MEIO AMBIENTE

Concentração de CO2 na Terra em 2020 se igualou ao registrado há 5 milhões de anos

Especialistas das Nações Unidas apontam, em novo relatório, recorde na concentração de gases de efeito estufa em 2020. O aumento, revelado às vésperas do início da COP 26, é mais um alerta para a intensificação das medidas de combate ao aquecimento global

Vilhena Soares
postado em 26/10/2021 06:00
Imagem aérea de área florestal devastada próxima a Sinop, em Mato Grosso: estudos mostram que parte da Amazônia se tornou fonte de carbono -  (crédito: Florian Plaucheur/AFP)
Imagem aérea de área florestal devastada próxima a Sinop, em Mato Grosso: estudos mostram que parte da Amazônia se tornou fonte de carbono - (crédito: Florian Plaucheur/AFP)

As concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera atingiram um novo recorde em 2020. A informação foi divulgada, ontem, pela Organização Meteorológica Mundial (OMM), a cinco dias do início da Conferência Climática do Clima (COP 26). O evento, que será realizado em Glasgow, no Reino Unido, reunirá líderes mundiais para discutir ações que possam conter o aquecimento global. No relatório, os especialistas também apontam o aumento das queimadas como um dos principais responsáveis por essa marca negativa. Eles explicam que a destruição das florestas, principalmente da Amazônia, impede que essas áreas verdes contribuam para a redução desses agentes tóxicos.

De acordo com a agência das Nações Unidas, a concentração de dióxido de carbono (CO2), o mais abundante dos gases de efeito estufa, atingiu 413,2 partes por milhão (ppm), em 2020, uma taxa 149% maior do que os níveis pré-industriais. “A última vez que se registrou na Terra uma concentração de CO2 comparável foi entre três e cinco milhões de anos atrás. Nessa época, a temperatura era de 2°C a 3°C mais quente, e o nível do mar, entre 10 e 20 metros acima do atual, mas não havia 7,8 bilhões de pessoas no planeta”, comparou, em entrevista coletiva Petteri Taalas, secretário-geral da OMM.

No caso do metano (CH4) e do óxido nitroso (N2O), as concentrações foram 262% e 123% maiores, respectivamente, do que os níveis pré-industriais. Cerca de 40% do metano é emitido por fontes naturais (como os pântanos), enquanto os demais 60% têm origem em atividades humanas, como pecuária e cultivo de arroz, informou a agência da ONU em seu boletim.

De acordo com o secretário-geral da OMM, a desaceleração econômica causada pela covid-19 “não teve qualquer efeito evidente sobre os níveis atmosféricos dos gases de efeito estufa, nem em suas taxas de aumento, embora tenha ocorrido uma redução temporária das novas emissões”. A agência da ONU também informou que a temperatura mundial continuará subindo, gerando ainda mais prejuízos para o planeta e para todos que vivem nele, assim como mais tragédias naturais e problemas à saúde.

“Como o dióxido de carbono (CO2) é um gás de vida longa, o nível de temperatura observado hoje persistirá por várias décadas, ainda que as emissões sejam rapidamente reduzidas até alcançar o nível de zero, teremos que conviver com as consequências”, ressaltou Taalas.

Para Marcio Astrini, secretário-executivo da rede brasileira Observatório do Clima (OC), os dados divulgados pela OMM são extremamente preocupantes. “O relatório apresenta péssimas notícias, uma realidade dura e que não foi evitada apesar de todos os alertas e pesquisas feitas até hoje, que mostram como o mundo continua aumentando suas emissões de carbono de forma descontrolada”, destacou o especialista. “Existiram muitas conversas nos últimos anos, muitas promessas dos responsáveis, mas nada foi feito e chegamos a essa situação”, lamentou.

Desmatamento

O boletim da OMM enfatizou que cerca de metade do CO2 emitido pelas atividades humanas permanece na atmosfera, enquanto a outra metade é absorvida pelos oceanos e ecossistemas terrestres, porém os especialistas já evidenciaram “a transição de uma parte da Amazônia de sumidouro a fonte de carbono”. Ou seja, a floresta brasileira emite muito mais CO2 do que consegue absorver. “É alarmante e está vinculado ao desmatamento na região”, denunciou Taalas.

Astrini lembrou que o alerta dos especialistas quanto à perda da capacidade de filtragem de CO2 na Amazônia é algo que foi mostrado em estudos anteriores. “Uma pesquisa recente já tinha nos apontado esse problema e é algo que esperávamos devido, justamente, ao recente aumento das queimadas, que foram impulsionadas pelo negacionismo climático do governo Bolsonaro”, frisou. “Caso nada seja feito, iremos nos manter nesse ciclo negativo, com a destruição das florestas e o aumento contínuo das emissões.”

Para o diretor da agência da ONU, o alerta não pode ser ignorado pelos países. “O boletim da OMM sobre os gases de efeito estufa envia uma mensagem científica contundente aos negociadores em matéria de mudança climática”, frisou Taalas, assinalando: “Caso o ritmo atual de aumento das concentrações de gases de efeito estufa se mantenha, o aumento da temperatura no final desse século vai superar, de longe, a meta estabelecida em virtude do Acordo de Paris de limitar o aquecimento global a +1,5°C, ou a +2°C acima dos níveis pré-industriais.”

Por sua vez, Astrini considerou que os dados vistos pela OMM podem ser usados para pressionar os líderes mundiais durante a COP. “É preciso ficar de olho nas discussões dos governantes e nas suas promessas, e torcer para que eles se comprometam mais. Eles já foram pressionados no passado, mas, infelizmente, não vimos resultados. Precisamos de medidas mais efetivas de todos os países, principalmente do Brasil, que se tornou um pária da questão climática nos últimos anos”, opinou.

Sobrevivência em risco

Poucos dias antes do início da COP 26, a Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia (Figo) lançou um apelo para que “se aja agora” diante da crise climática que, segundo os especialistas da área, põe a sobrevivência humana em risco. Em artigo publicado no International Journal of Gynecology and Obstetrics, a Figo destaca que a exposição ao calor e à poluição provocam “um maior risco de mortalidade, de um peso insuficiente do bebê e de nascimentos prematuros, assim como de um aumento significativo do risco de anomalias congênitas do feto”.

“A última vez que se registrou na Terra uma concentração de CO2 comparável foi entre três e cinco milhões de anos atrás. Nessa época, a temperatura era de 2°C a 3°C mais quente, e o nível do mar, entre 10 metros e 20 metros acima do atual, mas não havia 7,8 bilhões de pessoas no planeta”
Petteri Taalas, secretário-geral da OMM

Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação