Pesquisas apostam em nova frente de combate contra o câncer de cérebro

Cientistas identificam em pacientes de glioblastoma multiforme com sobrevida superior à média, os chamados excepcionais, alterações genéticas que podem ser alvo de tratamentos mais eficazes. Correção experimental em ratos tem resultados promissores

Paloma Oliveto
postado em 25/04/2021 06:00
 (crédito: Valdo Virgo/CB/D.A Press)
(crédito: Valdo Virgo/CB/D.A Press)

O diagnóstico de glioblastoma multiforme, ou de grau IV, oferece, hoje, poucas expectativas de tratamento eficaz. Diferentemente do tipo de câncer cerebral, que começa menos agressivo e evolui aos poucos, esse é resistente aos quimioterápicos, reduzindo as chances de uma sobrevida mais longa. Porém, um pequeno grupo de pacientes — menos de 10% — reage bem aos medicamentos e vive, no mínimo, três vezes mais que a média das pessoas com a doença. Neles pode estar a esperança de uma nova abordagem terapêutica, segundo um estudo publicado na revista Proceedings of the National Academy of Sciences (Pnas).

Os chamados respondentes excepcionais são considerados o calcanhar de Aquiles de diversos tipos de câncer cujo prognóstico não é favorável. Esses pacientes estão oferecendo pistas para as bases de um tratamento personalizado, voltado para a correção de mutações genéticas. No caso do glioblastoma, essas peças que faltam no quebra-cabeça são fundamentais porque a expectativa de vida após o diagnóstico é de apenas 15 meses, em média. Na literatura médica, há relatos, porém, de pessoas que viveram mais de 10 anos com a doença.

Para desvendar o alvo de um futuro tratamento eficaz para o glioblastoma, pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade de Minnesota, nos EUA, estudaram o perfil genético do tumor de 900 respondentes excepcionais. As informações estavam em bancos de dados mundiais e foram reunidas pela equipe liderada por Clark Chen, chefe do Departamento de Neurologia e principal autor do estudo. “A base molecular dessas respostas excepcionais pode ser a chave para transformar a esperança de ‘milagres’ em uma verdadeira cura para pacientes com glioblastoma”, diz.

O tratamento desse câncer exige uma cirurgia para retirada da maior parte possível do tumor. Essas amostras são perfiladas geneticamente e suas informações, compartilhadas em bancos de dados. Aaron Sarver, do Instituto de Informática em Saúde da Universidade de Minnesota, utilizou técnicas avançadas de análise das informações para descobrir o que havia de diferente nos tecidos cancerosos dos pacientes excepcionais. As pistas estavam em células que têm como missão reconhecer e matar aquelas que não deveriam estar presentes no cérebro saudável, as micróglias e os macrófagos.

Esses grupos celulares fazem parte do sistema imunológico e são especializados na caça ao câncer. Normalmente, elas migram para locais em que há células cancerosas e as cercam, o que explica por que mais da metade de uma amostra de glioblastoma seja composta por micróglias e macrófagos. A expectativa dos cientistas era de que, nos pacientes excepcionais, houvesse uma quantidade ainda maior. “Se a microglia e os macrófagos normalmente protegem contra as células cancerosas, ter um número maior delas deveria fazer com que o organismo protegesse melhor o tumor. Portanto, esperávamos ver mais delas em respondedores excepcionais. No entanto, descobrimos o contrário”, diz Jun Ma, pesquisador do Departamento de Neurocirurgia e coautor do estudo.

O que os cientistas viram foi uma estratégia inteligente das células cancerosas. Em vez de serem perseguidas e mortas pelas do sistema imunológico, elas conseguem reprogramar micróglias e macrófagos para que eles se tornem aliados. Assim, as células do sistema imunológico ajudam a promover o crescimento do tumor.

“É assustador considerar a possibilidade de que as células cancerosas possam fazer uma ‘lavagem cerebral’ em nossas próprias células imunológicas e convertê-las de células que lutam contra o câncer nas que promovem o câncer”, afirma, em nota, Judith Varner, coautora sênior do estudo e professora de patologia na Universidade da Califórnia, em San Diego. “Felizmente, descobrimos como as células de glioblastoma subvertem nosso sistema imunológico e, agora, podemos reverter essa versão celular da ‘síndrome de Estocolmo’”, compara. A síndrome de Estocolmo é uma reação psicológica que ocorre quando reféns ou vítimas de abusos se aliam aos sequestradores/abusadores para protegê-los.

O perfil genético dos tumores dos pacientes excepcionais revelou que as células tumorais dessas pessoas têm uma mutação no gene PI3Ky, já associada anteriormente a alguns tipos de câncer. A ativação da proteína é que transforma micróglias e macrófagos em aliados do câncer. Nesses pacientes, a PI3Ky não estava ativada. Drogas capazes de silenciá-la, em tese, poderiam devolver às células do sistema imunológico sua função original.

Para testar a hipótese, os cientistas fizeram estudos com modelos camundongos com glioblastoma. Medicamentos desenvolvidos no laboratório de Judith Varner foram capazes de desativar o gene. Isso fez com que os animais respondessem bem à quimioterapia, indicando que a abordagem poderia transformá-los em respondentes excepcionais. “Em nossos modelos animais de glioblastoma, o tratamento com drogas direcionadas ao PI3Ky resultou consistentemente em respostas impressionantemente duráveis à quimioterapia. Estamos ansiosos para traduzir essas descobertas em um teste em humanos, com a esperança de transformar cada paciente de glioblastoma em um paciente excepcional”, diz Chen.

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Chance de intervenção em outros tumores

As bases moleculares dos respondentes excepcionais poderão oferecer pistas para o tratamento de diversos outros tipos de câncer. No fim do ano passado, a revista Cancer Cell publicou um artigo do Instituto Nacional do Câncer dos Estados Unidos que analisou o perfil de 111 tumores, como o glioblastoma e o de mama. O estudo identificou alterações genéticas que poderão ser novos alvos terapêuticos. A maioria dos pacientes tinha cânceres metastáticos, mais difíceis de tratar, e, ainda assim, apresentaram respostas duradouras.

“Como pesquisadores clínicos, temos muito a aprender com esses pacientes, e eles têm muito a nos ensinar”, disse, em nota, Percy Ivy, da Divisão de Diagnóstico e Tratamento do Câncer do INC, que coliderou a pesquisa. “O conhecimento adquirido com o estudo de respondedores excepcionais pode ajudar a informar como cuidaremos dos pacientes no futuro e nos ajudará a chegar mais perto do objetivo da oncologia de precisão.”

O artigo inclui históricos médicos detalhados e amostras de tumores de 111 pacientes que receberam tratamentos padrão, como a quimioterapia. Eles foram identificados pela Iniciativa de Respondentes Excepcionais do INC, um projeto nacional que visa coletar amostras e analisar os dados necessários para entender melhor a base biológica de respostas excepcionais no câncer.

Mais estudos

Para 26 dos 111 pacientes (24%), os pesquisadores conseguiram identificar características moleculares capazes de explicar respostas excepcionais ao tratamento, como a ocorrência de múltiplas alterações genéticas raras no genoma do tumor ou a infiltração do câncer com certos tipos de células do sistema imunológico.

No estudo, os mecanismos por trás das respostas excepcionais se enquadram em várias categorias, incluindo a capacidade do corpo de reparar danos do DNA e a resposta do sistema imunológico aos tumores. Outra categoria descreveu combinações raras de alterações genômicas que resultaram na morte de células tumorais durante o tratamento — conceito conhecido como letalidade sintética.

Os resultados e as hipóteses levantadas durante a análise retrospectiva precisarão ser confirmados por estudos maiores, de acordo com os pesquisadores. Mas, se confirmadas, as descobertas podem fornecer pistas para os cientistas que tentam desenvolver tratamentos focados no calcanhar de Aquiles das células tumorais, como as encontradas em alguns respondedores excepcionais. (PO)

Artigo

 (crédito: Arquivo Pessoal)
crédito: Arquivo Pessoal

Poucos avanços

O tratamento padrão para o glioblastoma multiforme consiste em cirurgia com redução máxima da lesão, seguida de rádio e quimioterapia com uma medicação chamada temozolamida. Nos últimos anos, não houve avanços importantes nas opções terapêuticas, e a maioria dos pacientes tem recidiva da doença em um curto espaço de tempo.

Algumas mutações, apesar de raras, devem ser investigadas no tecido tumoral, como mutação do BRAF e a fusão do NTRK. Porém, terapias-alvo (como vemurafenib e larotrectinibe, respectivamente) para combater alterações moleculares não estão amplamente disponíveis. Vários estudos in vitro são realizados frequentemente; porém, poucos viabilizam drogas com chance real de controle dessa neoplasia.

A hiperativação da via fosfatidilinositol 3-quinase (PI3K)/Akt é frequentemente encontrada em uma variedade de cânceres, incluindo o glioblastoma multiforme. Essa alteração desempenha um papel central na regulação da sobrevivência, crescimento, motilidade, angiogênese e metabolismo das células tumorais.

Numerosos inibidores de PI3K exibiram resultados pré-clínicos favoráveis e entraram em ensaios clínicos em uma variedade de malignidades hematológicas e tumores sólidos. Além disso, a combinação de inibidores que visam PI3K e outras vias relacionadas podem ajudar na supressão do crescimento do tumor e melhorar o prognóstico dos pacientes. Atualmente, apenas alguns inibidores de PI3K estão em ensaios clínicos iniciais de fase I/II para o tratamento de glioblastoma multiforme.

Marcelo Uchôa, oncologista da Oncoclínicas Brasília

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