CIÊNCIA

Covid-19: cientistas descobrem que anticorpos diminuem em ritmo diferente

Enquanto há infectados pelo Sars-CoV-2 que têm células de defesa que duram alguns dias, outros mantêm esses soldados imunológicos por ao menos nove meses, mostra estudo internacional. Descoberta pode influenciar o formato de futuras imunizações

Vilhena Soares
postado em 24/03/2021 06:00
 (crédito: Roslan Rahman/AFP)
(crédito: Roslan Rahman/AFP)

Para combater a covid-19 com eficácia, é necessário entender melhor o vírus Sars-CoV-2, seu agente infeccioso, e a forma como o organismo humano reage à presença desse invasor, principalmente o sistema de defesa, dizem especialistas. Em uma pesquisa feita com pacientes infectados pelo novo coronavírus, um grupo internacional de cientistas descobriu que os anticorpos que agem contra a enfermidade diminuem em ritmos diferentes em cada indivíduo, podendo durar apenas alguns dias em algumas pessoas e mais de meses em outras. Segundo os autores do estudo, os dados reforçam a necessidade de vacinar pessoas que já tiveram covid-19 e podem ajudar a determinar qual a melhor estratégia de imunização a ser adotada no futuro.

A equipe acompanhou, durante nove meses, um grupo de 164 pacientes de Cingapura que testou positivo para a covid-19. Os especialistas colheram, regularmente, amostras sanguíneas dos participantes e, com a ajuda de uma ferramenta tecnológica apurada, monitoraram os níveis dos anticorpos neutralizantes contra o Sars-CoV-2 nos voluntários. “Essa investigação minuciosa só foi feita graças ao auxílio de um algoritmo desenvolvido para prever detalhadamente as trajetórias dos anticorpos neutralizantes ao longo do tempo”, enfatizam, no artigo.

Os cientistas separaram os pacientes em cinco grupos, de acordo com a duração dos anticorpos no corpo. O primeiro, chamado negativo (com 11,6% dos pacientes), não desenvolveu as células de defesa durante todo o período do estudo. O segundo, nomeado declínio rápido (26,8%), apresentou níveis iniciais variáveis de anticorpos, mas que diminuiu rapidamente. O terceiro, o declínio lento (29%), manteve a presença das células por seis meses. O quarto, classificado como persistente (31%), mostrou pouca mudança nos níveis de anticorpos até 180 dias. Por fim, os integrantes do resposta tardia (1,6%) apresentaram taxas altas das células protetoras durante os nove meses da análise.

“Esse estudo nos lembra que todos nós reagimos de maneira distinta à infecção, desenvolvendo diferentes respostas imunológicas protetoras”, ressalta, em comunicado, Laurent Renia, diretora executiva do grupo de pesquisa STAR Infectious Diseases Labs, em Cingapura, e uma das autoras do estudo, publicado na última edição da revista The Lancet Microbe.

Outras defesas

Os pesquisadores destacam que, embora a pesquisa tenha se concentrado na determinação dos níveis de anticorpos neutralizantes, é importante deixar claro que as células T, que também fazem parte do sistema imune do organismo, contribuem para o combate ao novo coronavírus, o que faz com que os pacientes com níveis baixos de anticorpos ainda tenham proteção à enfermidade.

“Nosso estudo descobriu que todos os pacientes testados, incluindo aqueles do grupo negativo, exibiam uma alta atividade de células T por até seis meses. Esse dado é muito importante, pois nos dá uma esperança de proteção de longo prazo. Mas apenas mais estudos podem confirmar essa nossa suspeita”, afirma David Lye, diretor do Centro Nacional de Pesquisas em Doenças Infecciosas dos Estados Unidos (NCID) e também autor do estudo. “A mensagem principal da nossa pesquisa é que a longevidade dos anticorpos neutralizantes contra Sars-CoV-2 pode variar muito. Por isso, é importante monitorar isso em um nível individual.”

Monitoramento

Para Lorena de Castro Diniz, coordenadora do Departamento Científico de Imunização da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (Asbai), o estudo mostra dados interessantes, que podem ser usados pelos especialistas para lidar melhor com o novo coronavírus, principalmente quanto ao uso das vacinas. “Essa pesquisa mostra que a resposta dos anticorpos não é tão duradoura quanto imaginávamos, algo que ajuda a explicar os casos de reinfecção. Essa é mais uma prova de que pessoas já infectadas precisam ser vacinadas. Por essa resposta imune ser individual, não sabemos como cada paciente vai reagir. Então, precisamos nos garantir”, alerta.

Segundo a especialista, as células T, responsáveis pela chamada resposta imune inata, também precisam ser estudadas mais a fundo. Essa tarefa, porém, é mais difícil de ser executada. “Monitorar a resposta imune é algo complicado para ser feito em larga escala, principalmente essas células, que são mais complexas e difíceis de serem detectadas. Apenas com estudos mais aprofundados, poderemos entender melhor a resposta do organismo e como esses dois agentes imunes agem em conjunto para combater o vírus”, explica.

Os autores do estudo concordam que os dados podem contribuir para a elaboração dos programas de vacinação. “Esse trabalho mostra mudanças nos níveis de anticorpos protetores muito relevantes, que reforçam a importância de monitorar a estabilidade dessas moléculas também nos vacinados. Só assim, seremos capazes de definir qual o melhor regime de imunização para ser usado. Teremos como determinar qual a periodicidade da aplicação dos imunizantes, que muitos especialistas acreditam que deverá ser anual”, detalha Wang Linfa, professor do Programa de Doenças Infecciosas Emergentes da Universidade de Duke, nos Estados Unidos, e também autor do estudo.

Lorena Diniz conta que já há uma expectativa de que as pessoas terão que ser protegidas regularmente, condição que precisa ser avaliada por novas pesquisas. “Com um acompanhamento mais rigoroso, vamos saber dizer se a duração da imunidade será de seis meses ou um ano, por exemplo. E isso é algo comum. A vacina influenza, da gripe, dura cerca de nove meses. Pode ser que o mesmo ocorra com a da covid-19. É algo que já é esperado por nós, assim como a necessidade de atualização das fórmulas diante das novas cepas”, afirma.

 

» Testes com spray protetivo

Pesquisadores da China autorizaram a realização de testes clínicos de uma vacina contra o novo coronavírus que é aplicada por meio de inalação. A decisão foi anunciada ontem em um comunicado oficial assinado pelos desenvolvedores da fórmula protetiva, o laboratório CanSino Biologics e o Instituto de Biotecnologia de Pequim. No texto, os responsáveis pelo projeto ressaltam que a segurança e a eficácia da vacina aplicada diretamente no nariz “precisam ser confirmadas” nos testes. A China já produz cinco imunizantes contra a covid-19, mas nenhum deles é administrado por spray

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Nova suspeita ronda vacina de Oxford

 (crédito: Marvin Recinos/AFP)
crédito: Marvin Recinos/AFP

O Instituto Americano de Alergias e Doenças Infecciosas (NIAID), uma das agências reguladoras dos Estados Unidos, expressou ontem “preocupação” com a possibilidade de a farmacêutica AstraZeneca ter incluído “dados desatualizados” nos testes clínicos da vacina contra a covid-19 realizados em solo americano. O anúncio foi feito logo depois de a empresa divulgar resultados preliminares de um estudo indicando que o imunizante evita 100% de casos graves da doença. Diante do posicionamento das autoridades estadunidenses, o grupo responsável pelo imunizante, que foi desenvolvido em parceria com a Universidade de Oxford, anunciou que divulgará novas informações relacionadas à pesquisa em, no máximo, 48 horas.

No comunicado que coloca novamente a fórmula britânica sob suspeita, o NIAID alertou que o possível uso de dados defasados “pode ter levado a uma estimativa incompleta da eficácia”. Em resposta, a AstraZeneca enfatizou a segurança da análise e informou que as informações são referentes a testes recentes, realizados nos Estados Unidos antes de 17 de fevereiro deste ano. A farmacêutica também afirmou que deseja entrar em contato “imediatamente” com as autoridades de saúde americanas para entregar, em 48 horas, uma “análise com os dados de eficácia mais atualizados possíveis”.

Na segunda-feira, o grupo AstraZeneca/Oxford relatou que testes com dados de mais de 32,4 mil pessoas conduzidos nos Estados Unidos, no Chile e no Peru mostram que a vacina tem eficácia de 79% para prevenir a covid-19 sintomática (ou seja, 79% dos infectados não apresentam sintomas da doença) e de 100% para evitar as formas graves da doença e a hospitalização (todos os infectados não desenvolvem casos críticos de covid).

Os criadores da fórmula também asseguram que o uso do imunizante não aumenta o risco de coágulos no sangue, uma suspeita levantada neste mês e que levou países europeus a suspenderem temporariamente as vacinações com a fórmula.

Morte

Também ontem, autoridades francesas anunciaram que investigam a morte de um estudante de medicina de 26 anos imunizado com a vacina britânica. O jovem morreu em 18 de março, na cidade de Nantes, no oeste do país, 10 dias após receber o fármaco protetivo. Segundo Pierre Sennes, promotor da região, uma necrópsia foi realizada no dia seguinte à morte do universitário, mas que “mais testes eram necessários para determinar as causas e as circunstâncias da morte”.
A Agência Nacional de Segurança de Medicamentos (ANSM) informou que foi comunicada sobre a morte do jovem “no contexto do acompanhamento de casos de trombose” e enfatizou que, no momento, não há relação clara entre o óbito e o uso do imunizante. “Essa morte é objeto de uma investigação clínica aprofundada”, enfatizou, em comunicado.
A notícia da morte veio à tona cinco dias depois que a França e outros países retomaram a vacinação com a fórmula britânica, após uma breve suspensão devido ao registro de casos isolados de coágulos sanguíneos em algumas pessoas imunizadas. A vacina foi endossada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelo órgão regulador de medicamentos da União Europeia (EMA), que, após a realização da revisão de dados do imunizante, declararam não haver ligação entre a complicação sanguínea e o imunizante. Uma das fórmulas mais aplicadas no mundo, a vacina britânica é mais barata e fácil de armazenar que outros fármacos também desenvolvidos contra a covid-19.

» Mais restrições na Alemanha

Seguindo políticas adotadas por outros países europeus, como França e Itália, a Alemanha anunciou que reforçará as medidas de isolamento durante a Páscoa. A maioria do comércio será fechada e os serviços religiosos, cancelados ou organizados remotamente. De 1º a 5 de abril, o país viverá uma “pausa”, com contatos entre pessoas limitados ao mínimo e apenas lojas de alimentos autorizadas a abrir, segundo a chanceler Angela Merkel. “A situação é séria, muito séria. O número de casos está aumentando exponencialmente, e os leitos de terapia intensiva estão se enchendo de novo”, enfatizou, advertindo, em seguida, que o país enfrenta uma “pandemia mais letal, claramente mais infecciosa e com mais contágios”.

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