PANDEMIA

Covid-19: entenda como o novo coronavírus afeta o fígado

A covid-19 é muito mais do que uma gripe sazonal. Pode causar danos irreparáveis ao cérebro, coração, sistema circulatório e renal.

BBC
Francisco Javier Cubero Palero e Yulia Alexandrowna Nevzorova - The Conversation*
postado em 14/05/2021 14:18 / atualizado em 14/05/2021 14:19

O SARS-CoV-2, vírus causador da covid-19, mudou completamente a cara do mundo que conhecíamos até então.

Ele afetou praticamente todos os aspectos da vida cotidiana e causou mudanças substanciais nas ciências da saúde e, portanto, na medicina.

Talvez, pela primeira vez, médicos e cientistas de diferentes especialidades tenham trabalhado juntos na investigação dessa doença, coletando e compartilhando informações em uma velocidade vertiginosa.

Na verdade, a covid-19 e seus inesperados efeitos em vários órgãos levaram profissionais de saúde do mundo todo a um território totalmente inexplorado.

Surgiu a necessidade urgente de fornecer cuidados multidisciplinares às pessoas infectadas.

Lesões hepáticas causadas pelo coronavírus

No início da pandemia, os especialistas pensavam que a covid-19 era principalmente uma doença respiratória. Se esperava que afetasse o nariz, a garganta e os pulmões, de forma semelhante ao vírus da gripe.

No entanto, a covid-19 é muito mais do que uma gripe sazonal. Pode causar danos irreparáveis ao cérebro, coração, sistema circulatório e renal.

Mas como o vírus afeta o órgão mais volumoso e um dos mais importantes da nossa anatomia, o fígado? Ele é vulnerável à covid-19?

A análise dos dados coletados de mais de 700 pacientes com PCR positivo no Hospital Universitário 12 de Outubro de Madri, na Espanha, mostrou que mais de 75% deles apresentavam níveis anormalmente elevados de enzimas hepáticas no momento que deram entrada na unidade.

Isso levanta a suspeita de que o fígado é afetado, pelo menos temporariamente.

Além disso, se observou que esses pacientes com alterações nos marcadores de função hepática apresentavam um prognóstico pior.

Este é um dos primeiros estudos na Espanha a lançar luz sobre as possíveis complicações relacionadas à covid-19.

E nos permite colocar a presença de lesão hepática prévia como um marcador de prognóstico da infecção por SARS-CoV-2.

Como o coronavírus ataca o fígado?

Curiosamente, o vírus não pode invadir diretamente as células do fígado, uma vez que elas não possuem ACE2, a proteína que a covid-19 usa como porta de entrada.

Coronavírus
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Quem tem doenças hepáticas crônicas, como cirrose, pode ter um risco maior de desenvolver complicações graves em decorrência da covid-19

No entanto, os pacientes com covid-19 apresentam a chamada "tempestade de citocinas", em que as células do sistema imunológico se infiltram e atacam diferentes órgãos, incluindo o fígado.

Em outras palavras, o dano hepático observado não parece ser uma consequência direta do vírus, mas sim da resposta inflamatória do sistema.

Elevações semelhantes nos parâmetros da função hepática são observadas em outras infecções respiratórias, como a gripe.

Por isso, é considerado nada mais do que um 'efeito colateral' relacionado a interações imunológicas que ocorrem no fígado.

Outro ponto importante é que o fígado é uma fábrica de moléculas essenciais para a coagulação do sangue.

Isso significa que, quando o fígado está comprometido, afetará diretamente a coagulação.

De fato, um dos principais riscos associados à infecção por covid-19 são as complicações trombóticas ou circulatórias.

Em nosso estudo, aproximadamente de 10% a 36% dos pacientes com alterações hepáticas apresentaram problemas de coagulação sanguínea.

Além disso, como o fígado está ativamente envolvido no metabolismo dos medicamentos usados ??em pacientes com covid-19, a função hepática pode ser afetada após o tratamento.

Por isso, a medicação deve ser cuidadosamente considerada pelos médicos.

Ou seja, será importante avaliar a toxicidade dos medicamentos, uma vez que o fígado é responsável pelo metabolismo desses tratamentos.

Maior risco para pacientes com lesão hepática prévia

É razoável supor que os pacientes com covid-19 que já sofrem de doenças hepáticas crônicas, como cirrose ou hepatite B viral, apresentam um risco maior de complicações graves.

De fato, um estudo realizado em parceria com o Instituto Nacional de Ciências Médicas e Nutrição Salvador Zubirán, na Cidade do México, demonstrou claramente que pacientes com cirrose têm definitivamente mais risco de desenvolver a forma grave da covid-19.

Ampolas em laboratório
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Como o fígado está envolvido no metabolismo dos medicamentos usados em pacientes com covid-19, a função hepática também pode ser afetada após o tratamento

Além disso, essas pessoas precisam de ventilação com oxigênio com mais frequência.

Esta informação é especialmente valiosa, visto que aproximadamente 29 milhões de cidadãos europeus sofrem de diferentes doenças hepáticas crônicas.

Os estudos internacionais mencionados acima abrem a possibilidade de incluir mais um grupo de pacientes de alto risco na lista de vacinação prioritária contra o vírus SARS-CoV-2.

Por tudo isso, pode-se dizer que, embora o fígado não seja o protagonista no drama dos pacientes com covid-19, é, sem dúvida, um ator coadjuvante notável.

Portanto, podemos dizer que, sem dúvida, a pandemia mudou globalmente o mundo e as ciências da saúde.

Todos nós fazemos parte de uma equipe. A sociedade está usando máscaras. Os médicos trabalham incansavelmente para tratar as pessoas com covid-19. Os cientistas estão continuamente identificando novos alvos terapêuticos que podem servir como tratamento.

A mensagem está clara, médicos e pesquisadores de diferentes especialidades devem se unir e compartilhar experiências e informações e atender às necessidades crescentes dos pacientes com covid-19.

Somente a sinergia e o trabalho em equipe são capazes de derrotar o inimigo comum, que é a pandemia.

* Francisco Javier Cubero Palero é pesquisador e professor de imunologia da Universidade Complutense de Madri, na Espanha.

Yulia Alexandrowna Nevzorova é pesquisadora em fisiologia hepática do Departamento de Imunologia, Oftalmologia e Otorrinolaringologia da Universidade Complutense de Madri.

Este artigo foi publicado originalmente no site de notícias acadêmicas The Conversation e republicado aqui sob uma licença Creative Commons. Leia aqui a versão original (em espanhol).


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