SAÚDE

Reino Unido vai infectar voluntários com o novo coronavírus

Noventa pessoas receberão uma pequena dose do Sars-CoV-2 e serão acompanhadas por cientistas, que buscam identificar padrões de transmissão do vírus e melhores estratégias de vacinação e tratamento. Pesquisa polêmica tem aval do comitê de ética do país

Vilhena Soares
postado em 18/02/2021 06:00
 (crédito: Tolga Akmen/AFP - 23/12/20)
(crédito: Tolga Akmen/AFP - 23/12/20)

Para entender os efeitos do coronavírus sobre o organismo humano e desenvolver terapias e vacinas, cientistas britânicos pretendem conduzir uma estratégia de pesquisa no mínimo polêmica. Eles vão infectar voluntários com uma pequena dose do agente infeccioso da covid-19 e observar os efeitos causados. O projeto sem precedentes recebeu a aprovação da comissão de ética do país e deverá ter início nas próximas semanas.

Participarão da pesquisa 90 pessoas, com idade entre 18 e 30 anos, que serão acompanhadas em ambiente seguro, conforme comunicado do governo. Está prevista a avaliação constante de médicos e cientistas ao longo do experimento, que será coordenado em parceria com o Royal Free Hospital de Londres.

Inicialmente, pretende-se identificar a menor quantidade de vírus necessária para provocar a infecção e desencadear uma resposta imune do organismo, além de avaliar como ocorre a contaminação de indivíduo para indivíduo. “Essa é a primeira etapa, mas o nosso objetivo final é averiguar quais vacinas e tratamentos funcionam melhor para combater essa doença. Para isso, precisamos de voluntários para nos apoiar nesse trabalho”, explica, em comunicado, Chris Chiu, um dos responsáveis pela iniciativa e pesquisador do Imperial College de Londres.

Os cientistas informaram que pretendem usar a cepa da covid-19 que deu início à pandemia, em meados de março, no território britânico. Até agora, descartam o uso das novas variantes. Em uma segunda etapa, vacinas validadas por ensaios clínicos poderão ser administradas em um pequeno número de voluntários — que, depois, estariam expostos ao vírus covid-19 — para identificar as fórmulas mais eficazes.

“Apesar do progresso muito positivo que tivemos até agora no desenvolvimento de imunizantes, queremos encontrar quais as alternativas mais eficazes a longo prazo e também novas terapias”, afirma Kwasi Kwarteng, secretário de Negócios do Reino Unido e um dos responsáveis pelo trabalho. Ele também acrescenta que o estudo “ajudará a acelerar o conhecimento dos cientistas sobre como o coronavírus afeta as pessoas”.

Dilemas éticos

Para César Carranza, infectologista do Hospital Anchieta, em Brasília, a iniciativa britânica envolve um tema polêmico, que é alvo de discussões éticas constantes entre especialistas da área. “É um tipo de pesquisa que não é aceita em todo lugar. Aqui no Brasil, não temos permissão para esse tipo de análise, por exemplo”, exemplifica. “Mas alguns países já realizaram experimentos semelhantes em relação a outras enfermidades. Por isso, conseguem ter autorização para uma iniciativa nesse molde, apesar das críticas que surgem logo que são anunciadas.”

Carranza também destaca que esse tipo de análise precisa preencher uma série de medidas de segurança antes de ser aprovado. “Sabemos que é um vírus que pode ser letal, o que nos deixa preocupados. Para evitar complicações, é importante que os participantes tenham uma idade adequada, ou seja, não estejam tão vulneráveis à doença, e o ambiente em que permanecerão seja bem controlado, além da necessidade de exames contínuos”, detalha.

O especialista acredita que, caso o estudo consiga cumprir seus objetivos, os dados obtidos poderão ser bastante úteis para a área médica. “O plano é entender como o sistema imune reage ao vírus, além de identificar qual a quantidade do patógeno que é agressiva ao nosso organismo. São dados importantes, que podem nos ajudar a entender melhor o agravamento dessa doença. Mas precisamos esperar para avaliar. É possível também que surjam iniciativas parecidas em outros países”, avalia.

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Caso alemão

Os alemães também conduziram, recentemente, um experimento controverso. Convidaram participantes para um show musical com o intuito de observar os riscos de disseminação do coronavírus. O evento do cantor Tim Bendzko aconteceu em agosto e reuniu 1.200 pessoas. Segundo os especialistas da Universidade Halle de Leipzig, não houve casos de contaminação da doença. Para eles, isso ocorreu devido a uma série de medidas adotadas, como medição de temperatura do público, uso de máscaras N95 e dispositivos de rastreamento para medir o distanciamento social. Os resultados do estudo foram divulgados em dezembro, mas ainda não foram revisados por especialistas.

Reação autoimune gera dores intensas

A infecção pelo vírus Sars-CoV-2, o patógeno da covid-19, pode provocar uma série de dores nas articulações e nos músculos. E, em alguns casos, esse sofrimento pode ser bem mais intenso. Para entender melhor por que isso acontece, cientistas americanos analisaram imagens de ressonância magnética de indivíduos que tiveram esses sintomas mais graves. Observaram que essa reação se dá devido a uma resposta autoimune potencializada do corpo humano.

“Muitos pacientes com distúrbios musculoesqueléticos relacionados ao coronavírus se recuperam rápido, mas em uma parcela desse grupo as complicações se tornam agudas e afetam a qualidade de vida”, afirma, em comunicado, Swati Deshmukh, professor de radiologia musculoesquelética na Escola de Medicina Feinberg da Northwestern University e um dos autores do trabalho, publicado na revista Skeletal Radiology.

Os cientistas avaliaram pacientes que foram tratados no hospital da instituição de ensino da universidade estadunidense entre maio e dezembro de 2020 e apresentavam dores mais severas durante a infecção ou depois de se recuperarem. Os voluntários foram submetidos a uma série de exames radiológicos — tomografia, ultrassom e ressonância magnética, entre outros. Alterações preocupantes, como edemas, hematomas e tecidos desvitalizados (gangrena), foram detectadas.

“Em alguns pacientes, os nervos estão feridos, e em outros, o problema é o fluxo sanguíneo prejudicado, o que gera coágulos” detalha o especialista. “Por meio das observações dessas imagens detalhadas, tivemos a certeza de que esse tipo de lesão ocorreu porque o Sars-CoV-2 fez com que o sistema imune do corpo atacasse a si mesmo.”

Sandra Maria Andrade, membro da Sociedade Brasileira de Reumatologia e médica do Hospital Santa Lúcia, em Brasília, explica que o estudo revela detalhes importantes sobre uma reação errônea do organismo que pode ocorrer em outros tipos de infecção. “Esse tipo de dor articular é chamada artrite reativa e é como o corpo reage a uma agente invasor, seja ele um vírus ou uma bactéria. Acontece também em casos de hepatite”, explica.

Segundo a médica, as avaliações feitas pelos cientistas são importantes porque podem contribuir para um melhor tratamento da complicação. “Por meio de exames de imagens como as feitas nesse estudo, podemos entender melhor a causa dessas complicações, usar as intervenções necessárias e evitar complicações ainda maiores”, justifica. (VS)

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