Onde há fumaça...

Pesquisas ligam o uso dos cigarros eletrônicos à ocorrência de danos respiratórios, como asma e chiados no peito. Especialistas alertam que os resultados reforçam a importância da adoção de medidas educativas quanto ao uso desses dispositivos, principalmente entre os jovens

Vilhena Soares
postado em 22/05/2021 18:38

O uso de cigarros eletrônicos tornou-se popular em diversos países — algo muito impulsionado pelas promessas de que eles não provocariam os mesmos prejuízos que o fumo tradicional e até ajudariam as pessoas a se livrarem do tabagismo. No entanto, pesquisas científicas têm indícios de que esse dispositivo pode, sim, afetar a saúde respiratória. Cientistas observam que usuários apresentam taxas significativas de problemas como falta de ar, tosse, chiados e dor no peito. Estudos experimentais também mostram prejuízos em tecidos pulmonares de animais expostos ao vapor emitido por esses aparelhos. Por isso, especialistas defendem que os e-cigarros deixem de ser usados, inclusive porque eles podem prejudicar o organismo no combate à covid-19.

De acordo com o último levantamento feito sobre o uso de tabaco, divulgado em 2019 pela Organização Mundial da Saúde (OMS), há pelo menos 367 milhões de usuários de e-cigarros no planeta, e esse número segue em alta principalmente entre os mais jovens. “À medida que mais produtos, incluindo maconha e vários aparelhos de cigarros eletrônicos, entram no mercado, avaliar a saúde respiratória é importante tanto em adolescentes quanto em jovens adultos, especialmente na faixa entre 14 e 21 anos”, alerta, em comunicado, Alayna P. Tackett, professora-assistente de medicina preventiva na Universidade da Califórnia do Sul, nos Estados Unidos.

Para entender melhor os efeitos dos e-cigarros, Tackett e sua equipe pediram a um grupo de 2.931 adolescentes e jovens adultos que respondessem a um questionário on-line sobre o uso desse dispositivo, além de perguntas sobre sintomas de asma e outros problemas respiratórios sentidos nos 30 dias anteriores à realização da sondagem (em agosto de 2020). Após controlar variáveis como idade, sexo e etnia, a equipe concluiu que o uso de cigarro eletrônico foi associado a maiores ocorrências de asma, chiado e falta de ar, em comparação a participantes que relataram nunca ter usado o aparelho.

A prevalência de sintomas de asma (dor no peito e tosse), chiado e falta de ar foi de 24%, 13% e 20%, respectivamente. Essa relação se manteve igual mesmo depois de a equipe controlar estatisticamente a quantidade de usuários de e-cigarros que disseram também consumir cigarro normal ou maconha. Também observou-se que, após 30 dias sem usar essas duas substâncias, os relatos de sintomas de asma diminuíram, mas os de falta de ar e de aumento da respiração ofegante se mantiveram.

Para os cientistas, os dados acendem um alerta quanto aos risco de uso dos dispositivos eletrônicos e reforçam a necessidade da realização de mais estudos sobre o tema. “Sibilo (chiado) e falta de ar são apenas dois indicadores para avaliar a saúde respiratória”, enfatiza Tackett. “Essa pesquisa preliminar destaca a necessidade de mais investigações que incorporem avaliações objetivas da saúde respiratória para determinar ainda mais os riscos respiratórios específicos dos cigarros eletrônicos. Também precisamos entender melhor as relações complexas entre esses produtos — por exemplo, se a associação de vários deles, de diferentes marcas e modelos, pode ser ainda mais prejudicial.”

Ansiedade
Um segundo estudo feito no Canadá mostra que, além dos danos à saúde respiratória, esses aparelhos estão ligados a prejuízos mentais. Os investigadores usaram contatos e dados médicos de 17.190 indivíduos com 12 anos ou mais, participantes de uma grande pesquisa médica sobre saúde e comportamento. Os especialistas observaram que os usuários de cigarros eletrônicos (3%) sofriam um risco 19% maior de ter asma. No caso dos fumantes, a taxa era de 20%. E no dos ex-fumantes, 33%.

Os cientistas também observaram que 15% dos usuários de e-cigarros consideram ter a saúde mental de moderada a ruim, contra 7% dos indivíduos que não usavam o dispositivo. “Embora a vaporização possa não causar estresse, parece que a compulsão pelo vapor pode ser desencadeada por estresse e ansiedade, tornando mais difícil para quem usa cigarro eletrônico parar de fumar. Isso pode ser particularmente relevante durante a pandemia, quando o estresse e a ansiedade são altamente prevalentes”, afirma Teresa To, pesquisadora do Hospital for Sick Children e uma das autoras da pesquisa, publicada na revista especializada Redox Biology.

Flávia Fernandes, pneumologista da Oncoclínicas Brasília, explica que os dados científicos reforçam a suspeita que ronda profissionais da área médica desde o surgimento dos e-cigarros. “Ainda não tínhamos como comprovar, porque o uso desse dispositivo não havia sido estudado a fundo, por ser um aparelho novo. Agora, indícios mais fortes começam a surgir e reforçam esse nosso temor”, diz. Ela avalia que mais dados semelhantes devem surgir nos próximos anos. “Novas pesquisas precisam ser feitas. Há esse risco de sofrer mais com asma e seus sintomas, uma doença bastante popular na população, algo que é preocupante e precisa ser melhor analisado”, opina.

A médica também acredita que é importante conscientizar a população quanto aos potenciais riscos dos e-cigarros, para evitar a influência de propagandas massivas em favor desse dispositivo. “Tínhamos antigamente peças comerciais que incentivavam até as grávidas a fumarem. Agora, temos algo similar, que é feito pela internet, onde há a venda mais massiva desses produtos. No Brasil, o uso dos e-cigarros não é permitido, mas, ainda assim, muitos têm acesso a ele por conta disso.”

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Pulmão inflamado

Estudos mostram que cigarros eletrônicos podem gerar danos aos pulmões de cobaias, mas os mecanismos envolvidos nesse processo não haviam sido observados minuciosamente. Para preencher essa lacuna, cientistas americanos recorreram ao uso de uma técnica química de análise apurada em ratos. Os animais foram expostos ao vapor do cigarro eletrônico por três sessões de uma hora, durante três dias.

A análise molecular mostrou que a exposição a três dos compostos mais comuns nos e-cigarros — propilenoglicol (um líquido sintético frequentemente encontrado em cosméticos), glicerina vegetal e nicotina — alterou a produção de vários tipos de proteínas do pulmão das cobaias. Essas mudanças também geraram sinais de estresse oxidativo. “Algumas mudanças detectadas promovem a coagulação e a inflamação sistêmica e são semelhantes às encontradas nos pulmões de fumantes tradicionais, potencialmente implicando os cigarros eletrônicos como impulsionadores de um estado inflamatório”, avalia Charles Ansong, pesquisador no Laboratório Nacional do Noroeste do Pacífico, nos EUA, e um dos autores do estudo.

Paulo César Corrêa, coordenador da Comissão Científica de Tabagismo da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia, enfatiza que a glicerina vegetal é usada em óleo de cozinha.” As chances desse elemento fazer mal ao pulmão, que recebe diretamente essas substâncias inaladas, é altíssima. Sem contar os outros aditivos usados para dar sabor, como os corantes e os aromas”, detalha.

Corrêa destaca que é importante informar às pessoas sobre os prejuízos gerados por esse aparelho. “Essa tecnologia surgiu de uma empresa de fundo de quintal, por meio de um farmacêutico chinês que queria parar de fumar. O aparelho se popularizou com essa ideia, mas, hoje em dia, já temos indícios de pessoas que não fumavam e, agora, não conseguem parar de usar esse dispositivo”, adverte.

O médico ressalta ainda que cuidar da saúde respiratória é essencial para se proteger de enfermidades diversas, como a covid-19. “É um alerta muito importante, pois vemos como as pessoas com pulmão prejudicado têm sofrido mais com essa doença. Na pandemia, tivemos até uma espécie de pesquisa defendendo que o cigarro protegeria o organismo do vírus, algo que é absurdo e que precisamos desmentir para a população.” (VS)

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