Mas para um fisiologista cardiovascular, há algo nelas que desperta ainda mais admiração. As girafas resolveram um problema que mata milhões de pessoas todos os anos: a pressão alta.
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Suas soluções, apenas parcialmente compreendidas pelos cientistas até agora, envolvem órgãos sob pressão, ritmos cardíacos alterados, armazenamento de sangue — e o equivalente biológico a meias de compressão.
As girafas têm pressão alta devido à altura de suas cabeças, que, em adultos, chegam a se elevar cerca de 6 metros acima do solo — um caminho bem longo para o coração bombear o sangue contra a gravidade.
Para ter uma pressão sanguínea de 110/70 no cérebro — relativamente normal para um mamífero grande —, as girafas precisam de uma pressão sanguínea no coração de cerca de 220/180.
Isso não abala as girafas, mas uma pressão assim causaria todos os tipos de problemas nos seres humanos, desde insuficiência cardíaca até insuficiência renal e tornozelos e pernas inchados.
Nas pessoas, a hipertensão arterial crônica leva a um espessamento dos músculos do coração.
O ventrículo esquerdo fica mais rígido e menos capaz de se encher de sangue novamente após cada contração, levando a uma doença conhecida como insuficiência cardíaca diastólica, caracterizada por fadiga, falta de ar e capacidade reduzida de praticar exercícios.
Esse tipo de insuficiência cardíaca é responsável por quase metade dos 6,2 milhões de casos de insuficiência cardíaca nos Estados Unidos atualmente.
Quando a cardiologista e bióloga evolucionista Barbara Natterson-Horowitz, das universidades de Harvard e da Califórnia em Los Angeles (UCLA), examinou o coração das girafas, ela e um dos seus alunos descobriram que o ventrículo esquerdo ficava mais espesso, mas sem o enrijecimento ou fibrose que ocorreria nos seres humanos.
Os pesquisadores também descobriram que as girafas apresentam mutações em cinco genes relacionados à fibrose.
Em sintonia com essa descoberta, outros pesquisadores que examinaram o genoma da girafa em 2016 encontraram várias variantes genéticas, específicas da girafa, relacionadas ao desenvolvimento cardiovascular e à manutenção da pressão sanguínea e da circulação.
E, em março de 2021, outro grupo de pesquisa identificou variantes específicas da girafa em genes envolvidos na fibrose.
E a girafa tem outro truque para evitar a insuficiência cardíaca: o ritmo elétrico de seu coração difere do de outros mamíferos.
Nas girafas, a fase de enchimento ventricular do batimento cardíaco é prolongada, descobriu Natterson-Horowitz. (Nenhum de seus estudos foi publicado ainda.)
Isso faz com que o coração bombeie mais sangue a cada contração, permitindo que a girafa corra com força, apesar de seu músculo cardíaco mais espesso.
"Tudo o que você precisa fazer é olhar a foto de uma girafa em fuga", diz Natterson-Horowitz, "e você percebe que a girafa resolveu o problema."
Natterson-Horowitz está voltando sua atenção agora para outro problema que as girafas parecem ter solucionado: a pressão alta durante a gravidez, uma condição conhecida como pré-eclâmpsia.
Nos seres humanos, pode levar a complicações graves que incluem danos ao fígado, insuficiência renal e descolamento da placenta.
Mas as girafas parecem se sair bem.
Natterson-Horowitz e sua equipe esperam estudar as placentas de girafas grávidas para ver se elas têm adaptações únicas que permitam isso.
Pessoas que sofrem de hipertensão também são propensas a inchaços incômodos nas pernas e tornozelos porque a pressão alta força a água para fora dos vasos sanguíneos, indo para os tecidos.
Mas basta olhar para as pernas esguias de uma girafa para saber que elas também resolveram esse problema.
"Por que não vemos girafas com as pernas inchadas? Como elas estão protegidas contra a enorme pressão lá embaixo?", questiona Christian Aalkjær, fisiologista cardiovascular da Universidade de Aarhus, na Dinamarca, que escreveu sobre as adaptações das girafas à pressão alta na Annual Review of Physiology de 2021.
Em parte, pelo menos, as girafas minimizam o inchaço com o mesmo truque que as enfermeiras aplicam em seus pacientes: meias de compressão, um tipo de meia-calça justa e elástica que comprime os tecidos das pernas e evita o acúmulo de líquido.
As girafas conseguem o mesmo feito por meio de um revestimento apertado de tecido conjuntivo denso.
A equipe de Aalkjær testou o efeito disso injetando uma pequena quantidade de solução salina sob o revestimento nas pernas de quatro girafas que foram anestesiadas por outros motivos.
Para ser bem-sucedida, a injeção exigiu muito mais pressão na parte inferior da perna do que uma injeção equivalente no pescoço, observou a equipe, indicando que o revestimento ajudou a resistir ao vazamento.
As girafas também têm artérias de paredes espessas próximas aos joelhos que podem atuar como restritores de fluxo, conforme Aalkjær e seus colegas descobriram.
Isso pode diminuir a pressão arterial na parte inferior das pernas, da mesma forma que uma dobra em uma mangueira de jardim faz com que a pressão da água diminua além da dobra.
Ainda não está claro, no entanto, se as girafas abrem e fecham as artérias para regular a pressão da parte inferior da perna conforme necessário.
"Seria divertido imaginar que, quando a girafa está parada lá fora, ela está fechando o esfíncter logo abaixo do joelho", diz Aalkjær.
"Mas não sabemos."
Aalkjær tem mais uma pergunta sobre esses animais notáveis.
Quando uma girafa levanta a cabeça após se abaixar para beber água, a pressão sanguínea no cérebro deve cair precipitadamente — uma versão mais acentuada da tontura que muitas pessoas sentem quando se levantam repentinamente.
Por que as girafas não desmaiam?
Pelo menos parte da resposta parece ser que as girafas são capazes de amortecer essas mudanças repentinas na pressão arterial.
Em girafas anestesiadas cujas cabeças podiam ser levantadas e abaixadas com cordas e roldanas, Aalkjær observou que o sangue se acumula nas grandes veias do pescoço quando a cabeça está abaixada.
Elas armazenam mais de um litro de sangue, reduzindo temporariamente a quantidade de sangue que retorna ao coração.
Com menos sangue disponível, o coração gera menos pressão a cada batimento enquanto a cabeça está abaixada.
Quando a cabeça é erguida novamente, o sangue armazenado corre subitamente de volta ao coração, que responde com uma contração forte de alta pressão que ajuda a bombear o sangue para o cérebro.
Ainda não está claro se isso é o que acontece em animais não-anestesiados que se movimentam livremente, embora a equipe de Aalkjær tenha registrado recentemente a pressão e o fluxo sanguíneo de girafas nestas circunstâncias a partir de sensores implantados nelas — e espera ter uma resposta em breve.
Então será que podemos aprender algumas lições com as girafas?
Nenhuma das descobertas resultou ainda em uma terapia clínica específica. Mas isso não significa que não vão, diz Natterson-Horowitz.
Mesmo que algumas das adaptações provavelmente não sejam relevantes para a hipertensão em humanos, elas podem ajudar os cientistas biomédicos a refletir sobre o problema de novas maneiras e encontrar abordagens inovadoras para essa doença tão comum.
* Este artigo foi publicado originalmente na Knowable Magazine e republicado sob uma licença Creative Commons. Leia aqui a versão original (em inglês).
Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Future.
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