Uma em cada três mortes no mundo ligadas às ondas de calor é atribuída ao aquecimento global induzido pelo homem. Em países mais afetados pelo fenômeno, como Brasil, Colômbia, Guatemala e Filipinas, o índice é ainda maior: em média, seis em cada 10 óbitos. Os dados fazem parte de um estudo inédito divulgado na edição mais recente da revista Nature Climate Change e que, segundo os autores, demonstra o quanto as populações já têm sofrido com grandes impactos gerados pelas mudanças climáticas.
“Esse é o maior estudo de detecção e atribuição sobre os riscos atuais das mudanças climáticas para a saúde. A mensagem é clara: as mudanças climáticas não terão apenas impactos devastadores no futuro, mas todos os continentes já estão experimentando as terríveis consequências das atividades humanas em nosso planeta. Devemos agir agora”, alerta, em comunicado, Antonio Gasparrini, cientista da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres (LSHTM) e autor sênior do estudo.
A pesquisa é fruto do trabalho de 70 pesquisadores, responsáveis por reunir e analisar dados de 732 locais, em 43 países, coletados entre 1991 e 2018. Foi adotado como metodologia o cruzamento dos dados de saúde com os de registro de temperaturas e algumas modelagens climáticas. Dessa forma, a equipe examinou as condições meteorológicas e as simulou em cenários com e sem emissões antrópicas (causadas pelo homem).
Isso permitiu aos pesquisadores separarem das tendências naturais o aquecimento global e o impacto na saúde ligado às atividades humanas. A mortalidade relacionada ao calor foi definida como o número de mortes atribuídas a altas temperaturas, ocorrendo em exposições superiores ao considerado ideal para a saúde humana, que varia conforme a região.
A conclusão é de que, de forma geral, 37% dos óbitos relacionados com as altas temperaturas são diretamente atribuíveis às mudanças climáticas. Em números, esse percentual representa 100 mil mortes a cada ano, segundo os pesquisadores. Essa porcentagem é maior nas américas Central e do Sul (até 76% no Equador ou na Colômbia, por exemplo) e no Sudeste Asiático (entre 48% a 61%).
Os autores enfatizam que, curiosamente, as populações que vivem em países de baixa e média renda, que eram responsáveis por uma pequena parte das emissões antrópicas no passado, são as mais afetadas. Em países desenvolvidos, como Estados Unidos, Austrália, França, Grã-Bretanha e Espanha, o percentual oscila entre 35% e 39%, mas passa de 40% em nações como México, Chile, África do Sul, Tailândia e Vietnã. Em outras, como Brasil, Colômbia, Peru, Guatemala e Filipinas, dispara, superando 60%.
Pode piorar
As estimativas também mostram o número de mortes por mudanças climáticas induzidas pelo homem em cidades específicas. Em Santiago, no Chile, por exemplo, são 136 mortes por ano, sendo 44,3% relacionadas ao calor. Os dados de Bangkok são 146 e 53,4%, respectivamente. Os de Nova York 141 e 44,2%. E os de Tóquio 156 e 35,6%.Primeira autora do estudo, Ana M. Vicedo-Cabrera, da Universidade de Berna, na Suíça, alerta que a tendência é de que o cenário se agrave. “Esperamos que a proporção de mortes relacionadas ao calor continue a crescer se não fizermos algo sobre as mudanças climáticas ou nos adaptarmos. Agora, a temperatura média global aumentou apenas cerca de 1ºC. Isso é uma fração do que poderíamos enfrentar caso as emissões continuem a crescer sem controle”, justifica.
Ela lembra que, além da morte, há outros problemas de saúde relacionados ao fenômeno, como complicações cardiovasculares ou respiratórias que demandam internação hospitalar. “Esses problemas são, geralmente, mais frequentes e se somam aos custos de saúde. A mortalidade (…) é apenas a ponta do iceberg.”
Mais investigações
Segundo Antonio Gasparrini, os dados mostram que é possível “medir os impactos negativos na saúde, além dos efeitos ambientais e ecológicos já conhecidos” do aquecimento global. Essa mortalidade não se deve, porém, exclusivamente ao aumento das temperaturas do verão (+1,5ºC desde 1991 nas regiões cobertas pelo estudo). A duração das ondas de calor, o aumento das temperaturas noturnas, em comparação com as diurnas, e as taxas de umidade também desempenham um papel importante.
Os autores dos estudo ressaltam ainda que o aquecimento global tem afetado a saúde humana de várias maneiras, desde impactos diretos ligados a incêndios florestais e condições climáticas extremas até mudanças na propagação de doenças transmitidas por vetores. Para eles, talvez, o mais impressionante seja o aumento da mortalidade e morbidade associada ao calor.
Por isso, defendem, os resultados obtidos são uma significativa evidência da necessidade de adotar políticas de mitigação fortes para reduzir o aquecimento e implementar intervenções que protejam as populações das consequências adversas da exposição ao calor. A equipe também reconhece as limitações da investigação, incluindo a impossibilidade de incluir locais em todas as regiões do mundo — por exemplo, grandes partes da África e do sul da Ásia — devido à falta de dados empíricos.
Em comentário publicado na mesma edição da Nature Climate Change, Dan Mitchell, pesquisador da Universidade de Bristol, no Reino Unido, enfatiza que os estudos sobre as consequências do aquecimento global, principalmente os fenômenos climáticos extremos, multiplicaram-se nos últimos anos, mas são poucos os que se referem à saúde humana. Segundo o especialista, esse novo “ponto de vista é essencial para que os líderes mundiais compreendam os riscos” atrelados ao problema.
“Agora, a temperatura média global aumentou apenas cerca de 1ºC. Isso é uma fração do que poderíamos enfrentar caso as emissões continuem a crescer sem controle”
Ana M. Vicedo-Cabrera, pesquisadora da Universidade de Berna e primeira autora do estudo
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