ALERTA

Resto eletrônico é uma ameaça para quem vive de lixões

O manejo incorreto de e-lixos em vazadouros informais pode aumentar o risco de doenças diversas, como cânceres e deficit de atenção, alerta a OMS. Gestantes e crianças são mais vulneráveis

Paloma Oliveto
postado em 16/06/2021 06:00
Mundo enfrenta um
Mundo enfrenta um "tsunami" de sobras de equipamentos: aumento de 21% no descarte de 2014 a 2019 - (crédito: Charly Triballeau/AFP)

À medida que as toneladas de descarte eletrônico se acumulam em lixões, tornam-se cada vez mais conhecidos os danos que o excesso de aparelhos e componentes causa ao meio ambiente. Agora, pela primeira vez, a Organização Mundial da Saúde (OMS) publica um relatório sobre os problemas que esses resíduos provocam na saúde humana, especialmente em crianças e gestantes que sobrevivem da coleta de detritos.

De acordo com o documento, apresentado ontem em uma coletiva de imprensa, em cinco anos, contados a partir de 2014, houve um aumento de 21% no descarte de eletrônicos. “Em 2019, o mundo produziu 53,6 milhões de toneladas métricas desses resíduos. Para fins de comparação, imagine 350 navios de cruzeiro cheios desse tipo de lixo. Essa é a quantidade que nós, como sociedade, produzimos todos os anos”, disse Maria Neira, diretora do Departamento de Meio Ambiente, Mudanças Climáticas e Saúde da OMS.

Nas palavras do diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, trata-se de um tsunami de componentes e equipamentos que colocam em risco pessoas que trabalham nos lixões não regulamentados, especialmente em países mais pobres. No relatório, o Brasil aparece no mapa dos países que mais produzem o chamado e-lixo. “Da mesma forma que o mundo se uniu para proteger os mares e seus ecossistemas da poluição por plásticos e microplásticos, precisamos nos unir para proteger nosso recurso mais valioso — a saúde de nossas crianças — da crescente ameaça do lixo eletrônico”, afirmou Ghebreyesus, em nota.

Embora componentes eletrônicos usados sejam potencialmente aproveitáveis, somente 17,4% dos resíduos produzidos em 2019 chegaram a instalações formais de reciclagem, um processo que exige mão de obra qualificada. O restante foi despejado ilegalmente, principalmente em países de baixa ou média renda, onde é reaproveitado por trabalhadores informais.

O processamento informal de lixo eletrônico permite extrair metais como cianeto de sódio, ácido nítrico e mercúrio por meio de queima a céu aberto, aquecimento ou lixiviação ácida. “As tentativas de recuperação de materiais podem expor as crianças e os trabalhadores ao mercúrio, chumbo, cádmio e a outros subprodutos do processamento de plástico e de metais”, diz o relatório. “Essas substâncias poluem o ar, a água e os solos e podem volatilizar-se a partir do solo contaminado. Os trabalhadores inalam e ingerem partículas perigosas, e a sua pele, seus sapatos e seu vestuário podem levar essas substâncias para as suas comunidades e para as suas casas.”

Diferentes vias

A exposição aos poluentes pode ocorrer por vias diversas, como a ingestão de água ou leite materno contaminados. A inalação de gases e partículas de aerossóis, incluindo partículas em suspensão decorrentes da queima ao ar livre, é outra forma de contaminação, além da exposição transplacentária e através da pele. Crianças que vivem ou moram perto dos lixões estão em maior risco, porque seu sistema imunológico está ainda em desenvolvimento, absorvem mais poluentes devido à baixa estatura e são menos capazes de metabolizar ou erradicar substâncias tóxicas do organismo, segundo o documento da OMS.

Fetos em gestação também estão em alto risco, de acordo com o relatório. As mulheres que trabalham em lixões clandestinos têm maior probabilidade de dar à luz natimortos e prematuros, bem como de ter bebês com baixo peso e altura ao nascer. “Crianças expostas ao chumbo no útero são mais propensas a sofrer transtorno de deficit de atenção/hiperatividade e problemas comportamentais, bem como problemas cognitivos. Os impactos de longo prazo na saúde incluem danos na função pulmonar, efeitos respiratórios, danos ao DNA, função tireoidiana prejudicada e aumento do risco de algumas doenças crônicas, como câncer e doenças cardiovasculares”, disse, na coletiva de imprensa, Marie-Noël Bruné Drisse, autora principal do relatório.

“Uma criança que come apenas um ovo de galinha de Agbogbloshie, um depósito de lixo em Gana, vai absorver 220 vezes o limite diário estabelecido pela Autoridade Europeia de Segurança Alimentar para ingestão de dioxinas cloradas”, destacou Bruné Drisse. “A gestão inadequada do lixo eletrônico é a causa. Esse é um problema crescente que muitos países ainda não reconhecem como de saúde. Se não agirem agora, terá um efeito devastador na saúde das crianças e representará um pesado fardo para o setor de saúde nos próximos anos.”

» Efeito pandemia

A crise sanitária da covid-19 terá um impacto sobre a produção de lixo eletrônico, segundo um novo relatório da Organização das Nações Unidas (ONU). Nos primeiros três trimestres de 2020, medidas de isolamento social causaram queda de 30% nas vendas de equipamentos eletrônicos e elétricos em países de baixa e média rendas e de 5% em países de alta renda, diz o documento. Os pesquisadores da ONU preveem uma queda geral de 4,9 milhões de toneladas métricas devido à redução das vendas em 2020, cerca de 6,4% menos do que um cenário de normalidade.

 

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