Em julho do ano passado, o músico Félix Alonso Morales, 45 anos, começou a sentir dores musculares e a ter febre. Cinco dias depois, perdeu o olfato e o paladar. “Fiquei 17 dias muito ruim. De uma hora para a outra, não sentia mais cheiro e gosto de nada. Mesmo depois que os sintomas mais graves passaram, os sensoriais persistiram. Foi quase um mês assim. Voltaram muito lentamente”, relata.
Dois estudos internacionais com dados de 23 países, incluindo o Brasil, mostram que mais do que falta de ar, febre, tosse e coriza, a perda de olfato é o mais fiel indicativo da covid-19. Os autores sustentam que esse sintoma pode ser diferencial no diagnóstico da doença, aumentando as chances de um tratamento precoce e, consequentemente, bem-sucedido. “Alguns sintomas da covid-19, como coriza e febre, são comuns em outras infecções virais. Assim, há uma urgência em definir melhor as disfunções sensoriais associadas à covid e determinar sua relevância como preditores dessa doença”, justifica um dos líderes da pesquisa, Alexander Wieck Fjaeldstad, da Universidade de Aahus, na Dinamarca.
Divulgado ano passado, um estudo de revisão com dados de 8.348 pessoas mostrou que 41% delas tiveram o olfato afetado de alguma forma pelo Sars-CoV-2. Outro trabalho, com 100 iranianos diagnosticados com covid-19, detectou que 96% tiveram anosmia (a perda total desse sentido). Na pesquisa atual, foram distribuídos questionários a mais de 4,5 mil pacientes de 23 nacionalidades. Neles, os cientistas fizeram diversas perguntas sobre a doença, incluindo o prejuízo ao olfato e ao paladar. Depois, aplicaram as respostas a uma escala específica de 0 a 100, sendo 0 a ausência do sintoma, e 100 o comprometimento total do sentido.
A média da perda do olfato foi de 79,7, considerada bastante alta, segundo Fjaeldstad. Além desse sentido, a perda do paladar foi significativa: 69. Alguns pacientes também relataram redução da sensação na boca, porém em menor grau: 37,3, na mesma escala, de 0 a 100.
“Isso difere do quadro que vemos com outras infecções virais e causa desconforto a longo prazo para os pacientes. Embora a perda do olfato prejudique apenas a capacidade de sentir o aroma da comida, a perda simultânea dos outros sentidos dificulta a alimentação. Colocar comida na boca pode se tornar uma experiência bastante desagradável”, diz o pesquisador. O músico Morales concorda: “Café, que adoro, passei a ter nojo. Não tinha mais prazer em comer”, conta.
Outro problema, segundo Fjaeldstad, é que metade dos pacientes que relataram perda de olfato não recuperou o sentido após 40 dias. Os dois artigos foram publicados na revista Chemical Senses e, de acordo com o pesquisador, mais dados coletados durante a pesquisa serão divulgados em breve. Entre os aspectos em estudo, estão quais fatores estão associados a uma perda mais branda da perda do olfato e como essa condição está associada ao restante do curso da doença.
Leve a moderada
Um estudo publicado, no mês passado, na revista Journal of Internal Medicine, realizada com 2,5 mil europeus constatou que a perda de olfato e/ou paladar é um sintoma comum em pacientes com covid-19 leve a moderada: 86% das pessoas que se encaixavam nesses graus de gravidade tiveram o problema. Já na forma grave da doença, o prejuízo sensorial é bem menor: apenas 4% dos que precisaram de suporte para respirar relataram a complicação.
Em nota, o principal autor, Jerome R. Lechien, da Universidade de Paris Saclay, explicou que não se sabe o motivo pelo qual a perda sensorial está mais presente em pacientes leves a moderados. Mas teorizou que essas pessoas têm mais determinados tipos de anticorpos que impedem a migração massiva do vírus para os pulmões, retendo a infecção no nariz, o que poderia justificar o sintoma.
Tampouco há certeza sobre as causas da perda de olfato e paladar na covid-19. Existem, porém, boas pistas. Um estudo da Faculdade de Medicina de Harvard, publicado na revista Science Advances, revelou que os neurônios sensoriais olfativos não têm o gene que codifica a proteína do receptor ACE2, a “fechadura” usada pela “chave” do Sars-CoV-2 para entrar nas células. Em vez disso, o ACE-2 é expresso em uma população celular que fornece suporte metabólico e estrutural para os neurônios olfativos.
Assim, o vírus interfere na comunicação entre o nariz e o cérebro, mas não afeta diretamente os neurônios. “Nossas descobertas indicam que o novo coronavírus muda o sentido do olfato em pacientes, não infectando diretamente os neurônios, mas afetando a função das células de suporte”, disse o autor sênior, Sandeep Robert Datta. Isso explicaria por que os sintomas sensoriais não são permanentes, embora possam ser persistentes.
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Oxford: OMS dá aprovação de emergência
Em uma tentativa de acelerar a imunização contra a covid-19 nas populações mais desfavorecidas, a Organização Mundial da Saúde (OMS) concedeu, ontem, a aprovação de emergência para o uso da vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford e a farmacêutica AstraZeneca. A medida, prevista em situações de emergência sanitária, acelera os processos de liberação de vacinação em países que não têm meios próprios para determinar, sozinhos, a eficácia e a segurança de um medicamento.
A fórmula em questão representa a grande maioria das 337,2 milhões de doses que o dispositivo Covax — integrado pela OMS, pela Aliança da Vacina (Gavi) e pela Coalizão por Inovações em Preparação para Epidemias (Cepi) — pretende distribuir no primeiro semestre deste ano. Ao todo, 92 países e territórios receberão gratuitamente os imunizantes por meio do dispositivo que busca garantir um acesso equitativo às vacinas contra o Sars-CoV-2. Os mais pobres terão prioridade. Entre eles, Etiópia, Ruanda, Afeganistão, Somália e Haiti.
“Os países sem acesso às vacinas até hoje poderão finalmente começar a imunizar seus profissionais de saúde e as populações mais vulneráveis”, declarou Mariangela Simão, vice-diretora geral da OMS responsável pelo acesso aos medicamentos. As doses são fabricadas na Coreia do Sul e na Índia pelo Serum Institute of India (SII). A aprovação de ontem diz respeito a essas duas versões, de acordo com comunicado divulgado pela agência da ONU.
Acima dos 18 anos
Na semana passada, um comitê de especialistas da OMS recomendou o uso da mesma vacina para qualquer pessoa com 18 anos de idade ou mais, inclusive as que moram em países em que circulam as variantes mais contagiosas do novo coronavírus. A decisão foi tomada em meio a dúvidas sobre a eficácia da fórmula entre idosos com mais de 65 anos — questionamento levantado principalmente por países europeus — e a descoberta de uma variante do Sars-CoV-2 na África do Sul.
Para a agência das Nações Unidas, a vacina da AstraZeneca/Oxford cumpre perfeitamente a prioridade do momento: limitar a gravidade e a mortalidade de uma pandemia que já matou 2,4 milhões de pessoas em pouco mais de um ano. Entre as vantagens da fórmula, estão a possibilidade de armazenamento em sistemas comuns de refrigeração e o baixo custo — cada dose custa, em média, US$ 3 (por volta, de R$ 16).
A AstraZeneca prometeu não lucrar com o produto, mas, como outros fabricantes, tem encontrado dificuldades para responder à enorme demanda pela vacina e teve que buscar empresas parceiras para conseguir produzir uma maior quantidade de doses.
O Reino Unido foi o primeiro país a autorizar o uso da fórmula, no final de dezembro. No Brasil, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) firmou uma parceria com o laboratório britânico que prevê a compra de mais de 100 milhões de doses e a transferência de insumos para a produção local.