Um anticâncer no chá-verde

Composto presente na bebida pode aumentar os níveis de uma proteína conhecida por consertar danos ao DNA e destruir células com tumores, mostra estudo americano. Descoberta abre janela para desenvolvimento de novas terapias

Correio Braziliense
postado em 12/02/2021 21:11
 (crédito: Carla Saueressig/Divulgação)
(crédito: Carla Saueressig/Divulgação)

Um antioxidante encontrado no chá-verde pode aumentar os níveis de p53, uma proteína anticâncer natural que é conhecida como “guardiã do genoma” por sua capacidade de reparar danos ao DNA e destruir células cancerosas. Publicado na revista Nature Communications, o estudo da interação direta entre a p53 e o composto galato de epigalocatequina (EGCG) aponta para um novo alvo para a descoberta de drogas contra tumores malignos.

“As moléculas de p53 e EGCG são extremamente interessantes. Mutações em p53 são encontradas em mais de 50% do câncer humano, enquanto o EGCG é o principal antioxidante do chá-verde, uma bebida popular em todo o mundo”, disse Chunyu Wang, autor correspondente e professor de ciências biológicas no Instituto Politécnico Rensselaer, nos EUA. “Nosso trabalho ajuda a explicar como o EGCG é capaz de aumentar a atividade anticâncer do p53, abrindo a porta para o desenvolvimento de drogas com compostos semelhantes ao do chá-verde”, complementou.

Wang, membro do Centro Rensselaer de Biotecnologia e Estudos Interdisciplinares, é especialista no uso de espectroscopia de ressonância magnética nuclear para estudar mecanismos específicos na doença de Alzheimer e no câncer, incluindo a p53, que ele descreveu como “indiscutivelmente a proteína mais importante no câncer humano”. Ela tem várias funções anticancerígenas conhecidas, incluindo interromper o crescimento celular para permitir o reparo do DNA, ativar essa reparação e iniciar a morte celular programada — chamada apoptose — caso o dano não possa ser consertado.

Uma extremidade da proteína, conhecida como domínio N-terminal, tem uma forma flexível e, portanto, potencial de servir a várias funções, dependendo de sua interação com moléculas distintas. O EGCG é um antioxidante natural, o que significa que ajuda a desfazer os danos quase constantes causados pelo uso do metabolismo do oxigênio. Encontrado em abundância no chá-verde, também está presente em suplementos de ervas.

A equipe de Wang descobriu que a interação entre EGCG e p53 preserva a proteína da degradação. Normalmente, depois de ser produzida no corpo, a p53 é rapidamente degradada quando o domínio N-terminal interage a proteína MDM2. Esse ciclo regular de produção e degradação mantém os níveis de p53 em constante baixa.

“Ambos, EGCG e MDM2, se ligam no mesmo lugar em p53, a extremidade da proteína. Então, o composto do chá-verde compete com a MDM2”, explicou Wang. “Quando o EGCG se liga à p53, a proteína não está sendo degradada por meio da MDM2. Então, o nível de p53 aumentará com a interação direta com o composto EGCG, e isso significa que há mais p53 para a função anticâncer. Essa é uma interação muito importante”, diz.

Para Curt Breneman, reitor da Faculdade de Medicina de Rensselaer, “ao desenvolver uma compreensão dos mecanismos de nível molecular que controlam as principais interações bioquímicas ligadas a doenças devastadoras, como o câncer e o Alzheimer, a pesquisa de Chunyu está preparando as bases para novas e bem-sucedidas terapias”.

Cólon

O estudo vai ao encontro de outra pesquisa, divulgada no início da semana por químicos da Samara Politécnica, na Rússia. Os cientistas investigaram os potenciais efeitos anticarcinogênicos dos extratos obtidos de vegetais — entre eles, chá-verde, café, framboesa, uvas, ginseng — e avaliaram seu efeito no crescimento e na viabilidade das células cancerosas do cólon. O artigo foi publicado na revista Applied Chemistry and Biotechnology.

A ideia é investir em estratégias de prevenção, dizem os pesquisadores. Segundo eles, quase 50% de todos os tumores malignos podem ser evitados com uma alimentação adequada à base de produtos naturais com efeito preventivo.

“Os polifenóis são a maior variedade de componentes vegetais. É essa classe de compostos químicos que tem demonstrado poderosas propriedades antioxidantes. Eles lutam ativamente contra os danos celulares causados pelos radicais livres, retardando o envelhecimento e evitando a oxidação”, explicou uma das autoras do estudo, Natalya Eremeeva. “Além disso, protegem o corpo de doenças inflamatórias, cardiovasculares, neurodegenerativas e algumas formas de câncer.”

Ao conduzir o teste de citotoxicidade, os cientistas descobriram que o extrato de ginseng era o mais citotóxico e o de café, o menos. Foi comprovado que todos os extratos estudados são capazes de reduzir a expressão de genes pró-inflamatórios. A equipe acredita que o estudo servirá de base para a realização de estudos em animais, com o intuito de determinar a atividade anticarcinogênica dos compostos.

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Menos efeito colateral

No caso da doença neurodegenerativa, uma das apostas é o composto C1, com potencial para inibir a produção de amiloides, as proteínas que se aglomeram no cérebro e passam a comprometer o funcionamento dos neurônios. Uma das vantagens dessa abordagem é a possibilidade de redução dos efeitos colaterais graves, o que tem ocorrido em testes com outros tipos de drogas, segundo Chunyu Wang. A maior durabilidade desse tipo de droga também é outro atrativo.

Inibição de enzima


A inibição de uma enzima chave que controla uma grande rede de proteínas importantes na divisão e no crescimento celular abre caminho para uma nova classe de medicamentos que podem impedir o crescimento do glioblastoma, um câncer cerebral mortal. Pesquisadores canadenses mostraram, na revista Nature Communications, que a inibição química da enzima PRMT5 pode suprimir o crescimento de células desse tumor.

A inibição do PRMT5 levou à senescência celular, semelhante ao que acontece com as células durante o envelhecimento, quando elas perdem a capacidade de se dividir e crescer. A senescência celular também pode ser um poderoso mecanismo de supressão de tumor, interrompendo a divisão implacável das células doentes.

Atualmente, o prognóstico do glioblastoma permanece muito ruim, com menos de 10% dos pacientes sobrevivendo por mais de cinco anos. As terapias são severamente limitadas. Embora a inibição de PRMT5 tenha sido sugerida anteriormente como uma forma de atingir o cérebro e outros cânceres, ninguém testou essa estratégia em uma grande coorte de células derivadas de tumor de pacientes com características de células-tronco, células que estão nas raízes do crescimento do glioblastoma.

“Usamos uma estratégia diferente para impedir que as células cancerosas se proliferassem e semeassem novos tumores”, contou Cherryl Arrowsmith, da Universidade de Toronto. “Ao inibir uma proteína, a PRMT5, fomos capazes de afetar uma cascata de proteínas envolvidas na divisão e no crescimento celular. Isso nos dá uma nova premissa para o desenvolvimento futuro de novidades, terapias mais precisas.”

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