As vantagens da infância ativa

Crianças que praticam atividades físicas regularmente têm melhoras no desenvolvimento cognitivo, no controle das emoções e em sintomas de doenças neurológicas, mostram estudos. Especialistas lembram que pais devem incluir os exercícios na rotina dos filhos

» Vilhena Soares
postado em 29/05/2021 21:07

Para ajudar na queima de energia e impedir o acúmulo de peso, muitos pais incentivam os filhos a realizarem atividades físicas. A rotina não sedentária também é boa para o cérebro. Esses benefícios foram demonstrados em uma série de pesquisas recentes. Cientistas observaram, por exemplo, que jovens que praticam exercícios regularmente apresentam melhoras no aprendizado e que crianças com distúrbios psicológicos e problemas de desenvolvimento obtêm ganhos neurais e motores ao se exercitar. Especialistas acreditam que essas constatações podem incentivar famílias a adotarem o hábito saudável, aumentando, assim, as chances de que ele se perpetue até a vida adulta.

Algumas pesquisas antigas sugeriram que a atividade física na infância poderia aumentar a autorregulação, que é a habilidade de controlar as emoções e o comportamento conforme o esperado em um determinado contexto. No entanto, essas investigações foram feitas com um número reduzido de participantes e durante um intervalo de tempo pequeno, o que levantou dúvidas quanto à exatidão dos dados. Pesquisadores ingleses resolveram, então, estudar o tema mais a fundo.

Eles pediram para que pais e professores preenchessem um questionário repleto de perguntas sobre saúde mental de um grupo de 4.043 crianças. “Elas foram avaliadas em três momentos: aos 7, 11 e 14 anos de idade”, conta, em comunicado, Fotini Vasilopoulos, pesquisadora da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, e uma das autoras do trabalho, publicado na revista Plos One. A equipe também observou se os jovens realizavam atividades físicas e de que forma, dando foco a parâmetros como intensidade, duração e sensação de prazer.

A análise dos dados mostrou que as crianças que passavam mais tempo ocupadas com atividades físicas apresentavam maior regulação emocional em todos os três momentos em que as medições foram feitas. Os dados também revelaram que, aos 7 anos, além da regulação emocional, foi observado um maior desempenho acadêmico. Aos 11 anos, entrou também a regulação comportamental.

Segundo os autores, o estudo mostra como a atividade física precoce é um elemento importante para o desenvolvimento cognitivo. “Os resultados demonstram a importância de garantir que as crianças se exercitem. Isso é essencial para todos, mas, particularmente, para os jovens que vivem em ambientes menos favorecidos, que não têm oportunidade de participar de atividades físicas diversas. Seria essencial pensar em recursos para acabar com essa desigualdade, como intensificar a prática das atividades físicas nas escolas públicas”, sugere Vasilopoulos.

TDAH
A realização de atividades físicas também gera ganhos importantes para crianças com distúrbios como o transtorno de deficit de atenção e hiperatividade (TDAH), segundo um estudo da Rússia. Os cientistas acompanharam 16 voluntários com TDAH e idade entre 6 e 7 anos. Eles realizaram aulas de ioga e respiração três vezes por semana, após as aulas tradicionais. O experimento durou três meses.

No final, todo o grupo apresentou melhoras na atenção, diminuiu a hiperatividade, deixou de se cansar com facilidade e conseguiu se envolver em atividades complexas por mais tempo. “Isso foi algo animador. O efeito positivo é visto em um período curto até. Acreditamos que ele pode durar por um bom tempo, mas é algo que ainda precisamos avaliar”, afirmou Sergey Kiselev, chefe do Laboratório de Cérebro e Desenvolvimento Neurocognitivo da Universidade de Ural e principal autor do estudo.

Kiselev também levanta uma hipótese sobre o efeito das atividades nos voluntários. “Para crianças com esse distúrbio, a parte do cérebro responsável pela regulação da atividade cerebral, chamada formação reticular, é deficiente. Isso faz com que elas experimentem estados de hiperatividade inadequada, aumento da distração e da exaustão. Usamos um tipo de respiração que ajuda a suprir melhor o cérebro de oxigênio e ajuda nesse processo”, afirma.

Uma pesquisa americana também mostrou benefícios gerados pelo exercício físico a crianças com deficiência de desenvolvimento, como autismo e síndrome de Asperge. Os pais que passavam mais tempo realizando atividades físicas com os filhos que tinham esses comprometimentos observaram que eles apresentaram melhoras nas habilidades motoras.

Segundo Luan Diego Marques, psiquiatra e professor colaborador da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília (UnB), os resultados dos estudos entram em concordância com a prática clínica. “Esse tema tem sido bastante explorado, principalmente, na área do autismo. Sabemos que esse perfil de criança tem mais ganhos cognitivos quando ela tem maior oxigenação do cérebro, o que é feito por meio desses estímulos físicos. O mesmo acontece até em adultos. Quando idosos começam a ter problemas de memória, a primeira recomendação é que comecem a se exercitar”, detalha.

O especialista lembra, ainda, que o incentivo ao exercício ainda na infância é essencial para combater uma complicação cada vez mais frequente entre os pequenos: a obesidade. “Ela tem aumentado, e é um problema ainda mais relevante no caso de crianças com transtornos psiquiátricos que fazem o uso de medicamentos que podem interferir no peso. Estimular a prática física é essencial, principalmente, para esse grupo”, afirma.

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Herança valiosa

“A prática da atividade física é algo que desenvolvemos na infância — pelo incentivo da família e também nas escolas — e faz total diferença na vida adulta. Quando mais velhas, as pessoas que se exercitaram com frequência mais jovens, geralmente relatam que tiveram esse contato com a academia, por exemplo, desde cedo. Vemos isso também em idosos que precisam fazer aulas de musculação e não tem preparo, justamente por não ter tido um desenvolvimento prévio lá atrás. Infelizmente, esse incentivo às crianças se perdeu muito agora na pandemia, mas é algo importante, que precisa ser mantido. É essencial aos pais fazer com que os filhos se mantenham em movimento, pois isso contribuirá para sua saúde no futuro.”

Carlos Magno Paiva, fisioterapeuta do IB Physical, em Brasília

Exposição a telas pode prejudicar a visão

 (crédito: Universidade de Okayama/Divulgação)
crédito: Universidade de Okayama/Divulgação

É comum ouvir que passar horas na frente da televisão pode afetar a visão. No entanto, existem poucas evidências científicas que comprovem essa relação. Em um estudo recente, pesquisadores do Japão mostram dados que corroboram esse efeito negativo. Eles usaram um banco de dados do governo, atualizado anualmente desde 2001, com relatórios médicos e comportamentais de crianças.

Ao observar dados de um grupo de 47.015 pessoas com 7 a 12 anos, constataram que os analisados que passavam mais de duas horas pouco ativos — em frente à televisão e a outras telas — tinham mais queixas quanto a problemas na visão, em comparação com os jovens que passavam menos de uma hora expostos a dispositivos eletrônicos. O mesmo efeito foi observado em crianças com até 3 anos, mas um número menor de jovens com essa idade foi avaliado.

Com base nos dados, os especialistas alertam para a necessidade de controlar a exposição das crianças a telas desde cedo. “Monitorar cuidadosamente a exposição de uma criança à televisão até os 3 anos de idade pode ser um fator crítico para o desenvolvimento de uma visão saudável, e isso precisa se manter ao longo da infância”, defende Matsuo Toshihiko, pesquisador da Universidade de Okayama e um dos autores do estudo.

Tiago Ribeiro, oftalmopediatra do Visão Hospital de Olhos, em Brasília, acredita que os dados vistos na pesquisa reforçam o cuidado já repassado aos pais pelos especialistas. “Na oftalmologia e em outras áreas, incluindo a pediatria, a orientação é ‘zero tela’ até os 2 anos de idade. Não só para proteger a visão, mas pelo desenvolvimento cognitivo, que pode ser influenciado pela televisão”, explica. “Sabemos também que, em regiões em que as pessoas não têm acesso às telas com frequência, a visão apresenta menos prejuízos. Isso só reforça a necessidade de manter as crianças em atividades feitas longe dos computadores, como futebol e natação.” (VS)

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