Um clima de indefinição volta a rondar a vacina contra a covid-19 desenvolvida pela Universidade de Oxford e a empresa AstraZeneca. O diretor de Estratégia de Vacinas da Agência Reguladora de Medicamentos europeia (EMA) disse, ontem, que há “um vínculo” entre o imunizante e a ocorrência de casos de trombose, suspeita que levou à suspensão temporária do uso do fármaco em países da Europa, no mês passado, e despertou dúvidas quanto a sua segurança. A declaração foi feita informalmente por Marco Cavaleri durante uma entrevista e menos de um mês depois de a agência ter assegurado a segurança do fármaco. Pouco tempo depois, em um comunicado oficial, a EMA declarou que ainda não existe um parecer conclusivo sobre o tema e que um relatório deve ser divulgado até quinta-feira. Em resposta, a Organização Mundial da Saúde (OMS) defendeu o uso da fórmula britânica e voltou a ressaltar que a aplicação das doses apresenta mais vantagens do que prejuízos.
“Não há evidência de que o balanço risco/benefício deva ser modificado (…) Essas vantagens são verdadeiramente importantes em termos de redução da mortalidade entre a população vacinada”, disse o diretor de Regulação da agência das Nações Unidas, Rogério Pinto de Sá Gaspar. O representante da OMS também lamentou o que classifica como uma tendência excessiva de destacar os riscos. “Precisamos restabelecer o equilíbrio (da nossa mensagem) com os benefícios trazidos pela vacina”, justificou. A AstraZeneca também defende que as vantagens da vacina superam os riscos de efeitos colaterais. No último sábado, o grupo declarou, em um comunicado, que a “segurança dos pacientes” é sua “principal prioridade”.
Em entrevista ao jornal italiano Il Messaggero, Marco Cavaleri disse que era “clara” a ligação entre a vacina Oxford/AstraZeneca e a complicação sanguínea. “Agora, podemos afirmar: está claro que há um vínculo com a vacina, que provoca essa reação. Mas ainda não sabemos o porquê (...) Em resumo, nas próximas horas, vamos declarar que existe um vínculo, mas ainda temos que entender como acontece”. Segundo o diretor, a agência busca traçar “um quadro preciso do que está acontecendo, para definir a síndrome” derivada da vacinação com a fórmula britânica. “Entre as pessoas vacinadas, registrou-se um número superior ao que esperávamos de casos de trombose cerebral em jovens. Vamos ter que afirmar isso”, disse. Em nota enviada à Agência France-Presse (AFP) de notícias, o Comitê de Segurança da agência europeia afirmou “ainda não ter chegado a uma conclusão” sobre o tema.
Para Renato Kfouri, diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), mesmo que seja comprovado que a vacina pode gerar coágulos sanguíneos, os efeitos positivos do imunizante se sobressaem, o que reforça a necessidade de dar prosseguimento à sua aplicação. “São dúvidas válidas que precisam ser investigadas, mas, nesse cenário específico, temos uma situação que não é preocupante. Até agora, os casos de trombose registrados são muito poucos, digamos que, para cada 1 milhão de imunizados, um episódio de trombose é registrado, e, quando eles surgem, na maioria das vezes, esse dano é tratado com sucesso. A vacina protege muito mais do que prejudica. Ela evita que mais de mil mortes aconteçam por dia, que é o cenário que temos hoje no Brasil, por exemplo”, justifica.
Kfouri explica que muitos imunizantes podem gerar efeitos colaterais, mas, com a vigilância especializada, a situação é controlada e os imunizantes realizam a principal tarefa: combater doenças. “Não só as vacinas, outros medicamentos podem gerar problemas. Por isso, sempre estamos avaliando, não é algo para temer. Todo o trabalho feito por esses órgãos responsáveis é para nos ajudar a entender melhor essas terapias e usá-las da melhor forma. Caso a gente descubra que um grupo específico não deve tomar determinada vacina, usaremos outra”, detalha.
Hipóteses
Segundo Lorena de Castro Diniz, coordenadora do Departamento Científico de Imunização da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (Asbai), para determinar que os coágulos foram provocados pela vacina, é necessária uma pesquisa extremamente apurada, algo que demanda tempo. A especialista explica que existem algumas teorias com relação à fórmula britânica, mas, até agora, nenhuma se mostrou adequada. “Há a hipótese de que os coágulos podem estar sendo causados pela pequena parte do vírus usada para fazer essa vacina. Ela desencadearia uma resposta chamada cascata de coagulação, capaz de gerar trombos. Porém, são poucas as chances disso acontecer, porque muitos outros imunizantes são feitos com a mesma tecnologia e o mesmo efeito não é registrado”, relata.
Há, ainda, a possibilidade de características individuais influenciarem a ocorrência dos coágulos, de acordo com Lorena Diniz. “Esses casos podem estar ocorrendo em pacientes que já têm algum risco de apresentar esse problema de saúde, seja pela genética, seja pela forma que vivem. E isso coincidiu com a vacinação. Temos também que considerar a idade dos vacinados e a forma como estamos vivendo atualmente, sem se exercitar. Tudo isso pode aumentar o risco desses problemas ocorrerem.”
A médica brasileira acredita que esse tipo de avaliação se torna ainda mais difícil de ser feita no cenário atual, já que as vacinas para a covid-19 estão sendo usadas de forma universal, em pessoas com perfis completamente distintos. “Isso nunca foi feito na história. Todas as pessoas, de diferentes idades, etnias e regiões estão sendo vacinadas. Por isso, fica difícil avaliar se um determinado evento está relacionado ao uso do imunizante”, enfatiza.
Lorena Diniz espera que novos estudos ajudem no entendimento dos possíveis efeitos colaterais dessa e de outras vacinas para a covid-19. “É importante esse tipo de avaliação para garantir a segurança do imunizante. É possível que essa relação seja descartada quando análises mais apuradas forem feitas. Mas só saberemos isso com uma investigação muito bem aprofundada.”
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Suspensos testes em crianças
A Universidade de Oxford anunciou ontem que suspendeu os ensaios clínicos com crianças usando a vacina desenvolvida em parceria com a AstraZeneca. Segundo a instituição, eles vão esperar uma decisão da agência de medicamentos britânica quanto ao risco de complicações sanguíneas. “Embora não haja preocupação em torno da segurança do teste clínico pediátrico, aguardamos as informações complementares da agência reguladora britânica (MHRA) sobre os casos raros de trombose em adultos reportados”, informa o comunicado. A MHRA investiga 30 casos de trombose entre vacinados no país, sendo sete fatais. Mais de 18 milhões de doses do fármaco foram aplicadas no Reino Unido. “As pessoas devem continuar se vacinando quando forem convidadas”, orientou a representante da MHRA, June Raine, em comunicado.