No dia em que o Distrito Federal alcançou o triste recorde de 94 mortes por covid-19 registradas em 24 horas — a maior quantidade desde o início da pandemia — a Justiça Federal determinou a volta das medidas que restringem atividades comerciais e serviços. A partir de amanhã, as normas que estavam em vigência até domingo voltam a valer, caso não haja decisão contrária por parte das instâncias superiores.
A juíza federal Kátia Balbino, titular da 3ª Vara Federal da Seção Judiciária do DF, decidiu que as restrições continuarão a valer até que a ocupação dos leitos em unidades de terapia intensiva (UTIs) para covid-19 na rede pública de saúde esteja entre 80% e 85%. Além disso, a lista de espera por uma vaga não pode ter mais de 100 pessoas. O pedido de suspensão da reabertura partiu da Defensoria Pública da União (DPU), em 22 de março, três dias depois de publicado o decreto do governador Ibaneis Rocha (MDB) que tratava da flexibilização.
A determinação não altera o toque de recolher das 22h às 5h ou a proibição da venda de bebidas alcoólicas após as 20h. No entanto, a magistrada acatou o pedido de unificação dos critérios de teletrabalho de servidores públicos e pela apresentação de medidas de fiscalização por parte da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) no DF. Ao Correio, Ibaneis afirmou que decidirá hoje se entrará com recurso contra a decisão.
Pelo quinto dia consecutivo, o DF bateu recorde na média móvel de mortes. O índice chegou a 58,4 — aumento de 133,6% em relação ao resultado de 14 dias atrás. A média móvel de casos, por outro lado, caiu 7,26% na comparação com o indicador de duas semanas atrás. Diante do grave cenário, especialistas cobram restrições mais severas e preparação do sistema de saúde.
Breno Adaid, pesquisador do Centro Universitário Iesb e pós-doutor em ciência do comportamento pela Universidade de Brasília (UnB), calcula que este foi o mês mais letal do DF desde o início da pandemia. “Em agosto, o pior período que tínhamos até agora, houve 1.052 registros de mortes. Neste março, que ainda não terminou, foram 1.074 óbitos. Resumindo, estamos no pior mês”, destaca o especialista.
O boletim epidemiológico divulgado ontem pela SES-DF contabilizou 1.353 novos casos da covid-19, levando o total de infectados para 343 mil pessoas. Com as novas mortes notificadas, o total de vítimas subiu para 5.912. Para os próximos dias, a tendência, segundo Breno, é de que o número de óbitos apresente redução, mas isso não significa que a situação se tornará mais confortável. “Estamos em fase de queda, mas, com a flexibilização, esses números vão subir novamente daqui a 14 dias. Em um cenário ideal, o sistema de saúde usaria essas duas semanas para se preparar a receber os pacientes do futuro”, avalia.
O professor ressalta que, neste período, é essencial que haja abertura de leitos em UTIs voltadas ao tratamento da covid-19. Na tarde de ontem, a rede pública de saúde chegou a operar com 96% de ocupação de vagas. Na rede privada, a taxa chegou a 99%. Na fila de espera, por volta das 19h, 391 pessoas aguardavam transferência. Desses pacientes, 284 estavam com suspeita ou confirmação de infecção pelo novo coronavírus.
Negacionismo
Para a infectologista Joana D'Arc Gonçalves, o momento cobra investimento em mais restrições. “Entendemos a dor e o sofrimento de quem está sem trabalho, mas, neste momento, a dor maior é ver pessoas morrendo ou sequeladas por causa da covid-19”, afirma. Para ela, a recente reabertura do comércio e das atividades não essenciais pode impactar na piora da situação nos próximos dias. “Precisamos de um lockdown de verdade, total”, cobra a médica.
A especialista pede, também, que a população tenha mais consciência. “Sabemos que todos estão cansados, exaustos dessa pandemia, mas precisamos seguir as medidas de segurança e os protocolos sanitários. Só assim vamos sair dessa situação”, alerta. Além do pedido, Joana critica: “Não fizemos o que deveria ser feito. Temos é um negacionismo muito forte, mas preciso frisar que não estamos confortáveis. Este não é o momento de achar que está tudo bem. Os hospitais estão lotados”, completa.
Para ajudar no atendimento de pacientes com covid-19, o Executivo local deve divulgar, esta semana, o resultado preliminar da convocação de profissionais de saúde aposentados. São 250 vagas para atuação na linha de frente. Até o momento, os que mais aderiram foram enfermeiros e técnicos.
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A covid-19 no DF
343.111
Casos confirmados
5.912
Mortes
1.565,4
Média móvel de casos
58,4
Média móvel de mortes
Vacinação
O Distrito Federal tem 297.956 pessoas vacinadas contra a covid-19, sendo que 75 mil receberam as duas doses. O resultado coloca a capital do país em quarto lugar no ranking que considera a campanha nas 27 unidades da Federação, com 9,75% da população atendida. Para hoje, há expectativa de que o Ministério da Saúde envie mais 40 mil imunizantes ao DF. Se isso se confirmar, o grupo prioritário deve ser ampliado, incluindo idosos com 65 e 66, além de profissionais da segurança pública.
Recuperação pode deixar sequelas
Dos mais de 343 mil infectados pela covid-19 no Distrito Federal, 321 mil são considerados “recuperados”, segundo a Secretaria de Saúde (SES-DF). Entretanto, esse processo, em muitos casos, é acompanhado por sequelas. Regina Josino, 49 anos, teve uma trombose venosa cerebral após enfrentar o ciclo de infecção do novo coronavírus. A dentista recebeu o diagnóstico da doença em julho. “Fiquei 14 dias em casa. Uma semana depois, procurei um médico, que pediu um exame para ver a coagulação do meu sangue”, relata.
O resultado mostrou uma alteração preocupante, segundo Regina. “Eu sentia muita dor de cabeça. Precisei fazer uma ressonância, e identificaram a trombose cerebral”, conta. Com o resultado, ela precisou ficar mais duas semanas em uma unidade de terapia intensiva (UTI). “Depois disso, acompanhei o caso com um neurologista tomando um anticoagulante mais potente durante sete meses”, relata.
Para o diretor científico da Sociedade de Infectologia do Distrito Federal, José David Urbaéz, entre 10% e 33% das pessoas que tiveram a covid-19 podem desenvolver sequelas após a recuperação da doença. Além disso, pacientes que precisaram de intubação podem ter problemas mais sérios relacionados, segundo o especialista, principalmente em relação à perda de força muscular ou a problemas pulmonares. “Seria necessário ter uma linha de cuidado bem definida para essas pessoas. Porém, não é o que temos”, observa José David.
O médico Werciley Saraiva Júnior, 37, foi diagnosticado com covid-19 em maio. Depois de passar 15 dias intubado em um hospital da rede particular, recebeu alta. Contudo, passou um período sem forças para fazer atividades básicas do cotidiano. “Nos primeiros dias (após sair do hospital), precisava de ajuda para me levantar, tomar banho e para quase tudo, pois não tinha forças nas pernas ou nos braços”, recorda-se. Pensamento lento e perda de peso também estiveram entre os sintomas. “Precisei fazer fisioterapia e acompanhamento nutricional, para retomar as atividades normais da rotina. Demorou, mas consegui curar grande parte dos sintomas pós-covid”, conta.
O servidor público André Sena, 39, passou a lidar com a perda de memória recente, depois de contrair a covid-19, em julho. “Isso passou a me preocupar demais. Tive de recorrer a aplicativos e ao ioga para me organizar e evitar mais perdas de memória”, conta. No meio deste ano, o morador da Asa Sul terá de repetir uma série de exames, para verificar como está a evolução da sequela. “Mas a atual situação da rede de saúde me preocupa. Dá medo ir a hospitais ou clínicas. Espero que, até julho, o cenário esteja melhor”, diz.
A Secretaria de Saúde informou que tem feito um estudo de viabilidade para criação de um Centro de Reabilitação de sequelados vítimas da covid-19. Além disso, a Rede Sarah criou um programa para atender pessoas com quadros decorrentes da covid-19. Qualquer pessoa pode solicitar atendimento, pelo site www.sarah.br. Uma equipe técnica avaliará cada caso, antes de selecionar os pacientes. Não há limite de vagas, e o tempo de espera é de, no máximo, 20 dias. Até ontem, cerca de 200 pessoas haviam buscado atendimento. (SS)
Colaborou José Carlos Vieira