CIÊNCIA

Astrônomos identificam fórmula da vida na Terra em berçário de planetas

Com um nível de precisão sem precedentes, astrônomos conseguem identificar moléculas orgânicas na região de formação de planetas a até 500 anos-luz da Terra. Elas são muito mais diversas e abundantes do que se pensava

Paloma Oliveto
postado em 16/09/2021 06:00
Impressão artística de gás e poeira em um disco protoplanetário: região com condições químicas que resultaram na vida na Terra -  (crédito: M.Weiss/Center for Astrophysics/Harvard & Smithsonian/Divulgação)
Impressão artística de gás e poeira em um disco protoplanetário: região com condições químicas que resultaram na vida na Terra - (crédito: M.Weiss/Center for Astrophysics/Harvard & Smithsonian/Divulgação)

Uma equipe internacional de astrônomos identificou a fórmula da vida na Terra em um berçário de planetas, sugerindo que esses mundos são potencialmente habitáveis. Usando dados do radiotelescópio Alma, no Chile, os cientistas mapearam, com um nível de detalhamento sem precedentes, os elementos químicos de cinco discos protoplanetários — regiões de poeira e gás onde esses corpos celestes se formam, em torno de jovens estrelas.

As moléculas contidas nesses discos impactam os futuros planetas de várias maneiras, incluindo seus “ingredientes”. Por exemplo, podem determinar onde e como eles se formarão, qual sua composição química e se há compostos orgânicos necessários para o florescimento da vida como se conhece na Terra. O projeto Moléculas com Alma em Escalas de Formação de Planetas (Maps) se concentrou nos discos protoplanetários ao redor das jovens estrelas IM Lup, GM Aur, AS 209, HD 163296 e MWC 480 — todas na Via Láctea, entre 300 e 500 anos-luz da Terra — porque, nesses locais, já foi detectado que há formação de planetas em curso. Também nessas regiões, sabe-se que há berçários de cometas e asteroides.

O Alma permitiu aos cientistas rastrear, pela primeira vez, moléculas nas regiões mais internas dos discos protoplanetários, em escalas de tamanho semelhantes aos do Sistema Solar. Elas foram identificadas em quatro dos cinco discos. “Nossa análise mostrou que as moléculas estão localizadas principalmente nessas regiões internas, com abundâncias entre 10 e 100 vezes maiores do que os modelos previram”, relata John Ilee, pesquisador da Universidade de Leeds, no Reino Unido, que liderou o estudo. Ele conta que uma das muitas descobertas do mapeamento é a sugestão de que as condições químicas básicas que resultaram na vida na Terra poderiam existir mais amplamente em toda a galáxia.

Entre o material identificado pelo Alma, os cientistas observaram moléculas orgânicas mais complexas, como HC3N, CH3CN e c-C3H2. Como elas são compostas por carbono, têm maior probabilidade de servir de matéria-prima para prebióticas maiores, ou seja, os blocos básicos de construção da vida. Embora essas moléculas tenham sido detectadas em discos protoplanetários anteriormente, o Maps é o primeiro estudo sistemático em alta resolução espacial e sensibilidade, e o primeiro a encontrar os compostos em quantidades tão grandes.

“A presença dessas grandes moléculas orgânicas é significativa porque elas são o ponto de partida entre as mais simples baseadas em carbono, como o monóxido de carbono, que é encontrado em abundância no espaço, e as mais complexas, necessárias para criar e sustentar a vida”, destaca o astrônomo. As descobertas do Maps foram publicadas ontem, em 20 artigos, na plataforma de acesso livre arXiv, e também formarão uma edição especial do Astrophysical Journal, contendo as imagens em alta resolução obtidas pelo Alma.

Heterogêneo

Os novos mapas revelam que os compostos químicos nos discos protoplanetários não estão localizados uniformemente. Em vez disso, cada berçário é uma sopa diferente de formação de planetas. Os resultados do estudo sugerem que o nascimento planetário ocorre em diversos ambientes químicos e que, à medida que se constitui, cada um desse tipo de corpo celeste pode ser exposto a moléculas muito diferentes, dependendo de sua localização em um disco.

“Nossos mapas revelam que é muito importante onde um planeta se forma em um disco”, disse, em nota, a astrônoma Karin Öberg, do Centro de Astrofísica I Harvard & Smithsonian (CfA) e principal autora do Maps I, o primeiro artigo da série. “Muitos dos produtos químicos nos discos são orgânicos, e a distribuição deles varia dramaticamente dentro de um disco específico. Dois planetas podem se formar em torno da mesma estrela e ter inventários orgânicos muito diferentes e, portanto, predisposições para a vida.”

Como as regiões do disco em que as moléculas estavam localizadas também são berçários de asteroides e cometas, os cientistas dizem que é possível que um processo semelhante ao que ajudou a iniciar a vida na Terra também poderia acontecer nos discos estudados. O bombardeio desses corpos transfere as grandes moléculas orgânicas para os planetas recém-formados. “O resultado principal desse trabalho mostra que os mesmos ingredientes necessários para semear vida em nosso planeta também são encontrados em torno de outras estrelas. É possível que as moléculas necessárias para dar início à vida nos planetas estejam prontamente disponíveis em todos os ambientes de formação de planetas”, escreveu, em nota, Catherine Walsh, um dos cinco líderes do projeto.

Uma das próximas questões que os pesquisadores querem investigar é se moléculas ainda mais complexas existem nos discos protoplanetários. “Se a vida existe fora da Terra é uma das questões fundamentais da humanidade. Agora, sabemos que os planetas são encontrados em todos os lugares, e o próximo passo é determinar se eles têm condições necessárias para a vida como a conhecemos (e quão comum essa situação pode ser)”, diz Joe Pesce, astrônomo do programa Alma da Fundação Nacional de Ciência dos EUA. “O programa Maps nos ajudará a responder melhor a essas perguntas. A busca do Alma por precursores para a vida longe da Terra complementa os estudos realizados em laboratórios e em locais de condições extremas, como fontes hidrotermais na Terra.”

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