Jornal Correio Braziliense

Ciência

Mudança climática também era um desafio para os povos antigos

Cientistas destrincham estratégias desenvolvidas por populações do passado para enfrentar adversidades como queda brusca de temperatura e aridificação. A aposta é de que as medidas da antiguidade nos inspirem a solucionar problemas ambientais futuros

Com a aceleração das mudanças climáticas, a sociedade tem enfrentado adversidades ambientais severas, que devem ser ainda mais frequentes nos próximos anos. Populações antigas viveram desafios semelhantes, mas pouco se sabe sobre como lidaram com essa situação. Pesquisadores internacionais resolveram investigar esse capítulo da história humana e descobriram que os antigos demonstravam alto nível de resiliência ao adotar estratégias eficazes, como o plantio de diferentes alimentos e alterações no comércio. Cientistas acreditam que esses dados podem ajudar a melhorar o gerenciamento de desafios ambientais futuros e reduzir a intensa destruição do meio ambiente em longo prazo.

Paleontólogos e historiadores estudam mudanças climáticas do passado constantemente, mas os casos em que as sociedades entraram em colapso devido a fenômenos desse tipo geralmente são os que mais ganham destaque nas pesquisas. Especialistas internacionais resolveram realizar uma análise a partir de uma perspectiva diferente: tendo como principal foco grupos que conseguiram sobreviver a obstáculos gerados pelas alterações ambientais.

“Grande parte das investigações dessa área está concentrada apenas nos desastres. Nosso objetivo é mudar um pouco esse cenário e também encorajar outros pesquisadores a fazer o mesmo, que é decifrar as estratégias que permitiram que as populações do passado sobrevivessem às mudanças do clima”, diz Dagomar Degroot, professor-associado de história ambiental da Universidade de Georgetown, nos Estados Unidos, e principal autor do estudo, publicado na revista Nature.

Degroot e sua equipe montaram um questionário com indagações construídas a partir de disciplinas ligadas à temática, como arqueologia, geografia, história e paleoclimatologia. As perguntas serviram como um roteiro investigativo para o grupo, que revisou estudos arqueológicos relacionados ao período da Pequena Idade do Gelo, entre os anos de 1300 até 1850, em todo o Hemisfério Norte.

Embora tenham ocorrido diversas dificuldades durante esse período, desencadeadas pelas baixas temperaturas constantes, com cerca de 4°C durante o verão, as populações se adaptaram bem. Segundo os cientistas, foram usadas estratégias simples, mas eficazes. Comunidades que viviam na região do Mediterrâneo Oriental, que abrange a Grécia e o Egito, são um dos exemplos. “Observamos que muitas construções da região utilizavam sedimentos de lagos e espeleotemas (formações rochosas retiradas de dentro de cavernas). São materiais usados como substitutos de produtos que não estavam disponíveis por causa do inverno, que impediu o florescimento de muitas árvores usadas nessa tarefa”, detalham os autores do artigo.

Outro ponto de destaque é relacionado à agricultura. Segundo o grupo de estudiosos, o aumento de chuvas em algumas regiões fez com que o cultivo de alimentos fosse prejudicado, o que motivou um investimento na produção de cereais e atividades pastorais. Grupos da elite investiram nesses nichos e, com o resultado das vendas, financiaram a construção de represas e de outras infraestruturas que permitiram a gestão do uso da água de forma mais eficaz.

“As histórias de sucesso demonstram que as condições climáticas adversas não levam necessariamente ao colapso ou a dificuldades sociais. Essa sociedade bem organizada e cheia de recursos foi capaz de se adaptar e explorar as novas oportunidades”, afirma, em comunicado, Adam Izdebski, do Instituto Max Planck de Ciências da História Humana, na Alemanha, e um dos autores do estudo.

Olhar multidisciplinar

Jefferson Cardia Simões, professor e pesquisador do Centro Polar e Climático (CPC) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), destaca que o estudo mostra dados interessantes, coletados por meio de uma estratégia inteligente. “Essa pesquisa reforça algo que temos visto na área. Não basta estudar apenas as variações do meio ambiente para entender períodos da história, outros fatores são importantes, como as características de cada local, o desenvolvimento socioeconômico e as diferentes culturas dos grupos analisados”, justifica. “Por isso, é importante que essa investigação multidisciplinar ocorra em sintonia com as pesquisas arqueológicas, que compõem o nosso arquivo natural.”

O brasileiro lembra que, antes do século 19, os especialistas acreditavam que tudo estava ligado ao meio ambiente. “Pouco depois, muitos passaram a dizer que o clima não afetava em quase nada, e, mais recentemente, a partir do século 20, teve início a defesa desse tipo de análise mais completa, que parece ser a mais adequada até agora. É ela que consegue refletir de forma mais fiel o passado”, afirma.

Os autores do estudo enfatizam que as adaptações bem-sucedidas dos grupos antigos se relacionaram a mudanças no clima com menor magnitude do que as atuais. “É claro que, com o aumento da temperatura que enfrentamos no século 21, as medidas de adaptação devem ser diferentes e muito mais ambiciosas, o que reforça a necessidade de reduzir as emissões de CO2 o mais rápido possível”, frisa Izdebski. “Com essa estrutura de pesquisa, esperamos ajudar outros pesquisadores a encontrarem conexões mais diversas entre o clima e a sociedade, que nos levem a uma compreensão mais realista do passado e um melhor guia para o futuro”, completa Degroot.

Roberto Ventura Santos, do Instituto de Geociências da Universidade de Brasília (UnB), avalia que o estudo esmiúça reações das comunidades a um fenômeno que a humanidade lidará para sempre. “É uma pesquisa que mostra uma visão muito antropológica sobre mudanças que podem ocorrer a qualquer momento. A diferença é que, no passado, elas não foram desencadeadas pela ação negativa dos humanos à natureza, que é o que ocorre hoje e deixa a nossa situação bem mais difícil”, compara.


"Com essa estrutura de pesquisa, esperamos ajudar outros pesquisadores a encontrarem conexões mais diversas entre o clima e a sociedade, que nos levem a uma compreensão mais realista do passado e um melhor guia para o futuro”

Dagomar Degroot, professor-associado de história ambiental da Universidade de Georgetown