Como podemos alterar o cérebro

Estudos mostram que hábitos simples causam mudanças cerebrais que favorecem o bom funcionamento neuronal e, dessa forma, evitam doenças graves, como o Alzheimer. Praticar exercícios físicos regularmente e passar mais tempo ao ar livre estão entre os bons costumes

Vilhena Soares
postado em 24/07/2021 21:17 / atualizado em 24/07/2021 21:18


Apesar de não serem vistas a olhos nus, mudanças constantes na estrutura do cérebro contribuem para que ele trabalhe melhor. Elas podem ser desencadeadas por meio de uma série de atividades cotidianas, como a realização de exercícios físicos e o estudo de um novo idioma. É o que mostram resultados de pesquisas recentes (veja arte), focadas em entender os mecanismos celulares por trás desses ganhos à saúde e, dessa forma, ajudar no combate e na prevenção de uma série de doenças neurológicas debilitantes, como o Alzheimer.

Durante a pandemia, caminhadas, piqueniques e passeios ao ar livre se tornaram alternativas de atividades com menor risco de infecção. Elas têm um efeito positivo não apenas no bem-estar geral, mas também na estrutura cerebral, mostra um estudo da Alemanha. “Observamos que o cérebro humano se beneficia quando ficamos em ambientes abertos e próximos da natureza mesmo quando a estadia é curta. Até agora, sabíamos desse benefício apenas se passássemos longos períodos de tempo ao ar livre”, relata, em comunicado, Simone Kühn, pesquisadora do Instituto Max Planck de Pesquisas.

A cientista chegou a essa conclusão após acompanhar, ao longo de seis meses, seis indivíduos de meia-idade (média de 45 anos) saudáveis. Os voluntários foram submetidos a mais de 280 varreduras cerebrais, feitas com aparelhos de ressonância magnética (MRI, em inglês), enquanto realizavam atividades cotidianas dentro e fora de casa, como lavar louças e encontrar amigos.

Os exames indicaram que o tempo gasto ao ar livre foi relacionado a um aumento em uma região do cérebro que está envolvida no planejamento, na regulação das ações e no controle cognitivo. “Os resultados mostram que nossa estrutura cerebral e nosso humor melhoram quando passamos um tempo ao ar livre. Mesmo que curto, de meia hora por dia. Isso, provavelmente, também afeta a concentração, a memória de trabalho e a psique como um todo”, afirma a pesquisadora.

Segundo Simone Kühn, a redução nessa área do cérebro está relacionada a muitos transtornos psiquiátricos. Dessa forma, acredita, a pesquisa mostra um caminho para prevenir essas enfermidades. “Estamos investigando isso em um estudo em andamento”, conta.

Guilherme Cazarim, neurocirurgião do Hospital Santa Marta, em Brasília, acredita que os dados obtidos no estudo podem ser usados para incentivar a população a mudar os hábitos. “É muito bom ter provas científicas dos benefícios gerados ao cérebro com uma tarefa fácil de ser incorporada ao cotidiano. Mas nos faz pensar que, hoje em dia, estamos tão apressados e atarefados que deixamos de realizar uma atividade tão comum, que pertence aos nossos ancestrais. É um apelo que não era necessário no passado”, diz.

O especialista também acredita que passar mais tempo ao ar livre pode ajudar a prevenir problemas psiquiátricos comuns. “Faz muito sentido essa relação direta com a saúde mental vista no estudo. Isso porque, quando estamos em ambientes externos, geralmente temos menos estresse, e isso ajuda bastante. Sempre sugerimos essa prática para quem sofre de transtornos de ansiedade e depressão, por exemplo. Agora, temos mais dados mostrando que esse caminho é o correto a se seguir.”

Cazarim ressalta que identificar os ganhos gerados na área neural pela proximidade com a natureza abre espaço para outras análises. “Seria muito bacana fazer estudos que comparassem as alterações cerebrais durante uma ligação por vídeo e uma conversa ao vivo, por exemplo”, ilustra. “Com isso, poderíamos, muito provavelmente, enxergar uma atividade neural distinta em determinadas áreas, entendendo melhor essas alterações cerebrais.”

Barreira fortalecida

A realização de exercícios físicos é outra atividade benéfica à estrutura cerebral. E, se feita regularmente, pode até evitar o surgimento de problemas neurodegenerativos, segundo americanos. O efeito foi constatado em testes com ratos. Os cientistas colocaram roedores com 12 meses (idade equivalente à meia-idade nos humanos) para realizar exercícios físicos regularmente, como correr em rodas de exercícios cerca de três quilômetros por noite, e avaliaram o cérebro das cobaias até os 18 meses (o equivalente a 60 anos em humanos).

As observações indicaram que a atividade física regular melhorou a capacidade cognitiva e a motivação dos camundongos quando mais velhos. Os cientistas também notaram que o exercício aumentou a produção de células nervosas variadas, sendo que fortaleceu principalmente a barreira hematoencefálica do cérebro, que o protege da entrada de invasores — evitando, dessa forma, problemas como a inflamação dos tecidos, ligada à perda de memória e outros danos. “Nossos dados apontam que ter um estilo de vida ativo sempre que possível é algo fortalecedor para o sistema neural e impede a neuroinflamação, um dos principais fatores envolvidos em enfermidades como o Alzheimer”, afirma, em comunicado, Ileana Soto, principal autora do estudo e pesquisadora do Jackson Laboratory, nos Estados Unidos.

Os cientistas ponderam que avaliações mais aprofundadas precisam ser feitas, já que os testes foram conduzidos apenas com ratos, mas, com base nos resultados atuais, acreditam que a realização de atividades físicas regularmente precisa ser incentivada, principalmente durante a meia-idade, para prevenir danos neurais. “Hoje em dia, com tantas distrações e conveniências, é fácil cair em um estilo de vida que não inclui exercícios suficientes. Com o envelhecimento da população, espero que nosso estudo ajude a encorajar as pessoas a incluírem essas atividades no cotidiano”, declara Soto.

A equipe também sinaliza que entender os mecanismos celulares envolvidos nos benefícios gerados ao cérebro por esse tipo de atividade pode ajudar a desenvolver opções alternativas para quem não pode se exercitar. “Nosso estudo fornece a possibilidade de estudar soluções para aqueles que não conseguem realizar essas atividades por limitações diversas”, diz Soto.

Segundo Marcelo Lobo, neurologista do Hospital Santa Lúcia, em Brasília, e membro titular da Sociedade Brasileira de Neurologia (SBN), os resultados do estudo americano entram em concordância com o que é visto nos consultórios. “Já notamos, na área clínica, que pessoas mais velhas com menos problemas de saúde têm um histórico de boas práticas que inclui alimentação saudável e realização de atividades físicas”, justifica. “Temos, agora, pistas a seguir no cérebro humano para entender melhor esse efeito e, como dizem os próprios autores, pensar em alternativas para pessoas que não têm como adotar esse hábito.”

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Para favorecer a aprendizagem


Uma equipe de cientistas da Universidade de Tóquio, no Japão, também detectou mudanças benéficas no cérebro a partir da adoção de novos hábitos. Eles acompanharam 15 voluntários que estavam se mudando para a capital do país e frequentavam aulas introdutórias de japonês por pelo menos três horas diárias. Os participantes foram submetidos a ressonância magnética (MRI) e medição de fluxo sanguíneo enquanto realizavam tarefas de leitura e escuta do novo idioma.

Nos testes iniciais, as áreas do cérebro relacionadas à aprendizagem mostraram atividade alta e aumento no fluxo sanguíneo. Semanas depois, a atividade neural e o fluxo sanguíneo sofreram reduções. “Essa alteração nos mostra que o cérebro usa muita energia no começo de uma aprendizagem, e isso, em um processo que parece natural, vai caindo. Agora que entendemos esse efeito, podemos criar ferramentas que nos ajudem a aprimorar nosso aprendizado e ajudar pessoas que tenham problemas cognitivos e enfrentam dificuldade para aprender algo”, afirma, em comunicado, o neurocientista Kuniyoshi L. Sakai

Para Marcelo Lobo, neurologista do Hospital Santa Lúcia, em Brasília, os segredos relacionados ao funcionamento do cérebro são diversos, e muitas outras pesquisas com dados novos sobre esse complexo órgão devem surgir, podendo auxiliar a área científica e o enfrentamento a doenças. “Esses dados e os que virão serão úteis em diversas frentes, mas precisam ser usados com os da genética e os do meio ambiente. É na mistura dessas três áreas que entendemos melhor o nosso organismo e as suas reações”, explica. (VS)

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