DOENÇAS

Por que risco de febre amarela aumenta no mundo e o que macacos têm a ver com isso

Brasil pode estar enfrentando a segunda maior taxa de mortes por covid-19 do mundo, depois dos Estados Unidos. Mas os cientistas temem que essa outra doença, muito mais letal, pode irromper de novo no país

BBC
Jacob Kushner - BBC Future
postado em 21/03/2021 21:26

Em uma manhã nublada de outubro, uma equipe de cientistas partiu para o interior da Mata Atlântica em busca de macacos. Um homem carregava o que parecia ser uma antiga antena de TV e um facão. Uma mulher ao lado dele segurava uma pequena jaula de metal — uma armadilha — e duas sacolas repletas de banana.

Sua missão: impedir o próximo surto de febre amarela em macacos antes que se espalhe para os humanos.

O Brasil pode estar enfrentando a segunda maior taxa de mortes por covid-19 do mundo, depois dos Estados Unidos. Mas os cientistas temem que essa outra doença, muito mais letal, pode irromper de novo no país.

A febre amarela infecta cerca de 200 mil pessoas e mata 30 mil delas a cada ano, mais do que ataques terroristas e acidentes de avião juntos.

Causada por um vírus transmitido entre humanos e primatas por meio de mosquitos, seus sintomas incluem febre intensa, dores de cabeça e, em alguns pacientes, icterícia — coloração amarelada da pele que dá nome à doença. Os casos graves podem causar hemorragia interna e insuficiência hepática.

Aproximadamente 15% das pessoas contaminadas pela febre amarela vão morrer da doença se não forem vacinadas, uma taxa de mortalidade muito mais alta do que a da covid-19.

Nos últimos anos, o Brasil registrou mais casos de febre amarela do que qualquer outro país. Em dezembro de 2016, começou um surto em Minas Gerais que se espalhou para o Estado vizinho do Espírito Santo, ambos no meio da Mata Atlântica.

Na época, cerca de 40 milhões de brasileiros em risco de contrair febre amarela careciam de vacina.

Em maio de 2017, a doença havia se espalhado pelo Brasil, com focos nos Estados do Rio de Janeiro e Minas Gerais, mas com surtos adicionais registrados até no Estado do Pará, a cerca de 4.800 km de distância.

Foi o pior surto em mais de 80 anos. Mais de 3 mil pessoas foram infectadas. Quase 400 morreram em questão de meses.

"Quando você tem primatas confinados em pequenas florestas em alta densidade... é fácil para todo mundo se infectar", diz Carlos Ramon Ruiz-Miranda, biólogo conservacionista da Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf).

Nas florestas infestadas de mosquitos do Brasil, a doença parece saltar de forma particularmente rápida entre os micos-leões-dourados e os humanos. Mas, embora os mosquitos sejam os transmissores, são as pessoas que estão agravando a situação.

À medida que os humanos invadem cada vez mais a floresta, eles reduzem a diversidade biológica e ficam mais próximos de outros primatas.

Essa tendência não vai parar tão cedo — o que significa que o próximo surto pode ser ainda mais mortal.

O desafio da vacinação

A apenas 80 km da área de floresta onde os cientistas estão caçando macacos, fica a cidade do Rio de Janeiro, a sexta maior área metropolitana das Américas. A seis horas de carro pela Costa Verde, está São Paulo, a maior metrópole do hemisfério ocidental.

A proximidade entre essas áreas urbanas densas e as florestas cria as condições perfeitas para uma epidemia de dimensão sem precedentes desde a descoberta da vacina contra a febre amarela, há quase um século. Isso mesmo que a febre amarela tenha uma vacina — "muito eficaz", diz a pesquisadora de genética e primatas Mirela D'Arc, colega de Ruiz-Miranda na Uenf.

Em 2018, o Ministério da Saúde anunciou uma campanha para vacinar quase 80 milhões dos 210 milhões de brasileiros contra febre amarela.

Em alguns municípios, até 95% dos moradores foram vacinados. Mas nas maiores cidades brasileiras, a taxa mal chegou a 50%.

Muitos brasileiros não confiam nas diretrizes do governo no que diz respeito à saúde pública.

A corrupção no país é desenfreada, e mesmo que a vacina seja aplicada de graça, muitos brasileiros presumem que estão sendo orientados a se vacinar para que alguém possa lucrar com isso.

Essa desconfiança prejudicou o recente esforço para vacinar 23 milhões de pessoas que vivem em São Paulo, no Rio de Janeiro e em seus arredores.

Após o surto de 2016-17, longas filas para vacinação e notícias falsas de que era ineficaz se espalharam em aplicativos de mensagens, dissuadindo algumas pessoas de tomar a vacina.

Além disso, pode não haver vacina suficiente para todos.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) fez um apelo à indústria farmacêutica para aumentar a produção, mas a vacina "continua restrita devido à capacidade de produção limitada", informa o Unicef.

Como resultado, apenas metade das pessoas que vivem no Rio foram vacinadas contra a febre amarela.

Mas pode haver uma alternativa. Enquanto o mundo tem 7,8 bilhões de pessoas — há apenas cerca de 2,5 mil micos-leões-dourados.

Portanto, uma nova abordagem poderia impedir futuros surtos entre humanos: vacinar esses primatas.

"Uma forma de impedir a propagação da doença é vacinar os humanos e os micos-leões-dourados", diz D'Arc.

"Se você vacinar os macacos, terá menos indivíduos portadores da doença", acrescenta Ruiz-Miranda. "É imunidade de rebanho."

A ameaça para os macacos

À primeira vista, o mico-leão-dourado parece fora de contexto: uma bola de fogo de penugem alaranjada em meio a uma floresta em tons de verde ao fundo.

Se colocar um bigode e tirar o rabo, ele se parece muito com o personagem Lórax, do livro infantil de mesmo nome do escritor americano Dr. Seuss, de 1971, no qual uma criatura peluda defende sua floresta contra os humanos que chegam para derrubar todas as árvores.

No livro, o Lórax é retirado de seu ambiente natural, sendo forçado a deixar a floresta.

O mesmo aconteceu com o mico-leão-dourado no Brasil.

Os micos já ocuparam áreas consideráveis ??da Mata Atlântica. Mas, na década de 1970, a extração de madeira retalhou seu habitat natural em pedacinhos. Em 1971, restavam menos de 400 na natureza, fazendo deles uma espécie criticamente ameaçada de extinção.

Para salvá-los da extinção, os humanos seguiram o exemplo do livro de Dr. Seuss: conservacionistas retiraram dezenas de macacos de seu habitat cada vez menor e os levaram para reservas naturais fora da cidade do Rio.

A intervenção funcionou. Em 2014, a população de micos havia se recuperado, chegando a cerca de 1.700-2.400 exemplares, de acordo com Ruiz-Miranda. A maioria vive em fragmentos de remanescentes florestais na Bacia do Rio São João.

A resiliência deles foi suficiente para reclassificar as espécies de "criticamente ameaçadas" para "ameaçadas" de extinção. Parecia que os micos poderiam perseverar. Até a eclosão do surto de febre amarela de 2017.

"É muito raro as pessoas encontrarem um macaco morto à beira da estrada — isso nunca acontece", diz Ruiz-Miranda.

É por isso que ele ficou tão chocado com o que aconteceu no início de 2017. Um fazendeiro levou ele e sua equipe até um mico-leão morto na floresta.

O primata testou positivo para febre amarela. Logo depois, eles encontraram mais cinco mortos. Quando chegou ao fim, o surto de febre amarela de 2017 havia matado mais de 4 mil primatas. Entre alguns grupos de macacos bugios, a taxa de mortalidade foi de 80-90%.

Os já vulneráveis ??micos também foram gravemente afetados.

"No geral, perdemos 30% da população, que passou de 3,7 mil para 2,6 mil em um período de menos de um ano", conta Ruiz-Miranda.

Na sequência, a equipe dele começou a coletar amostras de rotina nas áreas onde os micos haviam morrido. Onde quer que tenham colhido as amostras, diz ele, pelo menos um ou dois primatas testaram positivo para febre amarela.

O surto de 2017 mostrou que não apenas os humanos, mas também os micos podem ser vulneráveis ??à mesma doença.

"A vida selvagem é tão vítima da doença quanto a população humana", afirma Ruiz-Miranda.

O Brasil abriga mais espécies de primatas do que qualquer outro país no mundo. Para salvar os humanos, talvez tenhamos que salvar os micos agora. Era isso que, com armadilhas e bananas, D'Arc se propôs a fazer naquela manhã nublada de outubro.

Para capturar um macaco

No trajeto do Rio até o limite da Reserva Biológica Poço das Antas, D'Arc passou por vários sinais de invasão humana na mata nativa: uma rodovia, um sistema aquífero, plantações de banana e pastagem de gado.

"Você tem pastagens de gado por todo caminho até florestas de qualidade relativamente boa", lamenta Ruiz-Miranda.

"E uma rodovia que corta a paisagem, separando a reserva de outras florestas".

A equipe entrou na floresta por meio de uma abertura em uma cerca de arame. Não demorou muito para avistarem o que estavam procurando.

A fêmea adulta, de juba alaranjada e corpo roliço, conhecida por seu número, F16, estava sentada em um estreito galho de árvore. Quando viu os cientistas, não correu. Ela se moveu em direção a eles, curiosa, com sua longa cauda vermelha pendurada.

"Geralmente, os animais têm medo de humanos", diz D'Arc. "Mas aqui neste fragmento, os micos-leões-dourados estão familiarizados com a gente."

Liderada por Andreia Martins, a equipe da Golden Lion Tamarin Association, grupo conservacionista sem fins lucrativos, começou a trabalhar.

Um pesquisador usou um pequeno dispositivo de GPS para registrar a localização do primata, rastreando seus movimentos pela floresta. Outros colocaram duas armadilhas repletas de bananas em uma plataforma de madeira.

Os pesquisadores observaram um macaco se aproximar da gaiola, e na sequência, outro.

O primeiro primata, desconfiado, saltou para uma árvore próxima para ver o segundo entrar na gaiola para pegar uma banana. A porta da gaiola se fechou rapidamente, prendendo o mico dentro. Um terceiro macaco — um sagui, que é um parente próximo — entrou na segunda gaiola sem hesitar e... pimba!

É o que chamamos de macaco de imitação.

Assim que capturaram micos suficientes, D'Arc e sua equipe voltaram para um laboratório onde vestiram aventais de proteção, luvas de látex e máscaras. Para garantir que os primatas não sentiriam nada, os pesquisadores os sedaram.

Em seguida, fizeram um exame geral de saúde, medindo o peso e a temperatura corporal e colhendo amostras fecais, de sangue e orais. D'Arc introduziu um cotonete dentro da boca do mico, esfregando delicadamente em torno de seus dentes minúsculos.

Na sequência, veio a vacina. Membros da equipe rasparam delicadamente alguns pelos da barriga do primata. Um deles mergulhou a seringa em um frasco com um líquido transparente e injetou no animal.

Depois que terminou de vacinar todos os primatas, a equipe os colocou de novo nas armadilhas e os levou de volta para a floresta antes que acordassem. Como um ato de gentileza — ou talvez um pedido de desculpas —, D'Arc colocou um cacho inteiro de bananas ao lado deles na plataforma de madeira.

No fim do dia, a equipe havia capturado, transportado, testado, vacinado e devolvido oito micos de três grupos familiares diferentes. Mas seu trabalho estava apenas começando. Em dois anos, eles planejam vacinar 500 micos-leões-dourados, segundo Ruiz-Miranda.

Em seguida, vão transferir cinco grupos para a Reserva Biológica Poço das Antas — um dos locais que perdeu muitos de seus primatas no surto de 2017.

Propagação entre humanos

Assim como a covid-19, a febre amarela pode ter começado com animais. Mas se propagou pelo mundo graças aos humanos.

"A febre amarela é uma doença de origem africana. Não existia antes do tráfico de escravos", diz Júlio César Bicca-Marques, professor de antropologia da PUC do Rio Grande do Sul e secretário-geral da Sociedade Internacional de Primatologia, que estuda febre amarela em macacos bugios no Brasil.

Segundo ele, a doença foi trazida para as Américas há cerca de três a quatro séculos.

As Américas não estavam preparadas.

"Os primatas da África são muito mais resistentes à febre amarela, porque evoluíram com o vírus", diz Bicca-Marques.

Mas não é o caso dos macacos sul-americanos, como os micos e bugios.

"Nossos primatas não tinham histórico, nenhuma proteção evolutiva contra o vírus. Portanto, alguns deles são muito mais suscetíveis ao vírus e podem morrer com muita facilidade."

A febre amarela se espalha quando mosquitos fêmeas picam humanos ou outros primatas infectados com a doença, depois picam e infectam outros.

"Uma vez que um surto começa, as espécies de primatas têm cerca de quatro a seis dias de viremia (presença do vírus no sangue), o que significa que o vírus está ativo e os mosquitos que os picam podem se infectar", explica Ruiz-Miranda.

Os macacos se tornam assim "amplificadores" da doença transmitida pelo mosquito.

Hoje, eles amplificam o risco mais do que nunca. Isso se deve em grande parte ao desmatamento de seu habitat pelos humanos.

A Mata Atlântica brasileira abrange cerca de 100.000 km2 — é maior do que toda a ilha da Irlanda.

Mas a floresta já teve 12 vezes esse tamanho. A maior parte foi derrubada, sobretudo nos últimos cinco séculos, desde que os portugueses chegaram para colonizar o Brasil.

À medida que a floresta é dizimada, os primatas se veem obrigados a viver em áreas menores com densidades mais altas. Isso aumenta o risco de os animais transmitirem infecções entre si.

Com a invasão humana nessas mesmas áreas, o risco de esses animais transmitirem patógenos para os humanos também aumenta.

Nas décadas passadas, o desmatamento foi impulsionado pela demanda global por madeira proveniente da Amazônia e outros tipos especiais de madeira de árvores brasileiras.

Hoje em dia, o principal culpado é a carne. Cerca de 200 milhões de vacas pastam na região amazônica do país — quase uma vaca para cada brasileiro.

Oitenta por cento do desmatamento que ocorre na Amazônia hoje é feito para derrubar a floresta e dar espaço para essas vacas pastarem. "Os empreendimentos pecuários já ocupam cerca de 75% das áreas desmatadas da Amazônia", segundo o Banco Mundial.

Os criadores de gado "estão pegando grandes áreas da Amazônia e queimando", diz Bicca-Marques.

"Eles queimam tudo."

Mas a culpa não é só dos brasileiros. Uma parte da carne bovina do Brasil é exportada para países de alta renda, como os Estados Unidos. Em 2018, o Brasil produziu um em cada cinco hambúrgueres do mundo.

O resultado é uma paisagem retalhada em fragmentos — alguns quilômetros quadrados aqui, outros poucos ali, com humanos vivendo entre eles.

Além disso, o desmatamento reduziu o número de diferentes espécies que vivem na floresta.

Isso é perigoso não apenas para a vida selvagem, mas também para os humanos.

"A biodiversidade atua como um amortecedor" contra as doenças, diz Ruiz-Miranda.

"Se você pensar em uma epidemia como uma espécie invasora, quanto mais degradado o meio ambiente, mais fácil é para uma doença se instalar", acrescenta.

Confinados a fragmentos cada vez menores na Mata Atlântica, os macacos são forçados a se mover de uma parte para a outra, o que os expõe a um risco maior de infecção à medida que passam ao alcance de mosquitos e humanos.

"Macacos e humanos vivem juntos perto de onde as pessoas têm áreas agrícolas", diz Ruiz-Miranda.

"Então você tem muitas interações entre humanos e macacos."

É a receita perfeita para um surto. Ainda mais preocupante, o limite da Mata Atlântica faz fronteira com os arredores do Rio de Janeiro, onde vivem mais de 12 milhões de pessoas (das quais cerca de seis milhões estão vacinadas).

Ao todo, mais de 148 milhões de pessoas, um terço da população da América do Sul, vivem na ecorregião da Mata Atlântica brasileira, o que a torna 25 vezes mais populosa que a Amazônia.

Isso significa que, quando acontece um surto de febre amarela, ele pode se espalhar rapidamente. A maioria dos micos migra apenas alguns quilômetros durante a vida — mas os humanos podem atravessar grandes distâncias em questão de minutos ou horas.

Os pesquisadores dizem que o surto de 2017 no Brasil foi um alerta, ilustrando a rapidez com que os humanos podem espalhar a febre amarela de uma parte a outra do país.

À medida que os humanos continuam invadindo a Mata Atlântica, o próximo surto pode ser apenas uma questão de tempo.

Frente florestal

Mata Atlântica
Getty Images
Mais de 148 milhões de pessoas vivem na ecorregião da Mata Atlântica brasileira

Se há uma coisa que os humanos podem fazer para prevenir o próximo surto mortal de febre amarela, dizem os profissionais de saúde, é vacinar o maior número possível de pessoas contra a doença.

Mas os primatologistas acreditam que outra maneira é impedir a destruição das florestas brasileiras e preservar e fomentar a biodiversidade que resta. Fazer isso, no entanto, será uma batalha árdua para os fazendeiros e pecuaristas que vivem às margens da floresta.

"Desde que era criança — com seis ou sete anos — o desmatamento era (normal) aqui", diz Mardone Castro Rodrigues, de 32 anos, que tem uma pequena área de exploração agrícola familiar à beira da mata.

Os agricultores desmatam a floresta para plantar, diz ele.

Se a colheita era muito pequena, eles transformavam a plantação em pasto para as vacas, derrubavam mais floresta e começavam tudo de novo.

Hoje, Rodrigues tenta empregar técnicas agroflorestais para cultivar de forma que não destrua a vegetação. Mas com uma esposa e dois filhos para alimentar, ele diz, não há muito que possa fazer.

Ana Beatriz Cordero, de 53 anos, trabalha com ecoturismo e afirma que há motivos para esperança à medida que a urbanização aumenta.

"As pessoas não querem viver nas áreas rurais, então as abandonam — e as áreas se regeneram quando elas vão para a cidade", afirma.

Cordero seguiu o caminho oposto, saindo da cidade do Rio de Janeiro para Silva Jardim, ao lado da floresta. Ela cultiva orquídeas, planta mudas nativas em áreas desmatadas e organiza viagens educacionais para crianças e adultos da cidade.

Hoje, segundo ela, há mais fauna — incluindo micos-leões-dourados — do que ela via há 15 anos. Ela afirma que é um sinal de que os humanos podem ser guardiões da biodiversidade, se estivermos dispostos a tentar — o que é um bom sinal para os macacos também.

"Os micos-leões-dourados são amados aqui. São um lindo animal", diz Cordero.

E também são úteis.

"Júlio (Bicca-Marques) gosta de dizer que os macacos são como os canários da mina de carvão", afirma Karen Strier, professora de antropologia da Universidade de Wisconsin-Madison, nos EUA, e pesquisadora de longa data de primatas no Brasil.

"Eles são um bom alerta de que você precisa se preocupar com a febre amarela" — e também com outras doenças.

Mas os micos não são respeitados por todos. Durante o surto de 2017, dezenas de macacos em todo o Brasil foram apedrejados, baleados ou queimados por pessoas que temiam que fossem a causa da doença mortal.

"Em surtos anteriores no sul do Brasil, a reação do governo local foi matar os macacos", diz Ruiz-Miranda.

"Em algum momento, o Ministério da Saúde estava chamando a febre amarela de 'doença do macaco'."

"Mas os macacos são nossas sentinelas — eles mostram quando a febre amarela chega."

Em meio ao surto, Ruiz-Miranda conta que ele e seus colegas imploravam às pessoas que moravam perto da floresta: "Não saiam e matem os macacos!"

"Algumas pessoas os acham bonitos e admiráveis. Outras têm medo deles por causa da doença", diz o agricultor Rodrigues.

"Mas a mentalidade das pessoas está mudando. Elas estão se conscientizando de que os macacos são vítimas de doenças como a febre amarela, assim como as pessoas."

A menos que mais macacos e mais pessoas sejam vacinadas, as autoridades de saúde alertam que os surtos de febre amarela vão piorar. Segundo uma estimativa, o Brasil precisará de 226 milhões de doses de vacina para humanos até 2026.

Diferentemente da covid-19, estamos um passo à frente no que diz respeito à febre amarela, devido à existência de uma vacina amplamente disponível e eficaz.

Com o financiamento e a adesão adequados, dizem os cientistas, podemos impedir o próximo surto de febre amarela no Brasil — antes de começar.

Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Future.


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