CIÊNCIA

Cérebro moderno tem ao menos 1,7 milhão de anos, cravam pesquisadores

Análise avançada do crânio de fósseis encontrados na África mostra que a evolução do órgão humano se deu antes do estimado. Até então, acreditava-se que o processo que nos distanciou dos primeiros espécimes do gênero ocorreu por volta de 700 mil atrás

Paloma Oliveto
postado em 09/04/2021 06:00
 (crédito: Ponce de Leon/Divulgação)
(crédito: Ponce de Leon/Divulgação)

Andar sobre duas pernas, perder a cauda e não ter mais o corpo coberto de pelos não foram os principais elementos que, na evolução da humanidade, levaram ao surgimento do homem moderno. Há 2,5 milhões de anos, os primeiros espécimes do gênero Homo já eram assim. Porém, uma diferença drástica os aproximava mais dos macacos primitivos do que da nossa espécie: seus cérebros diminutos, da metade do tamanho do de um ser humano.

O aumento do volume cerebral, esse sim, é considerado a principal transformação que, na escala evolutiva, permitiu a existência do Homo sapiens. A reorganização do órgão levou à especialização de áreas, traduzida em capacidades cognitivas não vistas nos ancestrais mais antigos. Quando isso aconteceu permanecia um mistério porque, diferentemente dos ossos, o cérebro não fossiliza. Agora, uma equipe internacional de pesquisadores afirma, na revista Science, que a evolução do cérebro ocorreu entre 1,7 milhão e 1,5 milhão de anos atrás e foi sofrendo novas adaptações até que, há 200 mil anos, o homem moderno, finalmente, saiu do forno. Até agora, acreditava-se que a evolução do órgão tinha acontecido por volta de 700 mil a 500 mil anos atrás.

Os pesquisadores usaram a tomografia computadorizada para examinar os crânios de fósseis de Homo que viveram na África e na Ásia, entre 2 e 1 milhão de anos atrás. Em seguida, compararam os dados fósseis com informações de referência de grandes macacos e de humanos. Assim, conseguiram detectar que o maior volume cerebral já estava presente em hominídeos habitantes de Dmanisi (onde hoje é a Geórgia) há 1,7 milhão de anos.

Maria Ponce de León, do Departamento de Antropologia da Universidade de Zurique e principal autora do artigo, explica que, embora longe de terem as habilidades cognitivas do homem moderno, esses espécimes já eram capazes de fabricar diversas ferramentas, necessárias para sobreviver às novas condições climáticas da Eurásia, mais quente e com novas fontes de alimentos que exigiam adaptações tecnológicas.

Segundo Ponce de León, durante esse período, as populações ancestrais se tornaram mais complexas e diversificadas, o que pode ser constatado pela descoberta de vários tipos de ferramentas de pedra. “É provável que as primeiras formas da linguagem humana também se tenham desenvolvido durante esse período”, diz. Fósseis encontrados em Java, na Indonésia, fornecem evidências de que as novas habilidades cognitivas surtiram efeitos práticos: pouco tempo depois de surgirem na África, já estavam migrando para o sudeste da Ásia.

Pensamento complexo

A pesquisadora esclarece que, além do tamanho, o cérebro humano difere do dos grandes macacos na localização e na organização de regiões individuais. “As características típicas dos humanos são principalmente as regiões do lobo frontal, responsáveis pelo planejamento e pela execução de padrões complexos de pensamento e ação e, em última instância, também pela linguagem”, observa. Como essas áreas são significativamente maiores no cérebro humano, as regiões cerebrais adjacentes se deslocaram mais para trás quando o órgão evoluiu em tamanho.

Reconstruir a cronologia e o modo de evolução do cérebro dos hominídeos requer um bom conhecimento dessas mudanças sutis, observa a paleontóloga Amélie Beaudet, da Universidade Autônoma de Barcelona, que não participou da pesquisa. “Nesse aspecto, a parte inferior do lobo frontal, onde se localiza a área de Broca, tem sido foco de investigações e intensas discussões”, diz. “Além de ser um marco crítico para a reorganização do cérebro, ela desempenha um papel fundamental na produção e na compreensão da linguagem, cuja evolução é um tema igualmente intrigante. A área de Broca dos humanos difere estruturalmente da de nossos parentes vivos mais próximos, os chimpanzés e bonobos”, explica.

Segundo a especialista, esses dois animais têm um sulco diferente nessa região, denominado sulco fronto orbital. “Isso está ausente em humanos, que, em vez disso, têm dois sulcos verticais. Em estudos evolutivos humanos, presume-se que os cérebros dos chimpanzés e dos bonobos se aproximam mais da condição primitiva do dos hominídeos.” O surgimento do sulco único, diz Beudet, pode ser interpretado como o primeiro passo da organização do cérebro humano.

Mas Christoph Zollikofer, também pesquisador da Universidade de Zurique e coautor do estudo, diz que, até agora, era difícil fazer essa análise. “Como as impressões deixadas pelos sulcos nas superfícies internas dos crânios fósseis variam consideravelmente entre os indivíduos, não era possível determinar claramente se um fóssil de Homo em particular tinha um cérebro mais semelhante ao de um macaco ou um mais humano”, afirma. De acordo com ele, as tomografias computadorizadas dos crânios estudados permitiram, pela primeira vez, fazer essa diferenciação, determinando que o cérebro humano surgiu há 1,7 milhão de anos.

 

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