O desenvolvimento de curativos mais eficientes e seguros mobiliza cientistas de diversos países. Nos últimos anos, um novo desafio foi incorporado a essa área de pesquisa: a criação de versões desse material médico que sejam menos agressivas ao meio ambiente. Com esse objetivo, engenheiros químicos de Cingapura desenvolveram um curativo de gel antibacteriano que tem como matéria-prima cascas descartadas de uma fruta popular no país: o durião. A tecnologia, apresentada na última edição da revista ACS Sustainable Chemistry & Engineering, é mais barata que produtos similares atualmente usados e apresentou resultados positivos em testes preliminares feitos com animais.
Os curativos convencionais de hidrogel são encontrados facilmente em farmácias e têm como principal vantagem proporcionar alta hidratação ao machucado. É isso que evita a formação excessiva de tecido cicatricial na ferida, garantindo uma pele curada mais lisa e macia. Essa recente tecnologia, porém, apresenta uma desvantagem: é feita de materiais sintéticos, como o polimetacrilato e o polivinilpirrolidona, polímeros que são agressivos à natureza. “Alguns desses produtos chegam a conter até compostos metálicos, como íons de prata ou de cobre, que, além de maléficos ao meio ambiente, são bem caros”, destaca, em comunicado, William Chen, diretor do Programa de Ciência e Tecnologia de Alimentos da Universidade Tecnológica de Nanyang.
Em busca de um curativo sustentável, o pesquisador e sua equipe decidiram usar como matéria-prima as cascas do durião. “Esse alimento tem uma casca grossa, com espinhos pontiagudos, que é descartada, enquanto sua polpa adocicada é considerada uma iguaria”, detalha o autor do trabalho. Em laboratório, o grupo extraiu a celulose presente nas cascas da fruta e combinou o material com glicerol, um subproduto descartado durante a produção de biodiesel e sabão. “Com essa mistura, conseguimos criar um gel macio, semelhante a folhas de silício, que pode ser cortado em vários formatos e tamanhos”, explica Chen.
Em uma última etapa, os cientistas adicionaram ao novo curativo moléculas orgânicas presentes em leveduras, chamadas popularmente de fermento fenólico natural, o que proporcionou ao produto um escudo contra bactérias. “Esses fenólicos naturais ajudam a prevenir o crescimento de agentes nocivos comuns, como a E. coli. É uma proteção primordial para que um curativo seja considerado seguro”, enfatizam os autores do estudo. O produto médico foi testado no tratamento de feridas na pele de animais e obteve resultados positivos. Os efeitos antimicrobianos se mantiveram estáveis por até 48 horas, e a cicatrização das cobaias foi melhor do que o esperado.
Superbactérias
O novo curativo pode ser fabricado em pouco tempo, com um custo baixo e com baixo impacto ao planeta, destacam os criadores da tecnologia. “A casca corresponde a até 60% do durião e, geralmente, é descartada e incinerada, o que representa um problema ambiental”, justifica Chen. “Com a crescente ameaça de superbactérias resistentes a antibióticos, o mundo precisará de várias formas alternativas para prevenir infecções. Uma forma eficaz de proteger feridas abertas é com curativos antimicrobianos, que são sustentáveis e seguros. Esse tipo de tecnologia é especialmente importante para diabéticos e pacientes que sofrem de feridas crônicas”, completa.
Edgard Antonio Ferreira, professor de química orgânica na Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo, conta que o curativo sustentável desenvolvido pelos cientistas singapurenses faz parte de uma área de pesquisa em crescimento. “Hoje, temos muitos especialistas testando o uso de elementos naturais no desenvolvimento de recursos médicos. A busca por novos materiais é uma estratégia inteligente, pois sabemos como o meio ambiente é rico. A natureza é basicamente uma grande biblioteca química”, afirma. “Isso faz ainda mais sentido quando lembramos que antigamente, quando não tínhamos medicamentos, os antigos se tratavam com elementos retirados da fauna e da flora.”
Segundo o especialista brasileiro, mais estudos semelhantes devem surgir nos próximos anos. “A química já tem nos ajudado bastante a sermos menos agressivos ao planeta, é o que vemos nesse trabalho e o que deve se repetir em outros tipos de pesquisas. Eu também tenho trabalhado com isso. Atualmente, estudo os poderes antioxidantes presentes na folha do bambu”, conta. “Já temos muitos medicamentos usados no tratamento do câncer, por exemplo, que vieram da natureza, e, com certeza, poderemos ter opções ainda mais eficientes para tratar pacientes seja com novas drogas, seja com novos materiais médicos, como esse curativo.”
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Palavra de especialista
Combinações promissoras
“Acredito que uma das principais vantagens desses novos produtos médicos, como esses curativos, é o baixo custo na produção. Essas novas tecnologias podem ser tão bem-sucedidas economicamente que deverão substituir aos poucos os produtos que temos disponíveis hoje. Outra coisa importante é a liberdade que os especialistas da área de tecnologia têm de misturar materiais distintos, criando, assim, matérias-primas extremamente ricas. Isso é possível graças aos recursos tecnológicos que temos. Esses projetos já são bastante inovadores, mas acredito que podemos esperar por mais trabalhos até mais interessantes no futuro.”
Filipe Tôrres, membro do Instituto de Engenheiros Eletricistas e Eletrônicos (IEEE) e especialista em engenharia biomédica e engenharia eletrônica da Universidade de Brasília (UnB)
Mais segurança ao pós-cirúrgico
Na tentativa de melhorar a recuperação de pessoas submetidas a cirurgias, pesquisadores suecos desenvolveram um curativo interno que, ao ser usado ao fim desse procedimento médico, evita vazamentos prejudiciais à saúde. A tecnologia foi apresentada na última edição da revista especializada Advanced Functional Materials e, segundo o artigo, obteve alta eficácia em testes com cobaias.
Os autores explicam que a ideia inicial era usar um tipo especial de gesso como matéria-prima para o curativo. Mas o material não é bem tolerado pelo corpo, além de ser tóxico e se dissolver muito rapidamente quando em contato com os sucos digestivos. “Vazamentos após cirurgia abdominal ainda são uma das complicações mais temidas”, explica, em comunicado, Inge Herrmann, autora principal do estudo e cientista do Instituto de Pesquisa Suíça Interdisciplinar para Ciências e Tecnologia de Materiais Aplicados (Empa).
Herrmann e seus parceiros de laboratório resolveram juntar quatro substâncias acrílicas e usar a mistura como a base do novo dispositivo médico. “Escolhemos a quadriga de ácido acrílico, o acrilato de metila, a acrilamida e a bis-acrilamida. Uni-los deu muito certo, eles funcionam em perfeita sinergia, gerando um ótimo produto final: um hidrogel quimicamente estável que se liga bem a mucosa e é resistente aos sucos digestivos”, detalha a autora principal.
Alta aderência
Em experimentos com animais, o dispositivo atendeu às expectativas. “A adesão é até 10 vezes maior do que com materiais adesivos convencionais. Uma análise mais aprofundada também mostrou que nosso hidrogel pode suportar cinco vezes a carga máxima de pressão no intestino”, compara Herrmann.
Como próximo passo, os pesquisadores pretendem patentear o produto e testá-lo em humanos. “Acreditamos que esse material pode ser produzido com pouco custo, e seu uso gerará também grandes ganhos aos pacientes, que vão passar menos tempo internados e terão uma recuperação que pode ser bem mais rápida”, afirma a pesquisadora.