Há mais de 20 meses enfrentando a pandemia da covid-19, o planeta se vê diante de uma nova versão do coronavírus que coloca todos os países sob "um risco muito elevado" e intensifica o debate sobre a eficácia das medidas de vacinação adotadas até o momento. O alerta é feito pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que, em um documento técnico, relata que a cepa ômicron — identificada, pela primeira vez, na semana passada, na África do Sul — pode gerar "futuros picos da doença que poderiam ter consequências severas".
Segundo a agência das Nações Unidas, é elevada a probabilidade de a nova mutação se propagar pelo mundo, considerando o excesso de mutações existentes, o que pode "lhe conferir a capacidade de escapar de uma resposta imune (pelas vacinas disponíveis) e lhe dar uma vantagem em termos de transmissibilidade". O texto enfatiza que, até o momento, não há registro de mortes relacionadas à mutação e que há muito a se descobrir sobre a nova cepa.
Cientistas têm adotado o mesmo tom ponderador. "Espero que possamos abordar a (...) ômicron com empirismo, prudência e humildade, em vez de especulações como as dos últimos dias", escreveu, ontem, no Twitter o infectologista da Universidade de Toronto Isaac Bogoch.
A OMS diz trabalhar com países e parceiros para entender o impacto potencial da nova variante sobre medidas preventivas de combate à covid-19, incluindo as vacinas. Segundo a agência, as evidências disponíveis indicam que os imunizantes atuais "são eficazes na redução de doenças graves e morte contra todas as variantes da covid-19." Um dos principais especialistas do mundo em epidemias e conselheiro do governo dos Estados Unidos para o enfrentamento à pandemia, Anthony Fauci afirmou que continua "acreditando que as vacinas existentes devem fornecer um grau de proteção contra casos severos de covid-19".
A expectativa é de que, em até três semanas, saiam os resultados dos primeiros estudos sobre a eficácia dos imunizantes contra a cepa ômicron, mas uma ideia real desse efeito demorará meses. Foi o que aconteceu com a variante delta, identificada, pela primeira vez, na Índia, há um ano. No último dia 24, a OMS divulgou que a delta reduziu para 40% a eficácia das vacinas contra a transmissão do coronavírus. No caso da ômicron, o excesso de mutações na proteína spike — alvo das vacinas disponíveis — é o que acirra a preocupação quanto a possíveis impactos na eficácia das fórmulas.
Segundo pesquisadores do Hospital Bambino Gesù de Roma, os dados atuais não permitem essa conclusão, ainda que a quantidade de mutações na ômicron seja significativamente maior que a detectada na cepa delta. "Isso não quer dizer automaticamente que essas mutações são mais perigosas, diz simplesmente que o vírus se adaptou mais uma vez à espécie humana gerando outra variante. Outros estudos nos dirão se essa adaptação é neutra, menos ou mais perigosa", explica, em nota, a equipe responsável pela primeira imagem tridimensional da nova variante, divulgada no domingo.
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Sintomas leves
Por outro lado, o já constatado aumento do número de infectados na África do Sul é um sinal significativo de que a nova cepa deve ser mais transmissível, na avaliação do epidemiologista sul-africano Salim Abdool Karim. No domingo, o país registrou 2.800 novos casos de covid, contra 500 na semana anterior. Quase 75% das infecções contabilizadas nos últimos dias foram provocadas pela nova variante, sendo que os pacientes apresentaram sintomas leves, sem necessidade de internação.
A principal queixa, segundo Salim Abdool Karim, foi cansaço. "Embora a ômicron não seja clinicamente mais perigosa e os primeiros sinais ainda não sejam alarmantes, provavelmente, veremos um aumento de casos devido à velocidade de transmissão", afirma. O epidemiologista estima que, até o fim desta semana, o país chegará à média de 10 mil novos casos diários de covid-19.
Para o infectologista francês Yazdan Yazdanpanah, é "muito cedo para dizer" se os sintomas leves dos infectados pela nova variante indicam que ela deva ser mais contagiosa, mas menos perigosa. "No que diz respeito à gravidade, por enquanto temos poucos elementos", justifica. O especialista também avalia que a variante delta, muito difundida na Europa, é pouco presente na região em que foram descobertos os primeiros casos de infecção pela ômicron. Dessa forma, acredita, aumentam as dúvidas sobre a virulência da cepa no sul da África. "As circunstâncias do surgimento e da circulação da variante ômicron na África do Sul não são as mesmas que na Europa", justifica.
Equidade
Por enquanto, os pesquisadores insistem em um ponto: a estratégia de combate às variantes atuais, principalmente a delta, permanece eficaz. O que precisa, segundo a OMS, é uma cobertura vacinal mais igualitária. Ontem, a agência lembrou que apenas 0,6% de todas as vacinas contra a covid-19 foi direcionada aos países de baixa renda, a maioria deles localizados na África. "Entendemos e apoiamos a responsabilidade de cada governo de proteger seu povo. Mas equidade vacinal não é caridade. Nenhum país pode vacinar sozinho para sair da pandemia", disse o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus.
A agência estipulou a meta de que 40% da população de todos os países devem ser vacinadas contra a covid-19 até o fim deste ano, e 70% até meados de 2020. Dados divulgados ontem pela OMS indicam que 103 países não atingiram o objetivo, sendo que mais da metade deles fechará o ano nessa condição "simplesmente porque não têm acesso às vacinas de que precisam". "Quanto mais tempo a desigualdade vacinal persistir, mais oportunidades esse vírus terá de se espalhar e evoluir de maneiras que não podemos prever nem prevenir", alerta Ghebreyesus.
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