A menos de dois meses de uma cúpula crucial para se tentar evitar um futuro catastrófico, a COP26, a Academia Real das Ciências da Sueca premiou com o Nobel de Física uma dupla de pesquisadores que desenvolveu os modelos usados para prever a reação da Terra às mudanças climáticas. O meteorologista japonês radicado nos EUA Syukuro Manabe, 90 anos, e o oceanógrafo alemão Klaus Hasselmann tiveram o trabalho reconhecido pelo Comitê Nobel pela “modelagem física do clima da Terra e por terem quantificado a variabilidade e previsto, de forma confiável, a mudança climática”, segundo o júri. Eles dividem o prêmio de 10 milhões de coroas suecas (US$ 1,1 milhão) com o físico teórico italiano Giorgio Parisi, 73, especialista na desordem nos sistemas complexos.
“Não tenho certeza se os líderes mundiais que ainda não entenderam a mensagem a entenderão, porque nós estamos falando”, afirmou, no anúncio, Thors Hanss Hansson, membro do comitê. “Mas esse é um prêmio de física, e o que estamos dizendo é que a modelagem climática está solidamente baseada na física”, frisou. Na clássica entrevista por telefone, quando é avisado pela Fundação Nobel sobre o prêmio, Parisi destacou a importância do trabalho dos colegas. “Acredito que é muito urgente que tomemos decisões muito fortes (a favor do clima). Está claro que devemos atuar de maneira rápida e sem demora a favor das gerações futuras”, afirmou.
Na década de 1960, Manabe, pesquisador da Universidade de Princeton, alertou que os níveis de CO2 na atmosfera estavam diretamente associados ao aumento da temperatura na Terra. Em uma coletiva de imprensa, Gabriel Vecchi, professor de geociências e diretor do Instituto Ambiental High Meadows (HMEI), da instituição de ensino norte-americana, explicou a importância do trabalho do cientista japonês. “Todo o campo da modelagem climática se originou com Suki”, disse. “A ideia de que você pode pegar algo tão complexo, como o sistema climático, e codificar as equações que o regem, colocá-las em um computador e, depois, usar isso para simular o sistema climático começou com ele”, destacou.
O geocientista lembrou que as primeiras simulações de como o sistema climático responde à emissão de gases de efeito estufa foram responsáveis por mostrar toda uma cadeia de fenômenos — naturais e antropogênicos — que explicava o aumento da temperatura na Terra. “Ele, ao fazer isso, não apenas ilustrou algumas das consequências potenciais do aquecimento global, mas nos deu um roteiro de como fazer ciência do clima.” Em entrevista ao site da universidade, Manabe disse que não esperava o prêmio. “Quando recebi o telefonema, fiquei muito surpreso. Sim, meu trabalho é baseado na física, mas é física aplicada, geofísica. Essa é a primeira vez que o Prêmio Nobel é concedido pelo tipo de trabalho que fiz: o estudo das mudanças climáticas.”
Pelo mesmo motivo, o comitê premiou Klaus Hasselmann, que foi o diretor do Instituto Max Planck de Meteorologia de 1975 a 1999. “Em 30 a 100 anos, dependendo da quantidade de combustível fóssil que consumirmos, enfrentaremos uma mudança climática muito significativa”, disse ele em uma entrevista, em 1988. “As zonas climáticas mudarão, a precipitação será distribuída de forma diferente. Então, não seremos mais capazes de falar sobre resultados aleatórios. Devemos perceber que estamos entrando em uma situação em que não há como voltar atrás.”
Graças ao seu trabalho, foi possível responder à pergunta de por que os modelos climáticos podem ser confiáveis, apesar do clima instável e caótico. Hasselmann também foi responsável por identificar sinais específicos que fenômenos naturais e atividades humanas imprimem no clima, demonstrando que o aumento da temperatura atmosférica pode estar relacionado às emissões humanas de dióxido de carbono. O Comitê Nobel justificou o prêmio destacando a importância do oceanógrafo “para a modelagem física do clima da Terra, quantificando a variabilidade e prevendo o aquecimento global de forma confiável”.
“Todos os dias, sentimos o clima da Terra. O que está oculto da visão imediata é a complexidade do sistema terrestre — como a atmosfera, os oceanos e a interação sólida da Terra para impulsionar o clima do nosso planeta”, disse, em nota, o presidente do Instituto Norte-Americano de Física (AIP), Michael Moloney. “Metade do prêmio de hoje reconhece o trabalho seminal que nos ajuda a entender esse sistema. É uma decisão notável para a ciência do clima neste ano em particular, já que nos aproximamos da conferência COP26 para tratar da crise climática”, opinou.
Padrões ocultos
A outra metade do prêmio foi atribuída ao físico teórico Giorgio Parisi, professor da Universidade Sapienza, em Roma. O Comitê afirmou que o Nobel reconhece “a descoberta da interação da desordem e das flutuações nos sistemas físicos: da escala atômica à planetária”. Na década de 1990, o cientista descobriu padrões ocultos em materiais complexos desordenados, uma das mais importantes contribuições para a teoria de sistemas complexos, um limiar entre a ordem e o caos, com aplicações em diferentes áreas do conhecimento, como matemática, biologia, neurociência e aprendizado de máquina.
“A emoção que sentimos hoje é difícil de exprimir, é um orgulho imenso para a Sapienza, para a comunidade científica e para o nosso país”, disse, em nota, a reitora da universidade. “Giorgio Parisi é um gigante, daqueles em quem as futuras gerações se apoiarão para a perscrutar o horizonte da ciência e dar mais um passo em direção ao conhecimento.” Michael Moloney, da AIP, destacou a importância do reconhecimento do trabalho dos três cientistas. “Ambos os prêmios mostram como o valor da natureza interdisciplinar da física, como nosso conhecimento e, de fato, nossas decisões políticas críticas dependem de pesquisas básicas fundamentais que procuram explicar as experiências humanas cotidianas.”
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