SAÚDE

Estudo liga dependência em cannabis a risco maior de esquizofrenia

Risco de desenvolvimento do transtorno psiquiátrico pode ser quatro vezes maior entre dependentes de maconha, mostra estudo da Dinamarca com dados de mais de 7 milhões de pessoas. Pesquisa indica ligação entre fenômenos, não uma relação de causa e efeito

Paloma Oliveto
postado em 22/07/2021 06:00
Autores analisaram prontuários feitos ao longo de 40 anos. Resultados indicam que
Autores analisaram prontuários feitos ao longo de 40 anos. Resultados indicam que "a cannabis não deve ser considerada inofensiva" - (crédito: Geoff Robins/AFP - 17/10/18)

Um estudo dinamarquês baseado em prontuários de mais de 7 milhões de pessoas constatou que a dependência em cannabis está associada a um risco quatro vezes maior de esquizofrenia. A pesquisa, publicada na revista Jama Psychiatry, utilizou dados médicos referentes a quatro décadas (de 1972 a 2016) e também aponta que, no período, a fração atribuível populacional (FAP) — isso é, os casos da doença mental que poderiam ser evitados se os pacientes não sofressem de adição pela droga — aumentou de 2%, no início do período avaliado, para 8% em 2016.

Dos 7.186.834 de pessoas cujos prontuários foram analisados, 0,3% (24 mil) recebeu, em algum momento, atendimento médico para tratar de dependência em maconha, e 0,6% (42 mil) foi diagnosticada com esquizofrenia. Os pesquisadores levaram em consideração outros fatores de risco conhecidos para o distúrbio mental, como histórico familiar, complicações obstétricas e uso de álcool e/ou outras drogas. Excluindo esses aspectos, calcularam, então, os casos da doença potencialmente atribuídos à cannabis.

O estudo é observacional — ou seja, não pode estabelecer uma relação de causa e efeito. Contudo, essa metodologia é utilizada para fornecer evidências de uma associação, como observa um artigo de opinião sobre a pesquisa publicado na Jama Psychiatry. “Estamos vendo um aumento no número de casos de esquizofrenia, ao mesmo tempo em que vemos um aumento nos casos de distúrbios associados à cannabis em hospitais. Queríamos saber se poderia haver uma relação entre ambos e acredito que nosso estudo mostra uma associação convincente”, diz a autora sênior da pesquisa, Merete Nordentoft, psiquiatra da Universidade de Copenhague. A médica ressalta que a quantidade de THC — substância da cannabis que altera a consciência — está cada vez maior na composição da droga, o que poderia explicar por que houve crescimento nas hospitalizações pela dependência química. “As pessoas estão usando um produto muito mais poderoso.”

Nordentoft destaca que, nas últimas décadas, outros estudos populacionais de diversas partes do mundo também apontaram uma associação entre o uso de cannabis e transtornos mentais. Até agora não se sabe, porém, qual a relação causal — uma pesquisa do King’s College de Londres já sugeriu que a esquizofrenia e a dependência em maconha compartilham os mesmos genes; outra, da Universidade de Telavive, em Israel, afirmou que o THC desregula uma substância no hipocampo de pessoas com suscetibilidade genética à doença mental, desencadeando o transtorno. Contudo, permanece desconhecido o mecanismo que explicaria uma associação potencial.

Limitações

Para Terrie Moffitt, professora de comportamento e desenvolvimento social do Instituto de Psiquiatria, Psicologia e Neurociência (IoPPN), na Inglaterra, há algumas limitações na pesquisa dinamarquesa, mas essas, na avaliação dela, não desmerecem os resultados. “Um ponto fraco do estudo é que ele se refere a pacientes que tiveram um diagnóstico clínico de dependência de cannabis. No entanto, a maioria dos usuários de cannabis, mesmo aqueles que dependem dela, nunca vão às clínicas para tratamento”, diz. “Além disso, sabe-se que as pessoas que procuram tratamento tendem a ter vários problemas de saúde mental, não apenas problemas com a maconha. E há muito mais usuários recreativos de cannabis que administram bem a maconha do que usuários dependentes que não conseguem administrá-la”, afirma.

Porém, Moffitt diz que, em países como Inglaterra e Nova Zelândia, estudos que rastreiam grandes populações fazem entrevistas constantes sobre o uso de cannabis, independentemente de o paciente ter procurado tratamento, já encontraram associações semelhantes à do grupo dinamarquês. “Também nesses estudos, os usuários de cannabis apresentam risco elevado de transtornos mentais psicóticos. ”

Segundo os autores do artigo publicado ontem, o estudo “é particularmente importante com a crescente legalização da cannabis para uso medicinal e recreativo, que parece levar a um aumento na percepção da cannabis como relativamente inofensiva”. “Nosso estudo indica claramente que a cannabis não deve ser considerada inofensiva. Uma importante implicação (da pesquisa) pode, portanto, ser que tanto o uso quanto a potência da cannabis devem ser reduzidos para atingir a prevenção primária da esquizofrenia”, escreveram.

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Palavra de especialista

 (crédito: Royal Society/Divulgação)
crédito: Royal Society/Divulgação

Evidência esmagadora

“Esse é um excelente estudo cuidadosamente conduzido que mostra que, ao longo de quatro décadas, a proporção de esquizofrenia atribuível ao uso de cannabis na Dinamarca aumentou de 2% para 8%. É provável que seja uma estimativa consideravelmente subestimada. Esse estudo adiciona à evidência agora esmagadora de que o uso de cannabis é uma causa importante e crescente de psicose. Campanhas públicas para chamar a atenção sobre os riscos do uso pesado de cannabis são necessárias com urgência.” Robin Murray, professor de pesquisa psiquiátrica no King’s College de Londres.

 

 

 

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