do tatu. O vírus encontrado nesse animal, diferentemente daquele do morcego, tem uma parte (o domínio de ligação ao receptor) que se encaixa a um receptor das células humanas, o ACE2, permitindo sua entrada nas células. Contudo, a suspeita perdeu força depois de se saber que pangolins não eram vendidos no mercado.

Autor de um estudo publicado na revista Nature Medicine sobre as teorias das origens do Sars-CoV-2, Andrew Rambaut, do Instituto de Pesquisas Scripps, nos EUA, alerta que, passado tanto tempo desde o início da pandemia, é “difícil, senão impossível”, saber o cenário exato da migração do vírus para humanos. “Se o Sars-CoV-2 entrou em humanos em sua forma patogênica atual de uma fonte animal, isso aumenta a probabilidade de surtos futuros, já que a cepa do vírus causadora da doença ainda pode estar circulando na população animal e pode mais uma vez saltar para humanos”, alerta.

 

 

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Dificuldades no percurso

A Organização Mundial da Saúde (OMS) tenta, desde o ano passado, enviar uma missão à China. Porém, teve dificuldades para concretizá-la, já que o país relutava em permitir que especialistas mundiais de diferentes disciplinas, como epidemiologia, mas também zoologia, entrassem lá. No início de janeiro, o chefe da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, expressou publicamente “decepção” quando a partida da missão foi adiada por uma semana, com alguns especialistas já no avião.

Em Wuhan, em 14 de janeiro, os investigadores tiveram que fazer uma quarentena de duas semanas, o procedimento usual para todos os viajantes do exterior. Seguidos por todos os lados por uma multidão de jornalistas chineses e internacionais, os especialistas finalmente puderam tuitar e dar entrevistas por telefone.

Um deles, Peter Daszak, zoólogo que chefia a organização não governamental EcoHealth, nos Estados Unidos, disse, na sexta-feira, que a equipe teve acesso a todos os lugares que desejava. Os especialistas visitaram o Instituto de Virologia de Wuhan e o Mercado Huanan. No entanto, Thea Fischer, outro membro da delegação, disse a repórteres na terça-feira que não conseguiu os “dados brutos” que queria da China. “Tenho que confiar na enorme quantidade de dados que foram analisados e que me foram apresentados”, afirmou.

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