CIÊNCIA

Estresse na gestação pode provocar danos cerebrais nos bebês

Há o risco de filhos de mulheres submetidas a situações estressoras durante a gravidez sofrerem danos em áreas cerebrais ligadas a emoções, indica estudo americano. Pesquisadores também observam que os impactos variam conforme o sexo dos bebês

Vilhena Soares
postado em 06/04/2021 06:00
 (crédito: Noel Celis/AFP)
(crédito: Noel Celis/AFP)

Uma das recomendações mais frequentes a gestantes é que elas evitem o estresse. Pesquisadores americanos alertam que, caso essa medida não seja seguida, podem ocorrer danos ao cérebro de bebês, especificamente em um circuito neural responsável por lidar com emoções diversas. Os cientistas chegaram a essa conclusão ao acompanhar um grupo de voluntários até completarem 40 anos. Também observaram diferenças nos desdobramentos das alterações cerebrais conforme o sexo. Os dados foram apresentados na revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS). Caso se confirmem, podem ajudar a criar estratégias de prevenção precoce de problemas mentais, além de tratamentos psiquiátricos mais específicos, segundo os autores.

“Sabemos que existe influência do desenvolvimento fetal na origem dos principais transtornos psiquiátricos, como depressão, esquizofrenia e transtorno bipolar. Também sabemos que essas enfermidades estão associadas a anormalidades nos circuitos cerebrais que regulam o estresse. Com base nisso, resolvemos avaliar melhor a evolução dessas áreas neurais ao longo da vida”, conta, em comunicado, Jill M. Goldstein, médica e pesquisadora do Massachusetts General Hospital (MGH), nos Estados Unidos, e principal autora da pesquisa.

Goldstein e sua equipe avaliaram a atividade cerebral de um grupo de 80 voluntários — 40 homens e 40 mulheres — desde a gestação até chegarem aos 40 anos de idade. Durante a pesquisa, os especialistas realizaram análises com a ajuda de um aparelho de ressonância magnética funcional, capaz de medir a atividade neural e mostrar diferenças no fluxo sanguíneo dentro e entre diferentes áreas do cérebro.

Por meio das análises, os pesquisadores observaram que indivíduos que foram menos expostos a citocinas pró-inflamatórias — substâncias produzidas pelo organismo da mãe quando ela passa por situações estressantes — demonstraram atividades mais expressivas em áreas do cérebro responsáveis por lidar com emoções mais intensas. Por exemplo, descobriu-se que níveis maternos mais baixos de fator de necrose tumoral alfa (TNF-alfa), uma citocina pró-inflamatória, estavam significativamente associados a uma maior atividade no hipotálamo, região cerebral que, entre outras funções, regula a liberação de hormônios do estresse, como o cortisol.

Nesse caso, o fenômeno ocorreu independentemente do sexo dos participantes do estudos. Mas houve constatações em que esse fator fez diferença. Níveis mais baixos de TNF-alfa foram associados a uma comunicação mais ativa entre o hipotálamo e o cíngulo anterior apenas em homens. “O cíngulo anterior é uma área do cérebro associada ao controle de impulsos, essencial para lidar com situações que requerem equilíbrio e resiliência”, explicam os autores do estudo. Já em mulheres, a maior exposição pré-natal à interleucina-6, outra citocina inflamatória, foi associada a uma atividade irregular no hipocampo, região importante para o controle da excitação.

“O cérebro masculino e o feminino se desenvolvem de formas distintas. Por isso, acreditávamos que as diferenças poderiam existir, o que se confirmou na nossa análise”, afirmam os cientistas. Segundo a equipe, os dados vistos no estudo podem servir de base para melhores tratamentos médicos. “Se os transtornos psiquiátricos se desenvolvem de forma diferente no cérebro masculino e no feminino, devemos pensar em alvos terapêuticos direcionados para cada sexo, tanto para o tratamento quanto para a prevenção”, explica Goldstein.

Chance de intervenção

Segundo Renata Nayara Figueiredo, médica psiquiatra e presidente da Associação Psiquiátrica de Brasília, o estudo traz dados interessantes, que entram em concordância com questões conhecidas por especialistas da área. “Sabemos que o estresse sofrido pela mãe durante a gestação e até no momento do parto pode gerar danos à saúde das crianças e, especialmente, nos homens, mas não sabemos o porquê dessa diferenciação. Esses dados nos ajudam a entender melhor esses pontos, e isso nos dá ferramentas para prevenir e tratar”, analisa.

“Outra coisa interessante é que o estudo fez um acompanhamento bem longo. Geralmente, alterações comportamentais são percebidas já na infância. Agora, vemos que isso se mantém até os 40 anos. Muito provavelmente, podemos encontrar alguma relação também com problemas como Alzheimer e demência caso essas pessoas sejam avaliadas até a velhice”, indica a especialista brasileira.

A psiquiatra acredita que pesquisas que ajudam a entender melhor os efeitos gerados pela inflamação cerebral ao longo da vida contribuem para que as mães tenham um maior cuidado durante a gestação. “Temos muitas mães que querem trabalhar o máximo que podem durante a gravidez para ter um tempo livre depois do nascimento. Como é mostrado nesse estudo, nós sabemos que isso não é bom. São, portanto, dados que podem ser usados para medidas de políticas públicas voltadas para a prevenção”, ilustra.

Há ainda a possibilidade de direcionar as intervenções dos profissionais da área. “Temos também um auxílio para o tratamento da saúde mental na vida adulta. Com esses dados, saberemos como direcionar o melhor tipo de medicamento com base nessa neuroquímica específica, de acordo com cada gênero”, afirma Renata Figueiredo.

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Palavra de especialista

Um pré-natal mais direcionado

“É um estudo muito interessante. Ele reforça uma questão que muitas pesquisas feitas desde a década de 1980 têm mostrado: que o ambiente intrauterino pode influenciar bastante, da infância à vida adulta. Nesse caso, com impactos no desenvolvimento emocional. Anteriormente, também vimos que a gestação pode interferir em problemas como hiperatividade, deficit de atenção e até o autismo. O que mais chama a atenção, na minha opinião, são essas diferenças para cada sexo, já que, caso elas se confirmem em estudos maiores, que serão necessários, já que esse é um estudo com apenas 80 pessoas, isso pode ser usado durante o pré-natal, na forma como lidamos com a mãe. Ao saber do sexo, vamos ter referências que nos permitem escolher os melhores nutrientes e vitaminas para dar apoio à gestação, escolhidos com base nessas distinções. Será algo muito útil.” Luiz Fernando Petrucce, coordenador da obstetrícia e ginecologia do Hospital Anchieta de Brasília. 

 

 

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