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Uma escolha que não é só alimentar: fatores externos podem definir dietas

Estudos recentes indicam fatores não nutricionais que podem influenciar a forma como crianças e jovens definem o que comem. Comentários de pessoas próximas, conteúdos publicados nas redes sociais e até o endosso de celebridades fazem parte dessa receita

Os hábitos alimentares adotados na juventude podem influenciar toda a vida adulta e, por isso, precisam de mais atenção, alertam especialistas. Com essa preocupação, cientistas investigam como jovens escolhem o que comem. Um estudo recente mostra a influência de mídias sociais, de pessoas próximas e até de celebridades. Outro sinaliza que críticas sobre o peso corporal geram efeitos negativos na autopercepção dos mais novos, o que pode desencadear problemas psicológicos mais sérios, incluindo distúrbios alimentares. Essas são algumas das conclusões apresentadas no Congresso da Sociedade Americana de Nutrição — realizado na semana passada — e que, segundo autores, são ferramentas estratégicas no combate à obesidade nessa faixa etária.

“Para que escolhas alimentares mais saudáveis sejam feitas, é necessário compreender o que os próprios adolescentes percebem como agentes impulsionadores e como barreiras. Procuramos enxergar a visão deles para propor um caminho a seguir”, relata, em comunicado, Catharine Fleming, pesquisadora da Universidade Wester Sidney, na Austrália, e uma das autoras de um estudo apresentado no congresso científico.

Fleming e equipe entrevistaram 655 adolescentes, de 12 a 18 anos, durante workshops realizados simultaneamente em 18 países, de cinco regiões . Em todos os locais, os participantes identificaram a família, as mídias sociais e a internet como principais motivadores para as escolhas alimentares, seguidos por televisão e rádio, amigos, publicidade e endossos de celebridades.

As principais barreiras à alimentação saudável descritas pelos participantes foram as restrições financeiras, o gosto e os tipos de alimentos disponíveis em casa, na escola e na comunidade. Muitos responderam também que as opções não saudáveis são geralmente mais fáceis de acessar. “Eles relataram barreiras estruturais importantes para uma alimentação saudável, como as restrições financeiras e o que está disponível em seus ambientes. Precisamos buscar soluções centradas nesses pontos. Vemos, já de início, que são questões que envolvem muitos responsáveis e, por isso, precisamos do esforço de diversos agentes para ultrapassar todas as barreiras identificadas”, enfatiza Fleming,

Para Vladimir Melo, psicólogo e autor do livro Obesidade infantil: interações familiares e ciclo de vida numa perspectiva sistêmica, o estudo traz conclusões que podem ser usadas por especialistas de diversas áreas e reforçam a influência da internet. “Os adolescentes valorizam muito o pertencimento, e a ‘marca’ do alimento ocupa um lugar importante para situá-los em um grupo. A internet é por onde essas influências circulam, principalmente considerando o aumento do alcance de youtubers durante a pandemia”, explica. “Se não existe uma educação alimentar em casa e na escola, a criança estará mais suscetível à influência da mídia, consumindo alimentos pela embalagem ou pelos brindes que os acompanha. Isso, certamente, pode seguir até a adolescência.”

Luylia Guedes, nutricionista do Hospital Santa Marta, em Brasília, concorda. “Assim como no passado tínhamos uma preocupação com o que se passava nas propagandas televisivas de alimentos, hoje temos uma série de outras redes que usam conteúdo semelhante”, diz. A especialista lembra que o ganho de peso excessivo nessa faixa etária tem despertado a preocupação entre especialistas. “Os números relacionados à obesidade sobem a cada dia, tanto em crianças e adolescentes quanto em adultos. Quando entendemos melhor esses jovens, temos como adotar medidas preventivas mais efetivas.”

A nutricionista enfatiza que os cuidados são ainda mais urgentes na atual pandemia, em que as restrições podem levar a um aumento nas taxas de sedentarismo. “É importante impedir que esse tempo em casa aumente o consumo de alimentos, principalmente os mais gordurosos, que procuramos quando estamos ansiosos. Sabemos que é mais fácil prevenir do que tratar esse tipo de problema. Por isso, precisamos impedir que os jovens levem esses hábitos”, alerta.

Estigma

A pressão psicológica para que os jovens emagreçam também é um obstáculo na busca pela alimentação saudável, segundo especialistas americanos. A equipe avaliou o impacto de comentários feitos por pessoas próximas. “Provocações ou falas críticas sobre o peso por parte de membros da família podem levar a criança a criar estereótipos negativos sobre si mesma, algo conhecido como internalização de viés de peso”, relata, em comunicado, Katherine Rancaño, pesquisadora da Escola de Ciência e Política de Nutrição da Universidade Tufts Friedman, nos Estados Unidos.

Os cientistas chegaram à conclusão após entrevistas com 137 pais e seus filhos (de 9 a 14 anos) sobre o número de vezes em que as crianças experimentaram provocações ou comentários críticos sobre seu peso. A análise mostrou que crianças expostas a críticas sobre peso vindas dos pais ou dos irmãos em nove ou mais ocasiões durante um período de três meses foram oito vezes mais propensas a ter níveis moderados ou altos de estigma de peso (percepção negativa), quando comparadas às que não passaram por essa experiência ou a experienciaram com menor frequência. “Esse efeito pode gerar outros danos, como baixa autoestima e comportamentos alimentares desordenados. Estudos anteriores já relacionaram a internalização do viés de peso com autodesvalorização, imagem corporal pobre e comportamentos alimentares desordenados”, indica o artigo

O psicólogo Vladimir Melo destaca que a pesquisa converge com dados encontrados na literatura e evidencia a importância da família para a prevenção e o tratamento do excesso de peso. “Os pais precisam compreender melhor o papel deles no tratamento da obesidade. Limites, afetos e valores são transmitidos ao longo de gerações pela alimentação. Se as relações enfrentam sérias dificuldades, isso certamente pode resultar em obesidade e transtornos alimentares”, afirma.

Segundo os especialistas, os comentários negativos, além de prejudicarem no controle de peso corporal, podem gerar danos severos e duradouros. “Já se sabe que o assédio contra obesos tem início dentro de casa e impacta seriamente a autoestima da criança e do adolescente. Muitas pessoas acusam o obeso de ser preguiçoso, por exemplo, o que pode levar a um isolamento social e a uma falta de adesão a tratamentos. A resistência à exposição do corpo e a desconfiança podem se prolongar até a vida adulta”, diz Melo. “Vivemos em uma sociedade que prega o corpo ideal como o magro. Para uma criança que tem sobrepeso ser criticada e cobrada é algo difícil, que pode desencadear problemas mais sérios, como transtornos alimentares, baixa autoestima, depressão e ansiedade”, complementa Luylia Guedes.

A nutricionista indica alguns cuidados que ajudam a evitar esses desdobramentos. “A criança precisa ter mais atenção dos pais. Eles devem incentivá-la a comer alimentos mais saudáveis e menos industrializados, por exemplo. É necessário também passar mais tempo em família, fazendo uma atividade física juntos. Vemos, agora na pandemia, que muitas pessoas podem perder a linha e comer mais bobagens. Se você dá mais atenção a esses detalhes, fica mais fácil de controlar e evitar problemas sérios”, ensina.

 

As armadilhas das telas

O uso excessivo de smartphones pode influenciar a dieta e o peso dos adolescentes, mostra um estudo conduzido com 50 mil sul-coreanos. Os pesquisadores observaram que os jovens que passavam mais tempo utilizando os aparelhos móveis tinham maior propensão a comer mais junk food e menos frutas e vegetais, quando comparados aos que gastavam menos tempo em seus telefones.

“Embora estudos anteriores tenham mostrado que assistir à televisão é um fator importante, que aumenta o risco de obesidade em crianças e adolescentes, pouco se sabe sobre os efeitos do tempo de tela em aparelhos que têm sido muito usados nos últimos anos, como o smartphone”, declara, em comunicado, Hannah Oh, pesquisadora da Universidade da Coreia e principal autora do estudo.

Os cientistas analisaram dados de 53 mil adolescentes de 12 a 18 anos. Observaram que aqueles que gastam cinco ou mais horas por dia nos celulares são mais propensos a relatar hábitos menos saudáveis, como o consumo de bebidas açucaradas e fast food, em comparação àqueles que dedicam menos de 2 horas por dia aos dispositivos. “Nossos dados sugerem que o tempo de uso do smartphone pode influenciar a dieta e contribuir para o aumento das taxas de obesidade em adolescentes”, enfatiza Hannah Oh.

Vigilância

No artigo, os autores informam que os fatores potenciais por trás dessas tendências podem incluir a exposição excessiva de propagandas de alimentos em espaços digitais, uma maior propensão para comer “sem pensar” durante o uso do smartphone, sono inadequado e deslocamento do tempo que poderia ser gasto com atividades físicas. Hannah Oh enfatiza a necessidade de monitorar o marketing de alimentos voltado para adolescentes na mídia digital e também aposta que os smartphones podem ser aproveitados para melhorar a saúde pública.

Aplicativos de rastreamento nutricional e uso de plataformas digitais para tornar as informações sobre alimentação saudável mais acessíveis são algumas das apostas nesse sentido. “Os adolescentes de hoje são nativos digitais, cresceram em contato próximo com dispositivos eletrônicos. Portanto, provavelmente, serão fortemente influenciados por eles. Devem ser feitos esforços para maximizar os efeitos positivos e minimizar os efeitos negativos do uso do smartphone”, defende.