ESPERANÇA

Sem medicamentos para tratar doença extremamente letal, vacina derrota o vírus ebola

Primeiro estudo feito com adultos e crianças, em Serra Leoa, mostra que duas doses de imunizante produz uma forte resposta contra o micro-organismo extremamente letal. Até o momento, não existem medicamentos para tratar a doença, que surgiu há 45 anos

Paloma Oliveto
postado em 14/09/2021 06:00
Com roupas de proteção, médicos conversam com paciente na cidade de Kailahun, epicentro da epidemia que atingiu a África Ocidental em 2014 -  (crédito: Carl de Souza/AFP - 15/8/14)
Com roupas de proteção, médicos conversam com paciente na cidade de Kailahun, epicentro da epidemia que atingiu a África Ocidental em 2014 - (crédito: Carl de Souza/AFP - 15/8/14)

Quarenta e cinco anos depois do primeiro caso mundial detectado de ebola, o regime de duas doses de uma vacina mostrou-se seguro e produziu forte resposta imunológica em pessoas com mais de um ano, segundo dois artigos divulgados ontem na revista The Lancet Infectious Diseases. Sem medicamento aprovado para uma doença altamente letal — de 50% a 90% dos infectados morrem —, pouco se tem a fazer pelos pacientes, e há anos uma imunização eficaz é esperada pela comunidade médica.

O ebola surgiu na República Democrática do Congo (RDC), e a última grande epidemia, de 2014-2016, aconteceu na África Ocidental, com 28.652 casos e 11.325 óbitos. Vinte por cento dos casos ocorreram em pessoas com menos de 15 anos. Há três meses, a Organização Mundial da Saúde (OMS) anunciou um novo surto na RDC. O estudo do imunizante foi realizado em Serra Leoa, uma das regiões mais afetadas pelo vírus. Segundo a Johnson & Johnson, fabricante da vacina, esse é o primeiro estudo a avaliar a segurança e a tolerabilidade no esquema duplo, e também a ser testado em crianças e adultos.

Os resultados, apresentados por cientistas da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres (LSHTM) e da Faculdade de Medicina e Ciências Aliadas da Saúde de Serra Leoa (Comahs), referem-se a um ensaio clínico realizado de 2015 a 2018. Na primeira etapa, 43 adultos receberam o regime duplo, composto pela vacina Ad26.Zebov seguida, 56 dias depois, pela dose da MVA-BN-Filo. Ambas contêm partes do vírus atenuado.

No segundo estágio do ensaio, 400 adultos e 576 crianças e adolescentes foram vacinados com o regime duplo ou com uma dose única de vacina meningocócica quadrivalente conjugada, seguida por placebo. Pessoas acima de 18 anos que participaram da fase um também receberam, nessa etapa, um reforço da Ad26.Zebov dois anos depois. Segundo os pesquisadores, essa dose adicional “induziu forte resposta imune” em sete dias.

Sem reação grave

Os autores relataram que o regime duplo testado não provocou efeitos colaterais graves e induziu respostas de anticorpos neutralizantes, capazes de matar e impedir a replicação do ebolavírus, 21 dias depois da segunda dose em 98%. Esse efeito durou pelo menos dois anos. Muhammed Afolabi, professor da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres e autor de um dos dois artigos, disse que esse foi o primeiro estudo publicado para avaliar o regime duplo com crianças.

“Os resultados mostram que esse regime de vacina tem o potencial de salvar muitas vidas jovens. Esse estudo representa um progresso importante no desenvolvimento de um regime de vacina contra a doença do vírus ebola para crianças e contribui para a preparação e resposta da saúde pública para futuros surtos.”

Antes mesmo da publicação, os resultados do estudo contribuíram para a aprovação e autorização de comercialização do regime de vacina de duas doses para ebola em julho de 2020 pela Agência Europeia de Medicamentos, para uso tanto em crianças quanto em adultos. Também graças ao ensaio clínico, o esquema foi pré-qualificado pela OMS em abril, o que facilitará os registros formais desse regime de vacina em países com risco de surtos do vírus ebola.

Há alguns meses, o Grupo Consultivo Estratégico de Especialistas em Imunização da OMS fez uma recomendação em apoio ao uso do regime de vacina de duas doses de ebola da Johnson & Johnson, assim como uma vacina produzida pela Merck, a rVSV-ZEBOV-GP, durante epidemias, para pessoas em risco de exposição ao vírus. Também preventivamente para equipes de saúde nacionais e internacionais que trabalham nos países africanos afetados pelo micro-organismo.

“A ameaça de futuros surtos do vírus ebola é real, e é importante lembrar que essa doença, definitivamente, não desapareceu”, comenta a professora Deborah Watson-Jones, da LSHTM. “Apesar dos desafios globais adicionais em torno da covid-19, não devemos desacelerar os esforços para encontrar maneiras eficazes de prevenir epidemias de vírus ebola e, caso ocorram surtos, de contê-los rapidamente. As vacinas têm um papel fundamental no cumprimento de ambos os objetivos.”

Em nota, Mohamed Samai, vice-chanceler da Universidade de Serra Leoa e reitor da Faculdade de Medicina e Ciências Aliadas da Saúde de Serra Leoa, disse que os resultados “têm o potencial de proteger a população de Serra Leoa, países vizinhos e demais nações dessa terrível doença.” Nos dois artigos, os autores ressaltaram que enfrentaram muitos desafios para fazer os testes, incluindo falta de eletricidade, de laboratórios e de instalações médicas.

Novos testes

Desde maio, mais de 250 mil pessoas que participam de ensaios clínicos receberam ao menos a primeira dose do imunizante da Johnson & Johnson, que doou milhares de vacinas por meio de um programa da OMS. Dessas, 200 mil já estão duplamente imunizadas. Agora, estão em curso pesquisas com bebês com menos de 1 ano, para avaliar a segurança e a resposta imunológica.

Também estão sendo testadas vacinas de outros laboratórios e universidades no país africa
no. Uma delas, a Ervebo (nome comercial da substância rVS-ZEBOV) é utilizada em ensaios conduzidos pelo Instituto de Pesquisa Scripps, na Califórnia, e recebeu autorização de uso pela Agência Europeia de Medicamentos e pela Food and Drugs Administration (FDA), nos EUA.

Quando injetada, a substância entra nas células e produz cópias da glicoproteína do vírus, provocando uma resposta imunológica para uma futura exposição ao ebola. Em 2019, testes realizados em países africanos demonstraram segurança e eficácia, mas não havia grupo placebo para efeitos de comparação. Por isso, ainda não foram realizados os ensaios de fase III.

Os pesquisadores aprimoraram o “veículo” condutor do micro-organismo para as células, desenvolvendo nanopartículas mais eficientes. “Há muitas coisas no campo da vacina contra o vírus ebola que ainda precisam ser examinadas com cuidado, mas no nosso estudo, alcançamos um design de nanopartículas que parece muito adequado para a otimização e testes adicionais”, conta Jiang Zhu, coautor de um trabalho publicado na revista Nature Communications.

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